COISA DE CRIANÇA

Ontem tive um dia rico em reflexões e aprendizados: meu neto passou o dia em minha casa, enquanto seus pais se dedicavam a inúmeras atividades externas, para as quais a presença dele seria apenas uma dificuldade a mais e um desprazer para ele mesmo.

Um dia inteiro assim, junto a um bebê, acentua algumas observações, destaca certas características e faz pensar sobre a natureza humana. Adicione-se aí o gosto de escrever crônicas e já o leitor compreende a origem do que vem a seguir.

Com exatos 1 ano e 4 meses, Guilherme enfrenta agora o desafio da posição vertical. A troca do engatinhar pelo caminhar. Sem dúvida, a movimentação autônoma, inaugurada com o engatinhar, já foi uma grande evolução para quem sequer se deslocava por meios próprios. Mas arrastar-se pelo chão, com os olhos para baixo, em velocidade muito lenta e ainda ocupando as duas mãos, não se compara ao andar de pé, altivo e libertador.

E o Guilherme, como toda criança nesta fase, está buscando isso com unhas e dentes: unhas ainda meio moles e dentes que começam a brotar por toda a boca.

Observando seu comportamento, me salta aos olhos uma qualidade comum a todas os bebês e que parece ser inerente ao ser humano nesta fase inicial da vida: a persistência.

A criança fica de pé sem apoiar, mas a instabilidade do equilíbrio logo provoca a queda. Ela parece não se importar: levanta de novo, mesmo sabendo do risco enorme de cair mais uma vez. O objetivo a ser alcançado justifica o esforço e o sacrifício.

São incontáveis quedas antes de conseguir dar alguns passos. Porém, três passinhos em sequência já dão uma amostra das delícias do caminhar ereto, com o olhar no horizonte e isso encanta a criança. A superioridade de deslocar-se desta maneira conquista aquele pedacinho de gente e então ele persiste. Cai e se machuca, sente dor, chora, mas logo se levanta novamente para mais uma tentativa de alcançar o objetivo. É um lutador. E não aceita nocaute.

Em algum tempo já não chora por cair de quatro: apenas se refaz e segue no treinamento. Parece saber que o treino é fundamental em tudo na vida. Acredita que vai andar, quer andar, precisa andar e não economiza esforços para conseguir. Sente dores no processo, percebe que é demorado e sacrificante, mas tem sempre a coragem, confiança e disposição para recomeçar.

Não vi uma só vez meu neto cair e ficar no chão. Aliás, acredito que nunca se viu uma criança desistir de querer andar porque bateu com a cabeça ou arranhou os joelhos. Vai alcançar o que quer, apesar das dificuldades, que não são poucas.

Observando tudo isso, noto que esta qualidade humana, nem sempre se mantém presente de forma tão marcante, em nossa vida adulta. Quantas vezes um tombo nos deixa no chão, sem ânimo para tentar mais uma vez. Às vezes demoramos para levantar, outras vezes desistimos, para evitar riscos e sacrifícios.

Uma pancada, um novo obstáculo, uma desilusão, uma crítica ou até mesmo uma simples palavra desagradável pode nos derrubar e lá se vai a nossa persistência por água abaixo. Posso estar enganado, mas parece que, para muitos de nós, pouca coisa já pode bloquear nosso ânimo de prosseguir por um caminho sonhado, porém longo e difícil.

Aonde foi parar a nossa persistência de bebê? Por que e quando perdemos no nosso crescimento esta qualidade tão essencial à vida, para que seja plena e realizada? Eu, se pudesse, congelava o nível de persistência e coragem que vejo hoje em meu neto, para toda a vida dele!

Outro aspecto me chamou a atenção. Guilherme está descobrindo o mundo, quer ver e tocar em tudo. Ouve um barulho de helicóptero e sai correndo para a janela, olhando para o céu e batendo palmas. Encanta-se com uma colher de pau, um pote de canetas, a porta do micro-ondas, a gaveta que desliza para abrir e fechar.

Aliás, gaveta é um capítulo à parte, pois interessa a ele o mecanismo e o conteúdo. Retira tudo que encontra dentro e espalha em volta: quer ver cada peça, somente se satisfazendo ao constatar que chegou ao fundo da gaveta e saber que ali nada mais há para examinar.

Parece que a criança tem consciência de que o mundo é imenso e a quantidade de coisas a descobrir e entender é inesgotável. É possível que isso explique porque logo cansa de um brinquedo: ela sabe que existe muito mais para ver e conhecer.

No dia que passou conosco, quando não estava comendo ou dormindo, Guilherme buscava coisas novas e, para ele, interessantes. Mostrei-lhe um mouse, um fone de ouvidos, uma fita durex, um controle remoto cheio de botões, um lápis e seu efeito no papel e mais um sem fim de objetos sem muito interesse, que muito o interessaram. Melhor ainda com as coisas que ele nunca havia visto, como o roteador de wi-fi piscando uma luz azul: aí então os objetos inéditos recebiam sua atenção concentrada e o toque curioso de seus dedinhos.

Dizem que criança quer e precisa brincar. Certo, mas talvez a brincadeira que interesse à ela seja exatamente aquela que traz descobertas, novidades, aprendizados.

Volto a pensar em que ponto da vida perdemos, pelo menos em parte, esta curiosidade que impulsiona, motiva e promove o nosso crescimento. Esta mola, que nos faz buscar o conhecimento, a informação, a compreensão do funcionamento das coisas.

Lembro-me de uma oficina mecânica à qual levava meu carro ali pela década de 1980. O dono, Paulo, era um sujeito extraordinário, culto e eu chegava a desejar um defeito no carro – e nem precisava desejar muito, pois o dito cujo era velho e problemático – para ficar algum tempo conversando com ele. Certa vez, mostrou-me um manual que ele mesmo desenvolveu para treinar os mecânicos da sua oficina: coisa bem elaborada, cheia de ilustrações. Mas, desanimado, contou-me que ninguém se interessou. Disse que sabiam, por exemplo, montar e desmontar um carburador, mas não tinham a menor ideia de como funcionava e que papel cumpria no motor. Ou seja, não tinham nenhuma curiosidade sobre algo que, afinal, era seu próprio meio de vida.

Isso me faz concordar com a frase que define o envelhecimento como o momento a partir do qual paramos de aprender. Se for assim, todo envelhecimento é precoce…

Guilherme me renovou, pois me ensinou coisas. E deixou-me no coração a vontade de que ele e todas as crianças tenham sempre estímulos para nunca perder a persistência e a curiosidade, qualidades valiosas para verdadeiras realizações e alegrias nesta vida.

Com estes dois valores, nem seria necessário dar-lhe um sábio conselho:

Guilherme, cuidado para não ir longe de menos…

 

Antonio Carlos Sarmento

26 comentários em “COISA DE CRIANÇA”

  1. Que sensação gostosa deve ser a de avô. Guilherme deve ter amado esse dia! Sobre a diminuição do nosso senso de persistência, imagino que aconteça quando passamos a receber mais influências externas da sociedade e a ser mais podados. O mesmo acontece com nosso lado curioso. A criança, pelo menos até uns 7 anos, ainda sente uma liberdade para ser ela mesma. Depois entra pressões para se encadearem, medos, tensões… tomara que o Guilherme e os outros pequenos voem cada vez mais!

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  2. Caro amigo Antonio Carlos:

    Inicialmente, desejo-lhe um feliz dia dos pais, com muita alegria ao lado de sua querida filha e do seu adorado neto, Guilherme, que já começa a despontar sua peraltice e curiosidade por tudo aquilo que ainda desconhece.

    Sds. do amigo e admirador,

    Carlos Vieira Reis

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    1. Caríssimo amigo Carlos,
      Espero que o dia dos pais tenha sido na companhia de sua filha e seu neto. Temo um empate técnico em tamanho de família!!!
      Obrigado pela gentileza de seu comentário.
      É uma alegria tê-lo como “admirador”!!!
      Grande abraço!

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  3. Querido Sarmento, hoje como pai e avô, me emocionei com a beleza e profundidade, daquelas que saem da alma, com que você escreveu essa linda crônica. Me senti homenageado por Deus em recebe-la no dia que se comemora o dos pais, mas me sinto muito mais, avô. La no fundo da alma sinto não ter observado meus filhos crescerem como hoje, observo com atenção e amor, meus netos, porque afinal, nos filhos, netos e quem sabe um dia, bisnetos, vejo a eternidade sob meus olhos. Feliz dia dos pais, avô, tio, amigo! Merecemos! Deus te abençoe, e a tua família.

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  4. Amigo querido que lindo!!! Do fundo do coração!!! Como eu sempre disse ser avó/ avô é melhor do que ser mãe/ pai. É um amor “ desobrigado “ . Feliz Dia dos Pais!!!

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  5. Prezado Amigo, Muito bom dia, Mais uma maravilhosa crônica, tenho um amigo que nos ensina a nunca esquecer a criança fomos um dia, pela sensibilidade, simplicidade e sinceridade, dentre tantos outros atributos, como os dois que você citou, persistência e curiosidade. Feliz dia dos pais, duas vezes . . . Recomendações à Sonia demais familiares.

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  6. Meu grande e nobre e verdadeiro amigo do coração e Irmão em JESUS CRISTO,para mim é uma honra se. Fim ter-la em meu humilde coração como meu único e bem abençoado amigo do coração e Irmão em JESUS CRISTO pela GRAÇA DE DEUS PAI,e agora mais ainda por tu seres “PAI” por + 2vezes,VIVA e viva o Guilherme,por ter um ser humano igual à ti como PAI E VOVÔ por no mínimo 2 vezes!😇😉🙂🥰🤩😍🥳😎

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  7. Parabéns Cacau !!! Feliz dia dos pais!!! Vc tem razão quando diz : “ neto nos renova “ , eles também nos transformam em pessoas melhores , mais pacientes . Para sentir tudo isso é preciso te- los , então vamos torcer para que venham mais e mais netos . Precisamos de mudança sempre ! Bjks

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  8. Você está, com certeza, em um ótimo momento de inspiração e nos brindando com seu melhor.
    A abrangência do tema é enorme e nos conduz a navegar nos dilemas da evolução humana e seus paradigmas.
    Mas a vida tem seus caminhos e razões na maioria da vezes incompreensíveis para o nosso próprio bem.
    Um feliz dia dos pais atrasado e que seu momento de inspiração possa nos dar muitas crônicas como esta que nos presenteou nesse domingo.
    Um forte abraço!

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  9. Querido amigo.
    Concordo com o comentário do Rômulo de que você está em momento de inspiração e nos brindando com o seu melhor.
    Quantos ensinamentos nessa bela crônica … Enriquecida com o protagonismo do personagem principal que é o Gui. E como as crianças nos ensinam… É que somos muito teimosos para o aceitamento. Parabéns mais uma vez.
    Quanto às metáforas fico com dois momentos….
    O Gui vai mas não aceita o nocaute…
    O envelhecimento começa no momento no qual deixamos de aprender….
    Grande abraço pelo pai e avô que é…

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    1. Amigo querido Nei,
      Você está me acostumando mal… Agora já fico aguardando seu comentário.
      E o destaque das metáforas que lhe agradaram.
      Obrigado pelos gentis elogios. Coisa de amigo mesmo!
      Grande abraço a você e aos sortudos dos seus filhos e netos.

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  10. Um dos (vários) ensinamentos do jiu-jitsu é “aprenda a cair e levantar”. Cair com segurança e levantar rápido e com postura. Os bebês nascem com essa fagulha do jiu-jitsu em seus espíritos. A gente cresce, esquece e acha que cair é o fim. Às vezes, é só o começo. Ossss!

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  11. Querido amigo Antonio Carlos,
    As crianças nos ensinam muito todos os dias. Você colocou muito bem a persistência e curiosidade.
    Rogamos a Deus saúde sempre para nunca perder essas características importantes do ser humano.
    Parabéns pelo pai, avô, marido, amigo e cristão que você é!
    Um grande abraço.

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  12. Ei Cacau!
    Muito interessante sua observação sobre a vontade tão grande que nossos pequenos têm de aprender.
    Isso também me encanta nos meus netos.
    Vi uma cena que me fez pensar nessa crônica , em especial no que se refere à sua preocupação com a perda da curiosidade: um pai saía do hospital com uma criança de dois anos que aparentava estar em tratamento de quimioterapia. Junto estavam a mamãe e a vovó.
    Vi que a vovó alegrava o ambiente e que os pais se sentiam seguros com sua presença.
    Percebi que não perdemos a curiosidade ou o entusiasmo , só mudamos de foco. Chega um momento em que somos o pilar, o apoio, a fortaleza, a experiência – e isso também é uma novidade e um desafio .
    Acompanhar o pique de uma criança não ” sacode” um vovô aposentado?
    Beijo

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    1. Querida prima Gena,
      Vivemos a mesma fase da vida e curtir os netos é um dos grandes prazeres e novidades.
      As crianças são fascinantes e vê-las desenvolver-se é um privilégio e nos acreditar na perfeição divina.
      Obrigado pelo seu comentário, sempre rico e gentil!
      Beijos

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  13. Querido amigo.Gostei muito da sua crônica principalmente pela presença de seu querido neto. O momento em que a criança começa a engatinhar fica inesquecível em nossa memória.Imagina então quando é um neto. Nós com cinco foram momentos de muita alegria. Parabéns.

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