EINSTEIN E AS PANELAS

A matéria-prima da escrita, pelo menos para mim, é a leitura. O alimento da minha caneta são páginas de livros. Talvez haja escritores super inspirados que leiam pouco e escrevam muito. A esses invejo, pois como não sou uma máquina muito eficiente, preciso ler muito para poder escrever…

O livro que acabo de ler — deixo de citar já que não tenho talento para resenhas — em sua parte final, traz a seguinte frase atribuída à Einstein:

“Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.

Eu até já conhecia a frase, mas ao lê-la naquele momento, me pareceu não ser exatamente assim. Pensei: quem sou eu para discordar de Einstein?

Mas é que a frase me pareceu a antítese da perseverança. Muitas vezes precisamos tentar de novo, repetir, fazer a mesma coisa, acreditar que é possível, que vai dar certo e que chegaremos ao resultado desejado. E isso não é insanidade.

Além do mais, as circunstâncias sempre mudam: nunca é exatamente a mesma coisa. E também nem sempre os resultados se repetem, pois a matemática da vida não tem esta precisão.

Me fez lembrar a ideia de que a insistência quando dá errado é teimosia, mas quando dá certo é perseverança.

Recordei de um conhecido que fez o mesmo concurso público a cada ano, por oito vezes consecutivas. Obteve sucesso na última tentativa. Oito anos de repetição, altamente insano, Sr. Einstein! Hoje é um profissional bem-sucedido.

Também sei de um amigo que se apaixonou por uma moça e passou a cortejá-la insistentemente, mesmo não sendo correspondido. Telefonava todos os dias, sempre convidando-a para sair, mandava flores e presentes. Após uma coleção de negativas ao longo de meses, o que faria a maioria das pessoas desistir, finalmente conseguiu um sim. O resultado diferente. São casados e felizes há muitos anos.

Estas reflexões me levaram a pensar porquê Einstein foi se meter em aspectos do comportamento humano. O sujeito foi talvez o físico mais brilhante de toda a história, concebeu a teoria da relatividade que é um dos pilares da física moderna e para completar ganhou o prêmio Nobel de física em 1921. Um astro nas ciências exatas e ainda queria brilhar em outras áreas do conhecimento?

Fico imaginando o que pensava seu contemporâneo Freud, este sim estudioso da natureza humana, neurologista e psiquiatra. Uns 20 anos mais velho que Einstein, é bem possível que ficasse indignado com estas intromissões do físico em aspectos das ciências humanas. E ainda se atrevendo a diagnosticar insanidades…

Sendo ambos de notório saber e reputação ilibada, discutiriam em alto nível, tal como ministros do Supremo Tribunal Federal do Brasil. E quem sabe, num encerramento da discussão, por Einstein não aceitar manter-se exclusivamente no campo da física, Freud pudesse pronunciar uma frase que seria usada muitos anos depois na suprema corte brasileira e encerrasse o diálogo assim:

— Me deixe de fora desse seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia!

Só que nada disso aconteceria, pois pelo que pesquisei, Einstein não é autor da tal frase, embora muitos façam esta referência. Encontrei citações por toda a parte atribuindo a frase a ele. Porém, fontes sérias afirmam que a frase não é do gênio da física. Fiquei aliviado: felizmente não preciso discordar dele.

Ainda escrevendo esta crônica sou interrompido por Guilherme, meu neto de dois anos, que se agarra às minhas pernas pedindo colo. Largo tudo, claro.

Sob sacrifício da coluna vertebral, saio com aqueles 13 quilos de ternura andando pela casa. Ele vai no comando, indicando o caminho:

– Ali, ali, ali — com o braço direito apontando para a cozinha, seu lugar preferido.

Ao chegarmos, aponta insistentemente para o armário de panelas, seus brinquedos favoritos:

— Aqui, aqui, aqui…

Esta cena repete-se todos os dias, algumas vezes por dia. Porém, o pai comprou-lhe umas panelinhas miniaturas para que deixasse em paz as panelas da cozinha e, portanto o armário estava sendo mantido fechado. Estou respeitando isso há vários dias, mas sempre que sou levado por ele até a cozinha, noto seus olhinhos brilhando:

— Aqui, aqui, aqui — insiste.

Lembrei então da frase atribuída à Einstein. O moleque repete a mesma coisa todos os dias, várias vezes e o resultado é sempre negativo. Decidido, abro o armário e libero o acesso de Guilherme às desejadas panelas e, o encanto maior, suas tampas.

Afinal se avô não servir para fazer as vontades, para que serviria? Depois me entendo com os pais, compro novas panelas, qualquer coisa, mas agora vou dar este prazer ao garotinho.

Fico vendo-o brincar muito feliz com os objetos proibidos. O resultado diferente.

Minha filha, sem conhecer a crônica ainda inacabada, chega na porta da cozinha e fica surpresa:

— O que houve?

— Ele foi promovido — afirmo.

— Promovido?

— Sim. Era teimoso, agora é perseverante!

 

Antonio Carlos Sarmento

33 comentários em “EINSTEIN E AS PANELAS”

  1. Bom dia, São 5 horas aqui no Brasil. Amei sua crônica. As palavras são ricas em significados e podem ser entendidas de diversas maneiras dependendo do leitor, do momento da vida, ou do contexto. São fontes inesgotáveis de interpretações. Fico pensando na frase e me vejo na cozinha: se não insistisse em fazer perfeito o mesmo arroz, o comeríamos empapado a vida inteira. Parabéns amigo. Você alimenta minha alma com suas crônicas. Bom domingo Saudades. Rosa Maria

    Enviado do meu iPhone

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    1. Oi Rosa,
      Bom saber que aprecia tanto as crônicas, a ponto de fazer comentário às 5 da manhã… hahahaha
      E tenho certeza que, graças a perseverança, seu arroz e comidas em geral são muito apreciadas pelo Luiz Carlos, aquele que lava as louças…
      Também estamos com saudades!
      Uma maravilhosa semana para vocês.

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  2. Excelente crônica, especialmente, no que diz espeito à frase pronunciada por um certo ilibado Ministro do Supremo Tribunal Federal, respondendo aos argumentos indesejáveis e truculentos do outro, muito menos ilibado: “— Me deixe de fora desse seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia!”.
    Sds.
    Carlos Vieira Reis

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  3. Só posso dar risadas pelo humor do final e brilhantismo na abordagem do tema.
    Divagar entre a ciência e o lado humano, um risco certamente.
    Mas fico com a insistência do seu neto.
    Abraços a vc e família, especialmente ao neto por te inspirar neste final.

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    1. Caro primo Rômulo,
      Obrigado pela gentileza do comentário.
      De fato, meu neto tem sido fonte de inspiração. Que experiência fantástica, esta de ser avô.
      Um grande abraço e uma maravilhosa semana para vocês!

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  4. Muito bom !
    O final é épico rsrsrsrs, uma aula!
    Avô é para satisfazer, não a insistência, mas a perseverança .
    Parabéns Cacau!

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  5. Hahahaha….. genial!!
    Deu mais saudade ainda do Gui, que espertinho e sagaz , já percebeu o coração sensível do vovô!!!
    Quanto à frase, interpreto como a necessidade de buscar novos caminhos, abrir atalhos, criar estratégias diferentes, para se conseguir os resultados desejados.
    Afinal :” Diante de uma dificuldade é melhor insistir do que desistir sem lutar”

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    1. Minha irmã,
      Você tem razão: desistir sem lutar, jamais!
      Só não sei quando você vai poder matar estas saudades do Gui. Se Deus quiser, em breve.
      Um beijo, minha irmã querida. Que vocês tenham uma ótima semana!

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  6. Você fez o que?????

    Hahaha

    Penso sempre sobre essa frase que você já tinha me dito e algumas conversas.
    “A insistência quando dá errado é teimosia, mas quando dá certo é perseverança.” Uma grande verdade que separa as frases de resposta quando vemos uma cena assim com alguém.
    Coitado, ainda não percebeu que não dá certo fazendo assim. (E suas variações)
    ou
    Incrível sua perseverança, mandou bem. (E suas variações).

    Excelente crônica, parabéns.

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  7. Querido amigo.
    Mais uma bela crônica para ilustrar o nosso domingo.
    Tema muito interessante pois envolve criatura de muito significado para o mundo.
    Li muito sobre Einstein e você escolheu umas das frases dele que foi muito controvertida.
    Mas sua análise ficou muito interessante quando foi enriquecida pela presença do Gui.
    Gosto muito da obra de Einstein depois do holocausto e sua angústia persistente.
    Dentre as inúmeras frases dele fico com duas muito simples que acho interessantes.
    ” Não procure ser um homem bem sucedido mas um homem de valor”
    ” O mundo não será destruído pelo mal mas pela falta do bem.
    Obrigado querido amigo por essa bela crônica.
    Forte abraço a todos.

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    1. Querido amigo Nei,
      Agradeço por ilustrar a crônica agregando ainda mais conteúdo.
      Sei que também deve ter vivido situações semelhantes com seus queridos netos.
      Beijos a você e Jaciara e que tenham uma ótima semana!

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  8. Sarmento, ótima crônica, pra variar… Tenho uma inveja danada do seu talento para escrever. Adoro narrar coisas da vida, mas as faço com a fala, as vezes recebendo uma reprimenda de minha esposa de que eu falo muito, o que ela tem certa razão… Sou impaciente com o tempo que escrever exigiria de mim. Tenho livros escritos por mim… na mente. Um dia peço pra “baixar o santo Sarmento” e as coloco no papel. Rsrsrs. Pra terminar afirmo categorico: Se soubesse como é bom ser avô, teria pulado a fase ser pai. Rsrsrs. Bom domingo boa semana e que Deus os abençoe.

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    1. Amigo Luigi,
      Obrigado pela gentileza dos comentários! Quem sabe um dia você descobre as delícias de escrever?
      E aí eternize suas histórias no papel para filhos e netos.
      Espero que toda a sua família esteja bem de saúde! Desejo uma semana abençoada e com muitas alegrias.
      Um afetuoso abraço!

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  9. Maravilha, como sempre! Como avó prefiro me ater à perspicácia do netinho que sabe que se insistir com o avô vai acabar conseguindo. Netos conseguem sempre!! Beijão e saudades

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  10. Muito boa crônica, com destaque do Guilherme, perseverante e netinho, a maior de todas virtudes 😂🥰
    Forte abraço amigo!!

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  11. Caro Amigo, Muito bom dia, Você nos diz que que lê muito, para escrever melhor,contudo, penso que você escreve muito bem,na medida em que você sempre me presenteia com uma frase ou uma expressão que diz “tudo”. Hoje esse “tudo” é: “Sim. Era teimoso, agora é perseverante!”, fantástico esse término da sua crônica. É dispensável dizer, mas digo: Parabéns! Recomendações à Sônia, à Tatiana, ao pequeno Gui e ao Jean e, aproveite esses tempos de avô, de fato, algo indescritível é reviver a criança que fomos um dia . . .

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    1. Caríssimo amigo JH,
      Agradeço muito a gentileza de seu comentário.
      Como sempre já fico na expectativa do seu destaque, que hoje foi a frase final.
      Me alegro que goste dos textos e esteja sempre acompanhando e comentando.
      Uma semana maravilhosa para você e sua amada família!

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  12. Cacau,
    Fiquei com pena quando a crônica acabou! Leitura muito agradável…
    Gui realmente deu uma liçao de perseverança, nunca de teimosia.
    O teimoso persiste , até que vence pelo cansaço, muitas vezes.
    O perseverante age de forma distinta : insiste no seu objetivo, mas muda a estratégia.
    Quantas vezes quis acesso às panelas e não conseguiu. Então, percebeu que coração de avô é diferente. E ai…acertou o alvo!
    Beleza esse vovô parceiro!
    Com certeza , já são grandes amigos!
    Sempre destaquei a perseverança ao educar minhas filhas. Imagino como essa virtude muda o curso de tantos casamentos , profissões, sonhos…
    Gui está no caminho certo de grandes realizaçoes.
    Dê um beijo nas bochechas lindas que esse príncipe tem.
    Para o vovô companheiro, aliado, palmas!!

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    1. Minha querida prima Gena,
      Seu comentário inicial é um maravilhoso elogio para mim: ficar com pena quando a crônica acabou…
      De fato a perseverança é um grande valor humano e você fez muito bem em ensinar às suas meninas.
      Desejo uma semana muito feliz e com saúde!
      Muito obrigado pelos seus agradáveis comentários, que sempre me alegram.
      Abraços!

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  13. Ahahahaha Guilherme sabe como conquistar as coisas e o vovô! E eita negócio difícil esse de saber se está insistindo demais na porta errada ou se precisa seguir tentando. Maravilhosa crônica, Antônio! Abraços pra você e Guilherme!

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    1. Nicole,
      Realmente é difícil avaliar até onde deve ir nossa insistência. Quase uma arte ou uma grande sabedoria.
      Quanto ao Guilherme já descobriu que é fácil conseguir o que quer: basta pedir à pessoa certa! hahahaha
      Muito obrigado por comentar.
      Um afetuoso abraço e uma ótima semana!

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