FAZ DIFERENÇA

Algumas vezes me pego fazendo ou dizendo algo que reconheço ter sido um ensinamento de meus pais. É curioso. Tenho a sensação de que depois que eles morreram, venho identificando com mais frequência estes momentos.

Melhor ir direto a um exemplo.

Meu pai ao chegar em qualquer serviço de atendimento ao público, fosse um banco, um cartório, um aeroporto, um hospital ou um serviço do governo, aliás, principalmente neste último, observava o ambiente e fazia uma opção dentre os atendentes. Considerava esta a sua superioridade: ele podia escolher quem o atenderia, enquanto o outro tinha que atender a pessoa da vez.

Assim, nunca ia direto para uma fila. A escolhia, não pelo tamanho, mas por quem estava do outro lado do guichê. Ele achava que, na maior parte das vezes, as coisas podiam ser bem ou mal resolvidas dependendo de quem fosse encarregado de conduzir o assunto.

Praticava esta arte há muitos anos e dizia:

— São as pessoas que fazem a diferença.

Entretanto, não sabia explicar bem os critérios que adotava. Dizia que era algo subjetivo, uma sensibilidade, um sexto sentido adquirido com a prática ao longo dos anos. Chegava e ficava observando cada atendente: gestos, olhares, sorrisos, jeito de falar, reações e fazia sua opção.

Feita a escolha inicial, ainda estava sujeita à revisão, pois na fila ele continuava observando o desempenho e o andamento das coisas. Se fosse o caso, mudava de ideia. Sim, sem pestanejar saía daquela fila e entrava no final de outra, sob os olhares de incompreensão das demais pessoas.

Claro que cometia enganos, mas na maioria das vezes acertava em cheio, encontrando aquela pessoa de boa vontade, interessada em resolver o assunto e não alguém que complicava ou que, para se livrar do trabalho, arranjava uma dificuldade intransponível.

Nos últimos dias tenho me lembrado muito deste ensinamento.

Chamei uma pessoa para trocar uma peça hidráulica no banheiro de casa. O sujeito chegou, olhou a posição e viu que haveria uma dificuldade extra, pois estava muito próximo à parede, limitando o manuseio da ferramenta. Surgido o óbice veio logo o argumento:

— Doutor, eu posso até trocar a peça, mas não tenho certeza de que vai resolver o problema. Está saindo pouca água, mas funcionando bem. É possível que a troca não faça diferença.

Enquanto isso o celular dele já tocava, alertando-o de outro compromisso a seguir.

— Pode trocar. Vai resolver — respondi, desconfiado da fraqueza da razão apresentada.

Após sangue, suor e lágrimas a peça foi trocada e a água voltou a fluir com abundância. Tive vontade de dizer a ele que assim nunca iria progredir na vida, que seu trabalho deveria ser feito com dedicação e zelo, que sempre procurasse fazer o seu melhor independente das circunstâncias, pois só assim poderia, mais cedo ou mais tarde, colher bons resultados. Tive vontade, mas não fiz… Achei que ele me olharia aparvalhado e talvez até dissesse que eu não tinha nada com isso, no que estaria coberto de razão.

São as pessoas que fazem a diferença.

Em contraste, entrei num supermercado próximo de minha casa apenas para comprar uma caixa de ovos. Lá dentro, acabei recolhendo alguns produtos nas prateleiras que clamavam pelo meu colo como bebês abandonados, abanando os bracinhos em apelos irresistíveis. É a maldição dos supermercados.

Sem carrinho ou cesto, acabei ficando com os braços cheios de mercadorias e busquei um caixa livre para depositar logo aqueles numerosos itens dependurados e quase caindo. Todos estavam ocupados, mas um dos funcionários, que ainda finalizava o atendimento de uma cliente, atento ao ambiente, percebeu a situação e levantou o braço para me chamar, indicando que eu já podia depositar ali as compras:

— Pode colocar aqui. Já vou atender o senhor. Só estamos concluindo o pagamento e vou passar suas compras. 

Ainda enfeitou este atendimento com um sorriso que teimava em permanecer no rosto dele. Fiquei pensando que, enquanto uns se esquivam do serviço e buscam malabarismos para reduzir o esforço, outros vão ao encontro das oportunidades de servir. Talvez uma questão do próprio caráter da pessoa.

Agradeci a gentileza, devolvi o sorriso e chamei-o pelo nome exibido no crachá. Agora todas as vezes que vou lá, só passo naquele caixa, mesmo que a fila não seja convidativa. Pelo comportamento e desempenho é possível que não o encontre mais no caixa daqui a um tempo, pois uma promoção vai teimar em persegui-lo incessantemente.

São as pessoas que fazem a diferença.

A terceira situação recente foi num posto de gasolina. Ali estive na loja de troca de óleo dentro do posto. Fui atendido por um funcionário que todos chamavam de Niel — não sei porque, mas desconfio que se chamasse Otoniel. Sujeito muito educado e sério, além de amável.

O local estava impecável, tudo muito limpo e arrumado. Não havia uma gota de óleo no chão! Niel mesmo mexendo com óleo o dia inteiro, estava com uniforme, sapatos e mãos limpas.

Fez a troca do óleo e, sem que eu solicitasse, complementou com a verificação de muitos outros itens no carro, explicando cada detalhe. Na hora da conta foi cuidadoso em explicar o valor e mostrar a tabela de preços. A verificação dos outros itens não gerou custo, pois todos os itens checados estavam em ordem. Fiquei impressionado.

Foi algo totalmente fora do padrão na cidade do Rio de Janeiro. Pouco antes de sair presenciei a chegada de um outro carro: o motorista disse que havia sido recomendada a troca do líquido do radiador. Niel abriu o capô, checou o reservatório e informou que não havia necessidade da troca. O dono do carro foi embora feliz e Niel ganhou mais um cliente naqueles poucos minutos.

Como eu tinha um segundo carro, pouco tempo depois voltei para o mesmo serviço e o atendimento foi ainda melhor, pois já nos conhecíamos. Ele lembrava meu nome e eu o dele. Com milhares destes serviços espalhados pelo Rio de Janeiro, aquele era diferente. O que deveria ser regra era uma absoluta exceção.

Naquela época de fim de ano, aquele sujeito era o verdadeiro Papai Niel… Não resisti: dias depois comprei um panetone e levei para ele. Ficou muito feliz, mais pelo gesto que pela guloseima.

Voltei lá umas semanas depois para trocar uma lâmpada da lanterna traseira que havia queimado. Ao chegar, uma grande surpresa: Niel não estava mais. Um outro funcionário me recebeu e perguntei por ele. Contou o seguinte:

— Niel deu sorte. Um cliente da loja, muito rico, convidou-o para trabalhar como motorista particular, fazer umas viagens e ajudar em outras coisas, com um salário excelente. Niel aceitou.

— Sorte ou resultado? — indaguei.

O sujeito não entendeu. Aquela loja nunca mais foi a mesma sem o Niel.

São as pessoas que fazem a diferença. Para os outros e para si!

 

Antonio Carlos Sarmento

36 comentários em “FAZ DIFERENÇA”

  1. A crônica de hoje tocou em um ponto bem legal e que fazem a diferença. Atendimento.
    Quantas vezes pagamos um pouco mais para ser bem atendido, e quantas vezes não voltamos em determinado local por ter sido mal atendido.
    O resultado é sempre positivo para todos quando o atendimento é bem feito.
    É um sorriso é preponderante !

    Valeu Cacau!
    Bjs

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    1. Isso aí Chico!
      E seja no atendimento ou mesmo no trabalho interno de uma empresa, as pessoas é que fazem a diferença. Já passei pela experiência de trocar um funcionário e ver tudo mudar, para melhor ou pior…
      Obrigado por comentar, meu irmão!
      Bjs

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  2. São sempre as pessoas que fazem a diferença. É tão bom quando encontramos alguém em que sentimos que faz seu trabalho com alegria por mais simples que seja. Valorizo muito a alegria e prazer no trabalhar. Otima crônica. Bom domingo, uma semana abençoada. Fiquem com Deus, voce e sua familia.

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  3. Perfeita essa observação meu irmão!!!
    Você é exemplo vivo dessa história pois sua presença bem humorada, seu jeito espirituoso de ser e sua boa vontade com a vida fazem toda a diferença!!!
    Como diz um amigo:
    “Se você não faz a diferença, que diferença faz?”

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  4. Gostei muito do que você falou por último “para si”. Muitos não percebem que serem bons para os demais, os faz também bons para si mesmos. E a gente sempre relembra ou aprende com essas crônicas. 🙂

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    1. Fefe,
      Como você gosta das referências da família, me lembrei mais uma que Glorinha costumava repetir:
      “Quem não vive para servir, não serve para viver.”
      Beijos noivinha e muito obrigado por comentar sempre as crônicas.

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  5. Concordo com você que são as pessoas que fazem a diferença. E, assim como seu pai, eu também tenho mania de “escolher” os atendentes. E, no caso de ser fila única, fico torcendo para cair com o “escolhido”.

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  6. Prezado Antonio Carlos:

    A salutar leitura de sua coluna me traz um grande benefício: me defronto com a realidade em que vivemos, especialmente, no Rio de Janeiro, onde, por raro, nos encontramos com a gentileza e fidalguia de um Niel. Que Deus lhe proporcione muito sucesso !!!

    Sds. deste assíduo e fiel leitor,

    Carlos Vieira Reis

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    1. Caríssimo amigo Carlos,
      “Assíduo e fiel leitor” retrata exatamente a sua participação. Eu ainda acrescentaria “e habitual comentarista”!!
      Muito obrigado, meu amigo. É realmente um prazer ter você entre os leitores!
      Um grande abraço e uma semana feliz junto à sua família.

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  7. Meu nobre amigo Antônio Carlos, até a pouco tempo não conhecia esse seu lado poético. Suas crônicas são excelentes, pois nos fazem refletir quanto às qualidades e habilidades do outro e que tanto fazem a diferença no processo educativo, como exemplo a ser seguido, percebo que descreve a si mesmo, pois quando trabalhamos na mesma empresa, sabia valorizar aos que faziam diferença de forma positiva. Parabéns, abraços.

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    1. Freitas,
      Saiba que lembro muito de você e dos distantes dias em que trabalhamos juntos. Sua personalidade e maneira de proceder fizeram a diferença no seu trabalho de inspetor.
      Fico muito feliz de receber sua mensagem e agradeço as palavras gentis.
      Um grande abraço e vamos nos manter em contato!

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  8. Querido amigo.
    Mais uma bela crônica nos presenteando com mais um exemplo deixado pelo seu querido pai e nos ensejando a reflexão sobre o comportamento humano.
    Nos inúmeros desafios que a humanidade enfrenta e particularmente o nosso Brasil fica difícil encontrarmos pessoas calmas, simpáticas e atenciosas para nós atender.
    Mas ela existem ainda….
    Pode ser que não sejam como o Biel….
    Obrigado amigo por mais essa bela mensagem. Bom domingo. Saudades. Parabéns pelo framengo….

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    1. Amigo Nei,
      No momento em que estava escrevendo e falando de meu pai, lembrei que você sempre aprecia estas lembranças da família.
      E agora, em seu comentário, surge logo em primeiro plano a referência a isto.
      Agradeço muito ao querido amigo os comentários e por estar acompanhando cada crônica!
      Beijos para Jaciara e que vocês tenham uma maravilhosa semana!

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  9. Amigo querido, sua ótima crônica de hoje me fez lembrar do Adnaldo, motorista de táxi que você me apresentou aqui em Brasília e que me atendeu por muitos anos.
    Beijão

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  10. Pessoas que fazem a diferença. Qual a origem da ações? Os grandes empreendimentos ainda não conseguiram detectar um quadro unitário de empregados ao mesmo nível durante o processo seletivo. Eu acho que somos avaliados por quem sabe avaliar outra pessoa.

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  11. Boa noite meu amigo! Ótima e verdadeira sua crônica desta semana. Sobre o Niel, se foi no Jet Oil do Ipiranga do Cebolão eu conheço bem. Ele participou de alguns cursos que fazíamos aos atendentes dos Postos. Os artistas só aceitavam ele p/ trocar o óleo. Uma vez ouvi o Toni Tornado fala p/ ele que iria contratá-lo, Ele era muito bom mesmo.
    Enviado do meu iPhone
    >

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    1. Meu grande amigo Luiz Carlos,
      Conheci o Niel no Posto aqui atrás do Barrashopping, mas ele disse que a Ipiranga alocava ele em postos que não estavam indo muito bem, para aprimorar o serviço e atrair a clientela.
      Quando escrevi nem lembrei que você atuava neste segmento, exatamente na empresa em questão. O mundo é um ovo! De codorna…
      Muito obrigado por comentar, meu irmão!
      Grande abraço.

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  12. Querido Irmão,
    São os pequenos gestos e atitudes que fazem toda a diferença na nossa vida e na vida de outras pessoas. Somos responsáveis pelas nossas escolhas e sendo assim podemos fazer toda a diferença com atenção, respeito, positividade e um sorriso que é sempre muito valioso.
    Ótima crônica, resgatando um dos ensinamentos de nosso Pai e sua sensibilidade na opção do atendente.

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    1. Minha querida irmã,
      Agradeço muito seu comentário. Respeito, atenção, positividade e um sorriso são de fato irresistíveis!
      As memórias de nosso pai estão sempre vindo à minha mente: nem sei que tinha tantos ensinamentos armazenados na memória…
      Beijos e uma maravilhosa semana!

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  13. Caro Amigo, Muito bom dia, Fazer tudo com gosto, seja lá o que for, esse é o segredo . . . O lamentável é que alguns seres não se dão conta disto . . . E quando aqueles que assim procedem são recompensados, dizem que ele teve “sorte” . . . Parabéns!!! Recomendações à Sonia e demais familiares.

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  14. Primo, eu também gosto de escolher a fila pelo atendente e dela não saio até concluir o serviço. Muitas vezes não temos um cumprimento, mas faz parte, porque somos seres humanos e cada um tem um jeito de ser…Parabéns pela crônica! Bjs

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  15. Gostei muito da reflexão que essa crônica proporcionou.
    Engana-se quem pensa que tocamos o coração das pessoas apenas com grandes feitos.
    As pequenas coisas a executar é que nos oferecem a oportunidade de dar mais leveza à vida – a nossa e a dos que precisam de nós .
    A começar em casa , principalmente!
    Grande abraço, meu primo!

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  16. Sou um profundo admirador dos atendentes, minha esposa que o diga, sempre fica me perguntando como eu consigo coisas “impossíveis” em alguns lugares e situações.
    De fato é maravilhoso ser bem atendido, todos nós queremos e desejamos isso, contudo me faz pensar em como estamos atendendo o outro, como estamos atendendo nossos filhos, esposas, etc.
    Me pergunto se eu estou fugindo da regra ou jogando o jogo que a maioria (infelizmente) joga.
    Excelente crônica e um dia quero adquirir essa habilidade que seu pai tinha. hehehehehe

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    1. Jeancarlo,
      Se adquirir a habilidade que meu pai tinha vai ser covardia: você já tira leite de pedra e tem muita habilidade no trato pessoal.
      Você é daqueles que são bons dos dois lados do balcão!
      Grato pelo comentário!
      Abraços

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