Dizem que a gente envelhece quando para de aprender. E o aprendizado vem do estudo, mas também das lições que a vida nos oferece a todo momento. Sim, a vida! Mesmo no dia a dia, até a mais repetitiva e monótona rotina é pródiga em ensinamentos. Só precisamos estar atentos, ter olhos para ver, interpretar os acontecimentos e dali extrair experiência e maturidade.
Pensei nisso algumas semanas atrás quando estava sozinho em casa com meu neto de 6 meses. Ele estava no meu colo e começou a resmungar. Verifiquei que estava na hora de mamar e fui com ele até a cozinha. Quando viu a mamadeira seus olhinhos brilharam e logo se alegrou. Mas ao tentar iniciar o preparo eu percebi que estava sem óculos e não teria como seguir as medidas corretas de água e leite em pó.
Não tive alternativa: fiz meia volta com ele no colo para ir até o quarto, em busca do indispensável acessório. Ao perceber o movimento retrocedente, o moleque abriu um berreiro imediato, desesperado por estar se afastando daquilo que tanto queria. Não tive como consolá-lo: estava inconformado. Esperneava! Só me restou tentar fazer o percurso o mais rápido possível. Apressei-me ao máximo para abreviar aquele choro tão sofrido. E desnecessário…
Claro que ele não percebeu, mas da metade do caminho em diante, estávamos de novo rumo ao seu desejo. Continuou sofrendo. O choro só cessou quando chegamos de volta à cozinha e vislumbrou novamente a mamadeira. Aí passou a observar ansioso a preparação do seu alimento.
Enquanto ele saciava o apetite, deliciando-se com o leite, fiquei a pensar que, muitas vezes na vida, vemos um objeto de desejo afastar-se ou aparentemente tornar-se inacessível e reagimos infantilmente, com tristeza, lamentações e murmúrios. Uma reação puramente emocional, instintiva, como uma criança. Outras vezes, já estamos de volta ao caminho de realização do nosso desejo, mas não percebemos e permanecemos sofrendo desnecessariamente. Outras vezes ainda, nos colocamos como vítimas, achando-nos prejudicados por Deus ou por alguém, quando de fato pode existir um motivo imperativo para o que está acontecendo.
Enfim, quantas vezes, diante das vicissitudes da vida, ao invés de usar o discernimento e a maturidade de um adulto, acabamos nos deixando levar pela impulsividade da criança que habita em nós.
Isso sem falar nas coisas desejadas e alcançadas, que mais tarde tornam-se fontes de infelicidade. E as coisas desejadas e não alcançadas, que foi muito melhor não terem acontecido. E ainda, as coisas maravilhosas, que ao chegarem à nossa vida, enxergamos como ruins ou neutras e só mais tarde reconhecemos seu valor extraordinário. Ou seja, às vezes somos adultos infantis e achamos que nossas vontades e necessidades têm que ser atendidas no tempo e na forma que desejamos…
Estas reflexões me fizeram lembrar um caso ocorrido com um colega de trabalho. Nossa empresa tinha sede no Rio de Janeiro e filiais em São Paulo e outros estados. Frequentemente havia reuniões de coordenação e os colegas das filiais vinham dos estados para participar. Numa quinta-feira, dia 31 de outubro de 1996, este nosso colega de São Paulo saiu de casa de manhã em direção ao Aeroporto de Congonhas para pegar um voo para o Rio de Janeiro de modo a participar de uma daquelas reuniões.
Como de hábito, saiu cedo já que havia reservado a passagem aérea para 8:30h aproximadamente, embora a reunião fosse apenas na parte da tarde. Preferia chegar ainda pela manhã para consolidar informações, interagir com os colegas e preparar-se melhor para os assuntos em pauta.
Chegando ao aeroporto, entrou na fila do atendimento e aguardava tranquilamente a sua vez. Quando faltavam apenas duas pessoas à sua frente percebeu um passageiro exaltado, no balcão, insistindo que precisava viajar naquele horário, pois tinha um compromisso inadiável. A atendente explicava que o voo estava lotado e ele deveria aguardar o horário que havia reservado, quarenta e cinco minutos depois, não sendo possível a antecipação pretendida. Mas o sujeito insistia, bradando em alto som que ela tinha que resolver o problema e viabilizar a sua viagem naquele horário. Ele queria ir naquela hora! Esperneava!
Meu colega então, com folga para a hora de seu compromisso, dirigiu-se à atendente:
– Eu estou neste voo, mas posso trocar. Eu fico para o próximo, no lugar dele.
Depois de muitos agradecimentos e ajustadas as fichas de embarque, o sujeito seguiu sorridente para o portão de embarque, olhos brilhando, feliz por ter conseguido aquilo que queria e agradecido ao meu colega pela gentileza. Conseguiu sua mamadeira…
Apenas alguns minutos depois, ele e os demais 95 passageiros daquele voo estavam mortos! Era o fatídico voo 402 da TAM que caiu na cabeceira da pista do aeroporto de Congonhas, matando a totalidade dos passageiros e mais 3 pessoas em terra. Um desastre dos mais marcantes na aviação brasileira: perdeu todos os passageiros e deixou uma carga enorme, que ainda hoje pesa sobre muitas pessoas e famílias. Uma lástima!
Para o passageiro que queria aquele voo a qualquer custo, uma trágica ironia.
Para o meu colega, uma simples gentileza em troca da sua própria vida!
Antonio Carlos Sarmento
Belo e verdadeiro texto. O triste é que só atingimos essa sabedoria do “eu adulto” quando nos tornamos bem maduros. Mas assim é a vida. Grande abraço e boa semana!
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Pois é Luigi.
E talvez em alguns casos nem seja alcançada a plena maturidade…
Obrigado pelo comentário e tenha uma ótima semana!
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Ótima narrativa. Pura realidade.Exemplo edificante
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Valeu Flávio!
Fico feliz que tenha gostado. Obrigado por comentar!
Abraços
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Ninguém foge ao seu destino! Nossa hora está estabelecida e não há como mudá-la.
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Obrigado pelo comentário, amigo Hélio.
Leitor assíduo!
Grande abraço e um excelente domingo pra você e Sioneia.
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Essa crônica mostra que pensamos que sabemos, mas na verdade , nada sabemos .
Não sabemos o minuto seguinte , o que nos espera.
Obrigado por fazer entender , mais uma vez, que devemos celebrar cada momento com alegria .
Não sabemos se o “vôo”, embora tenha o destino que desejamos , não está de acordo com o que Deus está planejando .
Parabéns !
Estou ansioso pelo livro.
” O Vôo que nos surpreende”
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Ótima narrativa gostei muito. bjos
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Obrigado Lucia!
Vejo que continua firme na leitura.
Valeu!
Bjs
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Eu entendo que o seu colega teve, tinha e, provavelmente, ainda tem, consciência do que é viver. Magnífica crônica, como todas as demais.
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Caro amigo JH,
Obrigado pelo comentário e por estar sempre lendo as crônicas.
Grande abraço!
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Meu prezado e querido amigo, irmão, Antonio Carlos.
A sua experiência relatando um gesto de amor para com o neto, nos enche de alegria na belíssima atitude em família.
Quanto a descrição no lamentável fato ocorrido na troca de passageiros no voo da Tam, temos que pensar seriamente se a nossa pressa no dia a dia, não nos leva a um caminho sem volta, conforme descrito em seu texto.
Quando atingimos uma paz em nosso interior, que seja decorrente dos atos, das atitudes, da fraternidade e conduta para com o próximo no dia a dia, nossa mente vibra, em uma intensidade muito grande, demonstrando para nós, que existe um equilíbrio de razão, amor e felicidade, somente constatado pelo nosso espírito diante do universo, que tem como criador o nosso maravilhoso Deus.
Parabéns pela belíssima redação dos fatos.
Um beijo nessa querida família de Interpretes, romancistas e poetas.
Oslúzio.
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Meu querido amigo e irmão Osluzio,
Agradeço muitíssimo seu comentário. Manifestações como a sua são muito animadoras e motivantes.
Tive que rir com a “família de intérpretes, romancistas e poetas”…
Um beijo carinhoso pra você, Nazaré e as meninas!
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Querido amigo Antonio Carlos
Que bela experiência com o bebê, mantenha sempre os óculos por perto.
Quanto ao ocorrido com o amigo, não era a hora dele não é mesmo?
Um forte abraço.
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É verdade Newton! Não era a hora dele, mas do outro…
Obrigado por comentar, meu amigo!
Grande abraço!!
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Caro escritor, primo querido
Toda semana extrai ensinamentos dos fatos mais corriqueiros.
Dessa vez nos presenteou com um alerta: saber reconhecer em tudo o que vivenciamos a sabedoria que ali se encerra.
Só pessoas de fé tem esse olhar.
Feliz de ler suas crônicas!!!
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Minha prima Gena,
Sempre um grande prazer ver os seus comentários: delicados, generosos e incentivadores. Você é um doce de pessoa!
Beijos!
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