Viajar a trabalho é uma experiência interessante. No início é motivador: o viajante se sente valorizado, representando a empresa em um local distante, cumprindo uma missão, quase como um homem das cavernas que viaja em busca da caça, importante para o seu grupo.
Ao mesmo tempo, a quebra de rotina também atrai: viajar de avião, dormir em hotel, comer em restaurantes e frequentar novos ambientes. Tudo novidade. É como a criança que ganha um brinquedo novo e se encanta.
Mas a repetição destrói a motivação. Se as viagens se tornam constantes e rotineiras, perde-se o interesse. Aquilo que era quase um sonho vai se tornando enfadonho. A criança abandona o brinquedo, esgotados seus encantos, mas o profissional não tem escolha. É quando a viagem de avião vira amolação, o hotel mais parece quartel e comer em restaurante é quase exasperante. A ânsia de viajar vira vontade de ficar!
Nesta situação estava o nosso personagem. Quase toda semana tinha que ir a São Paulo. Só de voo eram 3 horas desde Recife, mais o deslocamento de casa ao aeroporto, o tempo morto de check-in e ainda as inevitáveis esperas e filas no embarque.
No destino era trabalho o tempo todo. À noite, quase sempre um merecido chopp para descontrair e aliviar as tensões. Talvez o único momento de desfrute do dia.
Nossa história começa num destes dias típicos. Luciano, o pernambucano, havia ficado o dia inteiro numa reunião com muitos participantes. Coisa cansativa, pois o objetivo era integrar os representantes comerciais da empresa. Eram 18 pessoas, gente do Norte ao Sul do país. Em pauta, o velho dilema entre dar liberdade para atuação de cada um conforme as características de sua região, o que é melhor para os representantes, ou padronizar a forma de trabalhar, o que é melhor para a empresa. Foi uma reunião para marcar outra reunião, coisa muito comum: daqui a 15 dias mais uma rodada daquelas…
Luciano saiu dali de cabeça cheia e estômago vazio. Partiu sozinho para um restaurante no bairro dos Jardins que costumava frequentar, com mesas na calçada: chega de lugar fechado! Acomodou-se, pediu o chopp e imediatamente derramou goela abaixo quase a metade do copo, pensando: ninguém tem um chopp melhor que o paulista!
Aqueles breves segundos de prazer o animaram: pegou o celular e clicou “Sandra”, como fazia todo final de dia, quando em viagem. Sua mulher há 4 anos, Sandra era uma esposa amorosa e dedicada, mulher de bom caráter. Viviam muito bem, em harmonia. Um único senão, um destempero, marcava a vida de Sandra: o ciúme, quase doentio que sentia. E o ciúme excessivo é corrosivo. Assim é que Sandra desgostava destas viagens constantes de Luciano, pois para o ciumento a distância é um tormento.
– Oi, Sandra!
– Oi meu amor! Tá tudo bem? Está aonde agora?
– Tomando um chopp – respondeu ele, e deu mais 2 goles.
– Está com quem aí? – disse ela, já revelando a desconfiança típica.
– Estou sozinho, Sandra.
– Volta amanhã mesmo?
– Sandra, é conversa ou interrogatório? Até agora você só me fez perguntas.
– E você quer o que?
– Outra pergunta…
– Eu fico aqui sozinha e você tomando chopp por aí. Acha que tem como eu estar feliz?
– Eu não estou por aí tomando chopp, Sandra. A reunião durou o dia todo e só agora pude relaxar um pouco. Estou aqui por motivo de trabalho. Por mim estaria em casa, mas preciso ganhar a vida.
– Mas não podia viajar menos?
– Não depende de mim. É a empresa que decide. – retrucou, já sem paciência para aquele questionamento sem fim.
– E por que não muda de empresa? Vai para uma que não precise viajar.
– Sandra, não é assim. Está tudo bem por aí, meu amor? – respondeu, tentando mudar o rumo da conversa.
– Mais ou menos. Volta amanhã?
– Sim. Volto. Tenho um compromisso de manhã e saio daqui na hora do almoço.
Luciano já estava na fase de despedir-se dela, quando notou a aproximação de uma das participantes da reunião. Foi encerrando a conversa, curioso com a presença da colega, que àquela altura já estava em frente a ele.
– Então tá, Sandra. Vou jantar agora. Amanhã eu te ligo antes de embarcar. Beijo!
– Liga quando acordar também. Até amanhã. Beijo! – retribuiu Sandra.
Luciano foi descendo o telefone da orelha para a mesa enquanto a colega, com um sorriso meio sem graça, dizia:
– Oi. Tudo bem. Está sozinho?
– Sim. Estou.
– Posso sentar?
– Claro. – gaguejou, embaraçado.
Ela parecia ter uns 15 anos a mais que ele. Na realidade preferia ficar sozinho, mas não quis ser grosseiro. Lembrava dela da reunião: passou a impressão de ser excessivamente falante, o que não o agradou. Agora parecia grandona e invasiva.
Na surpresa daquele momento, o telefone de Luciano ficou ligado e Sandra, a ciumenta, lá de Recife acompanhava o diálogo. Seus quatro sentidos adormecidos e a audição na potência máxima. O coração aos saltos. Apertava o celular contra a orelha direita com grande pressão, como alguém que comprime um ferimento para evitar perder sangue. Não podia perder nada!
– O que achou da reunião? – disse a colega, já sentada em frente a Luciano.
Era tudo que Luciano não queria: uma companhia desinteressante e ainda querendo falar de trabalho.
– Muito chata. – respondeu, com duplo sentido.
– É, mas certos pontos foram corretos. Precisamos estar mais próximos, nos conhecermos. – disse ela, devolvendo também um duplo sentido.
– Pois é, mas não acho que isso seja realmente importante, que venha a fazer diferença nos resultados da empresa. – devolveu Luciano, fazendo questão de direcionar para o lado profissional.
Em Recife a conversa chegava um pouco truncada, mas Sandra, afogada numa piscina de ansiedade, conseguia acompanhar. Suas mãos suavam e a orelha doía, mas não tinha coragem de aliviar a pressão e muito menos perder algum segundo mudando para o lado esquerdo.
– Integração entre os colegas é sempre útil. Podemos ser amigos, nos ajudar mutuamente. – insistia a colega.
Luciano então foi definitivo:
– Claro, é muito bom, mas para mim amizade é uma coisa e relacionamento profissional é outra, bem diferente. Vamos aguardar a próxima reunião, daqui a 15 dias.
– Certo…
– Me desculpe, mas se me permite vou fechar a conta. Eu já estava de saída. Tenho compromisso amanhã bem cedo. Foi um prazer! Nos vemos na próxima reunião.
Ela, desconcertada, não teve alternativa:
– Igualmente! Boa noite!
Despediram-se com um breve aperto de mão.
Luciano pegou o celular na mesa, botou no bolso e foi ao caixa pagar aquele único chopp. Teria que procurar outro lugar para jantar em paz.
Sandra, a mais de 2500 quilômetros de distância, emergiu da piscina de ansiedade e mergulhou na da felicidade! Uma alegria imensa. Que marido maravilhoso, que postura digna. Todo o ciúme que sentia era injustificado. Como vinha sofrendo desnecessariamente, como era bom não sentir desconfiança. Que grande prova de amor deu o Luciano!!
Passou a imaginar formas de recebê-lo na volta da viagem. Pensou em um jantar muito especial, romântico, com velas e o melhor champagne que pudesse encontrar. Compraria ainda a lingerie sensual que havia visto no shopping, a preço absurdo. Mas sua alegria e gratidão não tinham preço.
Sua cabeça dava voltas, levada pelo coração. A prevalência do emocional! A alegria que experimentava era como uma queima de fogos e, a cada explosão, uma nova ideia lhe surgia para comemorar aquele momento tão especial.
Deixou-se cair na poltrona, ainda com um sorriso largo e olhos brilhando. Ficou ali, devaneando por muito tempo, sonhando acordada e fazendo planos espetaculares para a chegada de Luciano.
De repente uma ideia diferente lhe ocorreu. A antítese. Um verdadeiro balde de água fria, não na alegria, mas naquele entusiasmo todo no momento da chegada dele. Talvez o melhor fosse não contar a Luciano que ouviu a tal conversa. Claro, era obrigação dele ser fiel. Era um homem casado. Não caberia premiar um fato corriqueiro, o cumprimento de seu dever de marido, das promessas que fez diante de Deus.
Aos poucos esta ideia foi tomando a cabeça de Sandra e, agora, passada a euforia, seu coração deixava levar-se pela cabeça. A prevalência do racional! Sim, era isso. Nada mais que obrigação. Melhor não mencionar o ocorrido.
Foi dormir com esta ideia formada e ainda muito feliz. O alívio da sensação de ciúme era maravilhoso. Uma leveza que quase nunca experimentara. O importante é que não havia mais razão para ter ciúmes dele. Um homem realmente correto e fiel, provado e comprovado. Que bom! Nem imaginava que a fidelidade poderia trazer tanta felicidade…
No dia seguinte, ali pelas 4 da tarde, Luciano chegou em casa. Sandra o recebeu de modo amoroso, mas contido. Procurou aparentar normalidade, embora sem conseguir disfarçar sua alegria. Nem ela tocou no assunto, nem ele referiu-se ao celular.
Conversaram normalmente, Luciano tomou um banho, descansou um pouco e mais tarde jantaram.
Seguiu-se uma noite de amor. Foi tudo muito especial para Sandra. Ela flutuava. Naquela noite desfrutou de prazeres até então não experimentados. Como a desconfiança lhe fazia mal…
Amaram-se sucessivas vezes, até que esgotada, Sandra desabou no travesseiro prestes a conciliar o sono.
Foi quando um último pensamento lhe veio:
– E se ele deixou o celular ligado de propósito?
Uma lágrima percorreu seu rosto.
Pensou: o ciúme não tem cura…
Antonio Carlos Sarmento
Realmente o ciúme é um veneno. Bela crônica. Bom 2020.
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Luigi,
Muito obrigado pelo comentário.
Um maravilhoso 2020 para você e toda a família!
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Que auto tortura!!!
Como se fosse possível esse controle….o melhor seria Sandra cuidar bem do seu AMOR!!!!
Muito bom!!!!
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Minha irmã,
Que bom ter gostado. Valeu pelo comentário.
Bjks
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Grande meu Amigo,
Muito bom dia,
Mais uma crônica sensacional, sobretudo pelo termo utilizado, logo no início: “para o ciumento a distância é um tormento”, poesia pura . . .
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Caríssimo amigo JH,
Mais uma vez agradeço seus comentários sempre generosos.
Um maravilhoso 2020 para você e toda a sua família!!
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Muito boa, como sempre . Bem verdadeira. Ciúmes não tem cura realmente.
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Valeu Lucia!
Obrigado por sempre comentar. É um grande incentivo!
Beijos
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Tenho horror ao ciúme . Deixa qualquer um cego , longe então, nem se fala ! O jeito é se abstrair ! Ótima crônica Cacau !!!
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Obrigado Léa!
Ciúme já é complicado. Em excesso então…
Beijos
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Querido amigo, Foi demais kkkkkkk Rosa
Enviado do meu iPhone
>
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Rosa,
Que bom que desfrutou da leitura e se divertiu. Essa é a ideia!
Grande abraço
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Ótima crônica.
Impossível viver feliz com o sofrimento do ciúme.
Desejo um 2020 repleto de paz, saúde, amor para todos e recheado de belas crônicas.
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Querida amiga Ana Lucia,
É de fato um sofrimento e difícil de resolver…
Obrigado por comentar. Com o incentivo de leitores, como você, vamos continuando na publicação das crônicas.
Um maravilhoso 2020. Deus te abençoe!
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Essa crônica me lembrou uma música antiga que, em determinado momento, canta:
Ninguém é de ninguém
Na vida tudo passa
Ninguém é de ninguém
Até quem nos abraça…
Você conhece, querido cronista?
Mas há uma promessa: de que são os dois uma só carne.
Não há posse e sim um mistério divino entre os casais.
Com certeza, a fé e a maturidade vão ensinar isso a Sandra. E ela ficará mais preocupada em amar e fazer o outro feliz.
Mas até lá, que o ciúme dói …ah isso dói!
Sempre um prazer ler seus textos.
Até domingo!
Beijo
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Gena,
Mais uma vez agradeço a generosidade e consistência de seus comentários.
Feliz de saber que continua apreciando os textos.
Beijos!
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O ciúme excessivo vira loucura.
Não sei de quem ter mais pena , dela ou dele .
A “viagem” vai de acordo com o grau de ciúme, e até quando a estrada é lisa , arruma um buraco para cair nele.
Beijos.
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Chico,
É isso mesmo: para o ciúme doentio não existe estrada lisa. E a vida fica difícil…
Beijos
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ótima cronica. adorei. bjos
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Valeu Lucia!
Obrigado.
Beijos
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Tudo que é exagerado é ruim, para os dois.
Um pouco de ciúmes até que é bom, pois satisfaz o ego, para um.
Sem ciúmes não existe amor, para ninguém.
Gostei da crônica.
Abraços
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Obrigado Nelson!
Grato pelo comentário.
Abraços
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Meu bom amigo e irmão Antônio Carlos.
Gostei muito, obrigado pela crônica.
Meu comentário para fins de registro é dizer que, em uma sociedade consumista e desconfiada de tudo e de todos, por mais que sejamos justos em uma relação não conheço até o momento, “nenhum antidoto” contra o duplo sentido em uma interpretação, principalmente, decorrente de relacionamento amoroso. Assim, concluo informando que o Espirito Santo dá a certas pessoas dons de sabedoria, de discernimento em vista do bem comum para entender e aceitar as razões que fundamentam a confiança.
Em tempo: Para sermos ouvidos depende não da quantidade das palavras, mas da forma com que agimos no dia a dia para com o nosso próximo e para com o nosso Deus.
Um fraterno abraço para vc e família.
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Querido amigo Osluzio,
Agradeço muito sua gentileza de sempre comentar as crônicas.
E fico feliz que esteja gostando dos textos.
Um grande abraço para você e suas meninas!
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O ciume é terrível! Ótima crônica.
Abraços.
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Valeu Newton!
Obrigado por comentar.
Grande abraço!
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O ciúme é terrível. Quem possui esta doença incurável vai sofrer a vida inteira. Esta crônica mostra a doença em sua essência de forma leve é interessante. Parabéns amigo!
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Rodolpho,
De fato o ciúme em excesso é uma doença. E faz sofrer não só a própria pessoa como o outro, objeto do ciúme.
Fico contente que tenha gostado do texto!
Grande abraço!
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