Há umas duas semanas, cheguei em casa ali pelas quatro horas da tarde. Girei a chave na porta sabendo que não haveria ninguém no apartamento. Esperava encontrar o silêncio que tanto prezo, mas meus ouvidos foram invadidos por um canto de passarinho. Era algo diferente, belíssimo, encantador e muito presente. Parecia estar dentro de casa.
Até então isto nunca havia ocorrido, pois estes animaizinhos parecem ser dotados de um senso de liberdade que os guia, preferindo sempre circular em espaços abertos e não se meter em locais onde possam ficar aprisionados.
Pássaros são mais espertos que insetos. Ainda outro dia, uma cigarra, não dotada do mesmo senso e muito menos da mesma graça, se debatia contra o vidro dentro da minha varanda. Peguei o pobre inseto com um guardanapo e devolvi para a natureza aquele que iria morrer, incapaz de compreender que bastava voar por cima do vidro enganoso. Me fez lembrar certas pessoas que almejam algo, mas não buscam o caminho certo para chegar ao objetivo e assim debatem-se numa busca exaustiva e infrutífera, pois o que lhes parece o caminho fácil é na verdade impossível…
Mas voltemos ao passarinho. Apurei a audição e fui pé ante pé em busca da origem daquele trinado tão bonito. Constatei que não estava na sala e fui na direção dos quartos: à medida que eu prosseguia, o som ficava mais limpo e forte. Não queria que a sinfonia acabasse, mas um impulso me obrigava a localizar a origem, mesmo com o risco de assustar o maestro. Eu desejava um show ao vivo. Ouvia, mas queria ver!
Segui lentamente, com cuidado para não espantar o artista. Como uma serpente encantada pela música, fui percorrendo os cômodos e aos poucos percebendo nitidamente a direção do som. Ao ficar na ponta dos pés, pude ver que o animalzinho estava no parapeito da janela do banheiro.
Seu canto era dobrado, dando a impressão de serem dois ou mais ao mesmo tempo. Ali estava ele, sozinho e alegre como uma criança brincando. Tinha o dorso preto e o peito branquinho. Cantava e saltitava, levantava uma asa, girava e realizava outros movimentos graciosos. Fiquei de longe e em silêncio. Ele pareceu indiferente à minha presença, como que absorto na sua nobre arte, encantando a si mesmo. Era o artista e a plateia num só.
Permaneci hipnotizado, admirando a performance. Corpo e voz em harmonia, movimentos e sons combinados, um verdadeiro balé executado à perfeição. Não sei quanto tempo durou. Também não importa isso e sim o fascínio que me causou ver aquele ser livre, delicado, veloz, sonoro e lindo ter escolhido a minha janela para um concerto. Um concerto não, uma serenata!
De súbito, o intérprete encerrou o show. Retirou-se num voo certeiro, como se soubesse exatamente onde ir, ou melhor, como se tivesse um compromisso premente. Não deu aviso nem explicações. Sequer se despediu ou fez alguma reverência ao público, confirmando que cantava e dançava para seu próprio deleite. Tive vontade de aplaudir, mas seria ridículo. Quis ir ao camarim do artista, mas seria impossível.
Permaneci parado no lugar, desfrutando daquela experiência tão rara. Desejei que ele tivesse se sentido bem ali e voltasse para novas apresentações.
Subi num banquinho para olhar o parapeito, pois a janela é um pouco alta. Vi que era apenas uma pedra mármore branca, sem nenhum atrativo para um passarinho. Não havia alimento nem ninho. Eu queria que ali fosse um local aprazível para ele. Pensei em colocar comida para o atrair, mas logo desisti, pois outros viriam também e eu desejava apenas o solitário lírico, o pequeno musicista preto e branco com o canto colorido.
Resolvi esperar que ele repetisse a escolha, já que ali não foi importunado, cantou à vontade, confortavelmente. O parapeito é seu, meu amiguinho!
Cinco dias depois ele voltou! Eu estava na cozinha com minha mulher quando nos chamou com seu gorjeio inconfundível. Agora éramos dois fãs em busca de ver o lindo passarinho. Nos acotovelamos na porta do banheiro e acompanhamos, na ponta do pé e com fascínio, a bela peça musical.
Terminou como da outra vez. O cantor e bailarino encerrou a canção de repente e partiu para outras aventuras. Foi embora, livre como nós gostaríamos de ser, indiferente à reconhecimento como nós deveríamos ser e feliz consigo mesmo como nós poderíamos ser.
Sei que vai parecer inverossímil, mas no exato momento em que escrevo esta crônica, dia 27 de maio de 2021 às 17:30h, ouvi meu pequeno amigo. Juro, por tudo de mais sagrado. Não acreditei!
Deixei imediatamente o texto e fui até o ponto de observação, meu lugar marcado para assistir o espetáculo. Subi os calcanhares e lá estava ele para mais uma apresentação magnífica. A avezinha se tornando a vizinha.
Confesso que quando comecei a escrever esta crônica, estava na dúvida se deveria mesmo ir até o fim e publicar. Muitas vezes começo um texto e depois de uma ou duas páginas, decido abandonar. Meu pequeno amigo veio para me dizer que aceitava ser protagonista da minha crônica no próximo domingo.
Fiquei feliz pela incrível coincidência, que dissipou qualquer sombra de dúvida. E também por achar que, de fato, ganhei um amigo que virá visitar-me, talvez não tão frequentemente quanto eu gostaria, mas sempre que desejar. Estarei de parapeito aberto!
Fiquei pensando: por que os pássaros cantam? Não tive interesse em pesquisar as razões, provavelmente estudadas pelos ornitólogos.
Para mim, absolutamente leigo no assunto, tem uma razão bem simples: é uma delicadeza de Deus!
Termino lembrando a famosa trova do poeta Mario Quintana:
Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho
Eles passarão…
Eu passarinho!
Antonio Carlos Sarmento
Alguns passarinhos cantam para atrair a parceria. Talvez ele esteja te paquerando. hahaha
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Pedro,
Hahaha.
Se é isso tenho certeza que é “ela”…
Abraços
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Lindo. Esses versos do Quintana são demais.
Acho muito bacana como você consegue contemplar com profundidade cada pequeno acontecimento do seu dia a dia. Obrigada por compartilhar.
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Fefe,
O interessante da crônica é exatamente essa possibilidade de fazer um texto a partir de algo simples, cotidiano.
Muito obrigado por comentar.
O Quintana também agradece!
Beijos pra vocês e pro Tom!
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Tenho visto imagens de Marte. Sabe o que eu penso? A terra foi realmente um lugar escolhido por Ele para sua grande obra. La o visual é inóspito, sem cor e, certamente sem passarinhos e seus belissimos cantos, e sem um cronista do seu quilate para nos despertar aos domingos. Bom domingo, boa semana e que Deus nos abençoe a todos.
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Amigo Luigi,
Concordo que Deus escolheu a Terra para exagerar no design!! É muita beleza!
Agradeço muito seu constante comentário, sempre exagerado nos elogios, mas que muito aprecio.
Grande abraço e que tenham uma semana abençoada por Deus!
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Linda crônica amigo querido. Além de tudo é poeta também. Ainda bem que pude ler logo pela manhã pois assim , terei um domingo leve e abençoado por tanta beleza. Beijão e saudades.
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Oh minha amiga Lúcia!
Suas palavras me alegram muito. Ajudar a que tenha um domingo leve e abençoado já é uma grande recompensa para mim.
Um grande e saudoso beijo!
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Obrigado pelas linda crônicas que contribuem para suavizar o nosso cotidiano.
No meu entendimento o cantar dos pássaros são parte do louvor devido à Deus por todas as Suas criaturas.
Abraço
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Caríssimo amigo.
Ratifico os justos comentários do Carlo Luigi. Muito pertinente.
Parabéns Cacau por mais essa bela crônica. Surpreendente.
Abençoada semana .
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Amigo Nei,
Às vezes eu mesmo fico surpreso com um tema que chega de repente. Eu ia escrever sobre outra coisa, mas o passarinho me venceu…
Obrigado pelo comentário e pela gentileza, meu irmão!!
Beijos pra você e Jaciara.
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Caro amigo Reis,
Que alegria ler seu comentário e saber que continua apreciando a leitura.
Espero que o amigo e sua família estejam muito bem!
Grande abraço!
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Gostei muito! Ainda bem que o pequeno amigo retornou para dar consentimento para divulgação da crônica. Forte abraço.
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Opa meu amigo Rodolpho,
Fico contente que tenha gostado.
Desejo uma ótima semana pra você, Idalina e toda a sua amada família!
Grande e saudoso abraço!
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Querido Amigo Antônio Carlos, a medida que fomos lendo pensamos exatamente o que escreveu no final: …uma delicadeza de Deus…nestes pequenos e tão sensíveis acontecimentos, percebemos como São Francisco de Assis ficava tão feliz e conversava com estes pequeninos mensageiros de Deus…Amamos…Armando e Valéria
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Muitíssimo obrigado queridos Armando e Valéria!
Realmente Deus exagera na delicadeza e espalha coisas lindas na Sua criação.
Grande abraço e desejo uma maravilhosa semana para vocês!
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Mais uma vez, a suavidade da leitura, embalando e alegrando o nosso dia! Obrigado!
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Norberto,
E comentários como o seu embalando e alegrando este que escreve.
Muito obrigado!
Desejo uma ótima semana!
Abraços
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Boa tarde, Primo! A crônica é mais uma de suas pérolas de nossos domingos. O cantar do passarinho é para nos alegrar o dia…Bjs
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Isso prima!
É para nos alegrar, encantar o nosso dia.
Obrigado pelas palavras amigas.
Beijos!
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Querido amigo, parabéns pela maravilhosa crônica.
A natureza é bela e a criação de Deus é perfeita.
Você escreve com tanta emoção que passa esse sentimento para nós , com profundidade.
Que o passarinho continue realizando concertos para vocês.
Abraços.
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Amigo Newton,
As maravilhas de Deus estão aí de presente para nós. Só precisamos ter olhos para apreciar.
Obrigado pelas gentis palavras!
Uma ótima semana a você e Nuri!
Abraços
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Leitura suave e longe de todas as aflições do momento. Quanto ao alimentar não é bom, eles se fazem com os momentos e se alimentam também.
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Valeu José!
Realmente precisamos ter olhos para outras coisas também e não mergulhar nas aflições.
Grato por seu comentário!
Abraços
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Linda crônica, e refleti sobre a humildade.
O quanto desinteressado passarinho é capaz de dar o seu mais bonito, sem vaidade, sem interesse.
Um mensageiro de Deus!
Que sejamos passarinhos em nossas ações.
Obrigado Cacau, por mais essa linda crônica.
Parabéns
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Chico,
Isso! Que sejamos passarinhos em nossas ações, dando o melhor de nós gratuitamente.
Obrigado pelo comentário, meu irmão!
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Ainda bem que virou crónica a presença deste passarinho nos seus dias!
Todas as experiências que nos colocam de uma forma tão natural e genuína em contacto com a natureza são reais e imensamente marcantes.
Gostei muito deste texto cheio de ternura!
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Dulce,
Agradeço a você que me inspirou com seu post sempre tão belo e interessante.
Fico contente que tenha gostado.
Abraços!
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Sarmento, vc é privilegiado e abençoado, ganhou a amizade de um passarinho, e que voltou para rever o amigo. Espero que o seu novo amigo , volte para te alegrar novamente.
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Muito obrigado Milton!
Receber seu comentário me alegra.
Uma ótima semana!
Abraços
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Amei a delicadeza da crônica acompanhando a pureza do passarinho, meu bichinho predileto!!
Realmente um brinde de Deus pra encantar e em cantar, colorir nossa vida!
Parabéns pela sensibilidade!!!
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Obrigado minha irmã!
Felizes daqueles que se encantam com as coisas simples e preciosas criadas por Deus.
Grato por comentar.
Uma maravilhosa semana para vocês!
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Ei, meu primo!
Aqui na nossa terra, quando alguém esta com a aparência feliz, perguntamos se viu passarinho verde.
Então, você e Sônia devem estar lindos: foram visitados , mais de uma vez, por esse bichinho tão doce que ainda os presenteou com esse canto que fascina. É o encontro da criaçao, em perfeita harmonia, em prazerosa troca.
Para o aniversariante de junho, um presente mágico!!
Beijo
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Querida prima,
Seu comentário é sempre agradável e interessante.
É um prazer ter você acompanhando as crônicas.
Muito obrigado e desejo uma semana alegre junto aos seus queridos.
Bjs
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Caro Amigo Sarmento, Muito boa tarde, De fato, as coisas mais simples, são as mais sensíveis, as mais belas, e, certamente, encantam os nossos espíritos . . . A frase, ou “tirada”, desta semana, é: A avezinha se tornando a vizinha. Brilhante!!! Bela recordação poética . . . Parabéns! Recomendações à Sônia e demais familiares . . .
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