BOM HUMOR

Quando adolescente decidi que eu só me casaria com uma mulher bonita. Este era o meu principal requisito. Se fosse linda, melhor ainda.

Passados alguns anos, um pouco mais amadurecido, aumentei a exigência para além da aparência. Firmei então dois critérios principais: beleza e bom humor.

Mais tarde, aperfeiçoei: bom humor e beleza.

Sim, concluí que jamais poderia viver com uma pessoa mal humorada. Quando acaba o humor acaba o amor.

Claro que outras características também entraram na lista, mas hoje, com 40 anos de casado, não tenho dúvida de que aquele foi mesmo um lampejo de lucidez: como é fundamental o bom humor. Lembro agora de uma frase de Schopenhauer: O bom humor é a única qualidade divina do homem.

Vem à minha lembrança um episódio de trabalho ocorrido há uns 20 anos, mas ainda vivo em detalhes na minha mente. Era a primeira reunião com um novo chefe, pessoa que ninguém conhecia e a gente teme o que não conhece.

Ambiente tenso e sério, todos apreensivos. Apresentamos um grave problema que persistia na empresa há bastante tempo, narrando tudo em detalhes, apontando riscos e possíveis consequências. Nossa esperança era de que o novo personagem assumisse posições e compromissos em busca de uma solução.

A longa exposição da situação por diversos participantes foi acompanhada com atenção e silêncio pelo novo chefe. Ficamos então na expectativa de sua resposta.

Tomando a palavra ele agradeceu as informações e disse:

— Esta reunião me fez lembrar uma história.

Já ali despertou o meu interesse. Quem não gosta de uma história? Sob um silêncio tão respeitoso quanto curioso, ele narrou o acontecimento:

Uma noite na roça, o sujeito estava dormindo naquele silêncio da madrugada onde só se ouve sapo e grilo. De repente, foi sacudido por algumas batidas na janela do quarto, acompanhadas de um chamado:

— Compadre, compadre!

Como na roça todo mundo é compadre não teve como saber quem era. Acordou um tanto assustado e respondeu:

— Um momentinho, compadre.

Levantou então, com a testa franzida, preocupado e incomodado com aquela interrupção do sono. Foi até a porta para saber do que se tratava e o visitante explicou:

— É que minha mulher está quase tendo filho e eu precisava que o compadre me ajudasse com um dinheirinho. Estou desprevenido.

Ele matutou um pouco e respondeu:

— Se o compadre, que está sabendo disso há 9 meses está desprevenido, imagine eu que estou sabendo disso agora…

Foi uma risada coletiva.

Ali, o novo chefe ganhou a simpatia de todos e, claro, conquistou todo o tempo que precisava para responder ao problema apresentado. Com um toque de humor transformou o ambiente de trabalho e tornou tudo mais ameno.

Ainda recentemente, sei lá porque, passei em revista na memória os amigos verdadeiros que tenho e tive ao longo de minha vida. Pude notar que eram todos, sem exceção, bem humorados. Não sei se é um defeito meu, mas percebi que tenho dificuldade com os mal humorados. Há uma frase que define o bom humor como o lubrificante das relações humanas: eu concordo!

Há poucos dias liguei para um amigo de infância, com quem não falava há algum tempo. Eu queria cumprimentá-lo pelo aniversário. Fiquei surpreso: havia contraído a terrível Covid-19, ficando 10 dias no CTI e mais uns 6 dias no quarto, tendo alta na véspera do aniversário.

Era de se esperar uma narrativa dramática, cheia de detalhes de dores, mal-estar, exames, medicamentos, aparelhos e outros sofrimentos. Junto viria uma enxurrada de reclamações, além de termos médicos e explicações técnicas por quem não é técnico e sim vítima, o que quase sempre deságua num festival de incorreções e aconselhamentos inconsistentes.

Só que a conversa foi assim:

— E como foi lá no CTI?

— Muito bom! Dei muita sorte. Como tive alergia à fralda, fiquei nu mesmo. Maior conforto. Parecia um motel, só que sozinho.

— Sei…

— E com a vantagem de que, para fazer o teste de Covid, estar nu tornou tudo mais fácil.

— Não entendi. O teste não é feito no nariz?

— Lá foi assim: chegaram três sujeitos enormes e de cara feia. Um deles avisou que vinham para fazer o teste e me mandaram ficar de lado. Eu nu e com aquele avental aberto atrás. Perguntei se o teste não seria no nariz e ele apenas balançou negativamente a cabeça.

Neste ponto não contive o riso. Meu amigo continuou:

— Perguntei se eu teria alguma alternativa. O mesmo balanço de cabeça. Agora mais veemente. E triste.

Tive que dar uma gargalhada. Ele riu junto comigo e seguiu com a história:

— Será que pelo menos pode ficar só um de vocês, para que minhas partes não se tornem domínio público?

Dei outra gargalhada. Prosseguiu então:

—Não teve jeito. Foi com plateia mesmo. Não sei por que pagavam salário para aqueles outros dois ficarem assistindo o espetáculo. Eu temia que no final eles aplaudissem.

O sorriso já não saía mais do meu rosto. A história continuou:

— Quando terminou, perguntei com que frequência era feito o teste. Teria sido melhor nem saber. A resposta foi: todos os dias! Ou seja, os sintomas da Covid suportei bem, mas aquele teste…

A narrativa da doença com tanto humor me conquistou. Pedi que prosseguisse:

— Fiquei sozinho um tempo buscando me recuperar, até que uma enfermeira veio conferir as medicações. Entediado, pedi a ela para ligar mais um aparelho: a TV. Ela clicou e foi embora sem olhar para a tela. Era um culto religioso, onde um copo d’água era abençoado e tornado milagroso, curando toda e qualquer doença, ou seja, tudo que eu precisava. Só que eu estava no soro e com uma máscara de oxigênio, o que me impedia de beber água. Da plateia levantou um camarada todo torto, mancando, andando como um macaco e foi até o palco. Ali colocaram a mão na cabeça dele, tomou um gole da tal água e saiu saltitante gritando: milagre, milagre! Para quem está num CTI presenciar a cura por milagre é muito consolador…

Continuei rindo e ele seguiu com o diário do CTI:

— Acabei dormindo com a TV ligada. Num CTI você nunca sabe quanto tempo dormiu, mas tive a impressão que foram muitas horas. Acordei desnorteado, sem saber direito onde estava. Meu olhar foi atraído para a televisão. Por incrível que pareça passava um filme pornô! Num CTI! Bem que eu achava que era um motel…

Soltei mais uma gargalhada. Ele então arrematou:

— Pensei então: morri! Só pode ser. Mas não sei se estou no céu ou no inferno!

Rimos juntos por algum tempo. Ele fez aniversário e eu ganhei o presente. Terminei a conversa feliz por ele ter se recuperado e muito alegre pelos bons momentos de riso. Que maravilha encontrar bom humor mesmo em situações tão adversas.

Termino então com uma frase de Montaigne:

O maior sinal de sabedoria é a alegria constante!

Antonio Carlos Sarmento

42 comentários em “BOM HUMOR”

  1. Excelente!
    Acredito inclusive, que o bom humor faz a pessoa ser eternamente lembrada, as histórias e expressões sempre são contadas com carinho, por aqueles que tiveram a convivência com uma pessoa de bom humor.
    Quem não gosta de dar uma gargalhada?
    Obrigado por ter me feito rir e de lembrar do meu pai, com seu bom humor admirável.
    Valeu!
    Bj

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  2. Cau
    Realmente o humor faz uma grande diferença nos relacionamentos, tornando as situações da vida mais suaves e divertidas!!!
    Incrível como seu amigo espirituoso encontrou tantos motivos para achar graça numa adversidade, o que com certeza o ajudou na recuperação!!!
    Além dos cuidados médicos, mais humor por favor, xô coronavirus!!!!!

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    1. Minha irmã,
      Fico contente que tenha gostado e se divertido com a crônica.
      Realmente bom humor é fundamental na vida, mais ainda neste difícil período por que passa a humanidade.
      Beijos e muito obrigado pelo comentário!

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  3. Grande Meu Amigo, Muito bom dia, Sensacional, como sempre . . . Durante a leitura eu fico atento a alguma expressão que me chame mais a atenção, hoje, no entanto, o conjunto da obra é o destaque, concordo plenamente com você: com bom humor, qualquer situação torna-se fácil de enfrentar . . . A estória do chefe novo, muito bem humorada mas, sobretudo, assertiva . . . Parabéns por recordar de um Amigo de infância que não via a tanto tempo, esse setornou meu Amigo, também . . . Recomendações à Sônia, à Tatiana, ao Gui e ao Jean . . . E, mais uma vez, parabéns pela edição da 100ª crônica.

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    1. Querido amigo JH,
      É muito bom saber que se divertiu com a crônica. E ainda ganhamos um amigo comum…
      Agradeço seu constante apoio e incentivo: como disse, é isso que me sustenta!
      Grande abraço a você, Sueli e os meninos!

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  4. Realmente, o bom humor é uma virtude que devemos cultivar. Em momentos como o que vivemos atualmente nos ajuda a seguir em frente, a ter esperança. Esta crônica nos motiva a iniciar um domingo feliz. Forte abraço amigo!

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  5. É, a crônica de hoje está bem descontraída, de fácil digestão e com citações de grande valia para os momentos mais filosóficos do dia a dia.
    É raro tanto humor numa situação de doenças ainda mais internado em um hospital.
    Superação é a única palavra que me vem à mente e adoraria ter este espírito descontraído e estóico mesmo nas situações mais adversas.
    Parabéns pela marca das 100 crônicas e um ótimo domingo em família.

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    1. Caro primo Rômulo,
      Muito obrigado pelo comentário.
      Claro que não é fácil manter o bom humor em situações adversas, mas alguns como este meu amigo, conseguem e nos dão lição.
      Que a crônica traga alegria para o seu domingo!
      Um grande abraço e ótima semana!

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  6. Parabéns amigo, realmente o bom humor é e sempre será o melhor remédio. Não me dei conta que passei cem domingos em companhia de suas crônicas, hoje sei que minhas manhãs não seriam as mesmas “Sem” elas. Bjs

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    1. Marcos,
      Espero que tenha se divertido. De fato, nestes tempos tão complicados, tenho procurado focar em temas mais agradáveis.
      Precisamos viver com mais leveza e alegria, não é mesmo?
      Grato por comentar!
      Grande abraço.

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  7. Prezado Antonio Carlos:

    Realmente a alegria e o bom humor devem sempre estar presentes em nossa vidas. Facilita tudo, até a convivência com os indesejáveis, como os três enfermeiros que queriam fazer teste de Covid no seu amigo, aliás, nada convencional …

    Estou ansioso pela publicação do seu livro. Quero ter o prazer de estar presente no dia, na tarte ou na noite de autógrafos.

    Parabéns pelo excelente artigo e um grande abraço deste seu humilde admirador,

    Sds.

    Carlos Vieira Reis

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    1. Amigo Carlos,
      Você é daqueles grandes incentivadores do meu trabalho, que alimentam minha perseverança no escrever.
      Com certeza estará dentre os primeiros convidados quando eu puder fazer esta publicação.
      Muitíssimo obrigado pelo seu constante apoio, meu amigo!
      Um grande abraço!

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  8. Querido amigo.
    Se ler suas crônicas aos domingos já é muito bom imagina quando ela enfatiza o humor.
    Tenho o privilégio de ter amigos muito bem humorados e você é um deles. O nosso trio amigo é ilariante. Parabéns.
    A história do chefe novo é demais….

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    1. Amigo Nei,
      Você realmente dá exemplo de bom humor, inclusive nos comentários das crônicas.
      É maravilhoso ter amigos como você, que nos fazem rir e trazem alegria ao nosso coração.
      Fico feliz que tenha se divertido coma crônica.
      Beijos a você a Santa Jaciara!

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  9. Meu prezado amigo Antônio Carlos.
    Excelente a sua história, fiquei imaginando a inteligência desse amigo consultado a emprestar um dinheiro para ajudar a mulher do amigo no parto.
    Fiquei rindo como criança dessa sua história, parabéns!
    Belíssimo texto.
    Um fraterno abraço para o meu bom amigo e todos da família.
    Oslúzio

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  10. Estou me aborrecendo em, todo domingo dizer que achei excelente a crônica. Será que não consigo ter algo mais criativo a te dizer? Sarmento se fossemos ambos solteiros te proporia um casamento porque temos muito em comum… Creio que todo homem tem um talento nato, concedido por Deus, e se Ele não me esqueceu o meu é ser bem humorado e adorar me relacionar com pessoas que em tudo procuram o lado engraçado da vida! Conheci um diretor de teatro chamado Flavio Rangel que uma vez, em um carro em 6 pessoas, chovia muito e o carro começou a boiar. Todos em silêncio e ele gritava CALMA, NÓS AINDA VAMOS RIR DISSO TUDO! Sarmento, ate no pós-velório se consegue rir e acho que é uma forma de homenagear o morto. Bom domingo e Deus o abençoe. Viva o bom humor!

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    1. Amigo Luigi,
      Você diz estar aborrecido com a repetição e eu compartilho deste aborrecimento pois fico me repetindo em agradecimentos à você.
      Mas não tenho como evitar, pois você me acompanha com muito interesse, apreciando TODAS as crônicas.
      Quanto à proposta de casamento, felizmente somos casados… hahahahaha
      Um fraterno abraço, meu caro amigo!

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  11. Amigo querido, bom humor é essencial para a vida. Em alguns momentos pode ser difícil mas é aí que ele se torna mais necessário! A vida fica mais leve e as pessoas mais próximas. Beijo grande e muita saudade.
    PS: para a publicação do livro procure a Casa do Escritor.

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  12. Parabéns, primo!!! A centésima foi fechada com chave de ouro pelas pitadas de bom humor na conversa!! O bom humor é a chave da vida!!! Bjs

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  13. Otimismo e bom humor tem nome e sobrenome, os seus meu Irmão.
    Adorei a crônica 100, embora conhecendo o fato da lamentável internação do nosso amigo de infância, ler os detalhes foi muito divertido.
    Que venham mais 100 crônicas bem humoradas, serão muito bem-vindas!

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    1. Minha querida irmã,
      Muitíssimo obrigado.
      Vamos em frente, mas procuro pensar que tenho que escrever apenas mais uma crônica para o domingo que vem. Aí o tempo passa e de repente chegamos a outra marca significativa, não é?
      Beijos querida!

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  14. Bravo, Cacau!
    Só alegria!
    Esse cronista é muito generoso: preencheu nosso domingo com risadas e esperança. Uma nobre doação.
    E fica dito: para a semana, saúde, amizade e bom humor!!!
    Beijo

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    1. Bom que se divertiu, minha prima!
      Você me lembrou do bom humor no seu comentário da crônica anterior – COM CERTEZA:
      “Estou enganada ou essa crônica está menos recheada de bom humor?”.
      Procurei corresponder. hahahaha
      Beijos Gena!

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