QUE PERIGO!

Viver é muito perigoso. Esta é uma obviedade que às vezes esquecemos. Basta estarmos vivos e é certo que teremos sobre nós, inexoravelmente, um conjunto enorme de riscos.

É compreensível e até recomendável buscarmos um nível razoável de segurança, tentando ser corajoso sem ser imprudente, especialmente na juventude ou buscando ser precavido sem chegar a ser medroso, especialmente à medida que envelhecemos. É preciso sabedoria para encontrar este ponto de equilíbrio ao longo de toda a vida.

Porém, cada de um nós, seja quem for, onde for, por mais cauteloso que seja, ainda vai viver sob um conjunto enorme de riscos e ameaças que não temos como controlar nem evitar. Além daqueles que sequer sabemos que existem…

Recusar-se a correr riscos, optar sempre por alternativas que consideramos mais seguras, além de ser inócuo, pode ir nos imobilizando, impedindo a plenitude da nossa vida. Viver acuado é não viver.

Martha Medeiros tem uma frase sobre isto:

O maior risco da vida é não fazer nada!

Encontrei um amigo no supermercado e paramos para uma breve conversa. Ele estava com escoriações nos braços, um curativo na cabeça e uma das pernas enfaixada. Claro que a conversa girou em torno do que havia acontecido:

— Você parece que foi atropelado? — arrisquei.

— Adivinhou: foi um atropelamento.

— E o motorista prestou socorro?

— Não tinha condições. Ficou muito machucado.

— Conta logo o que houve — pedi, já impaciente.

— Eu me atropelei. Com meu próprio carro, na minha própria casa.

Contou então que na sua residência há uma leve rampa ligando o portão de entrada com a garagem. Um dia, chegou com compras, parou na porta da garagem com o carro ainda do lado de fora e desceu para descarregar. Sem saber explicar como, enquanto retirava as sacolas do porta-malas, o carro soltou-se e iniciou o movimento de ré pela rampa:

— Tentei segurar e fui recuando, fazendo força buscando parar o veículo, mas o peso era muito grande. O carro foi ganhando velocidade. Quando senti que não seria possível, pulei para o lado, mas fui atingido na perna e caí desconjuntado. Ainda rolei por alguns metros, enquanto o carro arrancava o portão e ia parar no meio da rua.  O veículo bateu com a traseira numa árvore e ficou atravessado na pista. Felizmente era uma rua de pouco movimento e não resultou em outro acidente.

Gritou então pela esposa e foi socorrido. Ele ficou dois dias no hospital, o carro 20 dias na oficina e o portão teve falência múltipla.

Que ironia: ser atropelado em sua casa, por seu próprio carro. O acesso à garagem em rampa era um risco invisível!

O caso deste amigo me fez recuar à adolescência, quando um senhor e sua esposa costumavam vir passear de motocicleta na rua em que eu morava. Naquela época quase não havia motos circulando.

Eles vinham uma vez por semana: chegavam, subiam com a moto na calçada da praça e ali ficávamos conversando, nós atraídos pela novidade e beleza daquela Harley-Davidson e eles atraídos pela nossa juventude e curiosidade.

Ainda me lembro que ele usava um capacete de couro e óculos de motociclista, estilo segunda guerra mundial, o que tornava o conjunto piloto-moto ainda mais interessante.

Como todo jovem da minha geração, eu sonhava em ter uma motocicleta. Assim, passávamos horas conversando com aquele charmoso casal, que vivia as aventuras que nós gostaríamos de viver. Mas nossos pais sequer cogitavam financiar esta excentricidade, alegando os elevadíssimos riscos deste tipo de veículo.

Certa vez, perguntei ao piloto se em todos estes anos andando de moto havia sofrido alguma queda. Contou-me então que fora vítima de um único acidente em toda a sua vida:

— Eu estava em cima da calçada, com a moto no descanso e sentado como agora, respirando um pouco e apreciando o movimento. Subitamente ouvi uma freada e só percebi que um carro desgovernado vinha em minha direção. Antes que eu pudesse tentar qualquer coisa, ele atingiu a roda traseira da moto, lançando-a longe e eu fui projetado por cima do capô, passei pelo teto e caí atrás do carro. Quebrei três costelas e um braço. Depois disso nunca mais aconteceu nada.

Cheguei a contar esta história para o meu pai, buscando fazê-lo repensar os perigos da moto, mas havia um obstáculo ainda maior aos elevadíssimos riscos do veículo: os elevadíssimos custos, incompatível com sua maneira de ser, digamos assim, “econômica”… Ele argumentou que a história apenas mostrava que a moto, até mesmo parada, continuava sendo perigosa.

Resultado: passei pela juventude sem passar pela arriscada experiência de ter uma moto, não por precaução, mas por não haver quem financiasse minha coragem.

Foram histórias que me fizeram relembrar que a vida é mesmo muito perigosa. E nem sempre o perigo está onde imaginamos.

Concluo com uma frase do escritor Peter Drucker:

Existe o risco que você não pode jamais correr e existe o risco que você não pode deixar de correr.

E eu complementaria: a sabedoria está em identificá-los.

 

Antonio Carlos Sarmento

20 comentários em “QUE PERIGO!”

  1. Amigo Antonio Carlos:
    O seu falecido e querido pai era um sábio, quando se negou a lhe presentear com uma motocicleta.
    Na minha humilde opinião, qualquer motociclo deveria ser extinto do planeta, devido aos sérios riscos que sujeita o seu piloto.
    Se num automóvel, com quatro rodas, você não tem tanta segurança, imagina sobre 02 rodas, onde o perigo é constante.
    Sou contrário a qualquer veículo de 02 rodas, sejam motocicletas, falecidas lambretas ou bicicletas.
    Sds. do seu amigo,
    Carlos Vieira Reis

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    1. Caro Carlos,
      Concordo integralmente com as suas observações.
      Acrescento apenas que, bicicletas transitando em ciclovias exclusivas têm o risco bastante reduzido.
      Mas de modo geral o equilíbrio sobre duas rodas é instável, comprometendo a segurança.
      Grato pelo comentário, meu caro amigo!
      Grande abraço!

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    1. Pedro,
      Hoje também prefiro não correr este risco.
      Quanto ao Jô, sei que era apaixonado por motos e tinha uma maravilhosa FatBoy, mas um tombo na estrada para Itaipava quase o matou e deixou sequelas até hoje.
      Grato por comentar!
      Abraços

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  2. Sarmento uma coisa que nunca me aborreceu foi nunca ter tido uma motocicleta. Meu irmão teve e andei, claro, na dele. A sensação é irresistível. Liberdade e aquela famosa frase clichê: “na moto você não observa a natureza. Você é a natureza…”. Mas sempre entendi que moto foi frita pra cair: tem só 2 rodas. E sinceramente nunca na vida conheci nenhum motociclista que não tenha “beijado o asfalto”. Mas que é irresistível, e prazeroso, é. Bom domingo, e que Deus nos abençoe e proteja… das motos… kkkkk

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    1. Caro amigo Luigi,
      Realmente a sensação de andar de moto é única e emocionante. Mas o perigo é enorme, ainda mais no trânsito caótico que temos por aqui.
      Sorte sua, que teve algumas experiências bem sucedidas na moto do seu irmão.
      Muito obrigado pelo comentário e desejo ao caro amigo e sua família uma maravilhosa semana.
      Abraços!

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  3. Assim como a vida proporciona estarmos “no lugar certo na hora certa” e algo surpreendente e bom pode suceder… também nos faz estar no “local errado na hora errada” e daí o que surge normalmente é mau. Para tantos mesmo fatal.
    Obviamente que o melhor é viver e não pensar muito nesses eventuais momentos em que uma qualquer conjugação de energias nos aponta o dedo e decide que é a nossa vez…para o bom ou para o mau.
    Diria que há que arriscar q.b se for realmente importante e sentido ….e que não faz mal nenhum estarmos um pouco mais atentos em tudo o que depende apenas de nós.
    Se a mota fosse realmente importante para si….algures na sua vida tinha certamente adquirido alguma.
    Mas…. ainda bem que não o fez!!

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    1. Dulce,
      Devo confessar: muitos anos depois do que narrei, já casado, comprei uma moto e fiz alguns passeios com minha mulher.
      Durou apenas uns 3 meses, pois um quase acidente me fez desistir. Vendi ao primeiro interessado e renunciei para sempre a este prazer tão perigoso.
      Muito obrigado por comentar e sempre acompanhar as crônicas.
      Grande abraço e saudações luso-brasileiras!

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  4. Desculpe, mas tenho que resumidamente contar o que me veio a lembrança.
    Eu tive moto, caí uma vez e pasme, parado.
    Eu era muito jovem, fui querer aparecer para umas meninas no ponto de ônibus e não reparei que o lado que eu ia descer tinha um degrau, quando fui apoiar o pé, não tinha chão e aí fui caindo lentamente com a minha CB 400 , era moto da moda… hoje Rio, mas foi vergonhoso…risos.
    Parei de andar poucos meses depois, quando passando pela Rio Niterói e havia acabado de acontecer um acidente em que o motoqueiro , acabou decapitado ao entrar na traseira de um caminhão…aí moto, para mim, nunca mais.
    Os perigos existem, mas nada se compara ao risco de andar de moto no nosso trânsito de cidade grande.
    Aí mora um dos maiores perigos.
    A única coisa que quero de moto é distância!
    É muito gostoso, é um grande prazer, mas dispenso…

    Valeu Cacau!
    Bjs

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    1. Chico,
      Naquela época a gente perdia a cabeça pelas meninas, portanto o caso que contou é perfeitamente compreensível.
      Eu também desisti da moto, não quando vi um acidente, como você, mas quando quase me acidentei gravemente.
      Obrigado por comentar e continuemos andando de automóvel para desfrutarmos de muitos e longos anos de amizade!.
      Bjs

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  5. Cau
    Costumo dizer aos meus filhos “Que perigo horrível”, quando alguma situação me aflige. Tanto as motos como as bicicletas me causam apreensões mesmo sabendo que existem outras situações em que precisamos com força, da proteção divina!!! Essa sensação de liberdade me aprisiona no medo …bjkas

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  6. Gostei do acidente do carro onde o dono foi protagonista e vítima do acidente.
    Acredito que em boa parte dos acidentes temos alguma culpa, seja por negligência ou mesmo falta de senso de riscos.
    A vida só tem valor se houver aquela sensação que pode dar errado, a famosa adrenalina a correr nas veias.
    Como disse no final da crônica, a diferença está em identificar o limiar entre eles, o que é dificílimo.
    Enfim, vamos viver entre 60 e 100km/h e eventualmente nas ultrapassagens, pisar um pouco mais para sentirmos o sexto sentido da vida, a adrenalina!

    Um abração primo, fique com Deus.

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    1. Caro Rômulo,
      A maturidade nos faz buscar a adrenalina de modo mais tranquilo e contido: apenas com pequenas escapadas, certo? hahahaha
      Obrigado pelo comentário primo: continuemos entre 60 e 100km em nossos automóveis.
      Grande abraço!

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  7. Querido Irmão,
    De fato quando envelhecemos o medo e a precaução nos questionam, da inconsciência nasce o medo, e da consciência a precaução . Precisamos de equilíbrio e bom senso para desfrutar das oportunidades e prazeres apresentados para vivermos plenamente e felizes.
    Quanto às motos, como você bem deve se lembrar, sempre tive aversão, jamais subirei em uma….
    Beijos e ótima semana para vocês.

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  8. Querido Amigo ainda bem que nunca foi possível tê-la…me lembro de um colega de ginásio que se acidentou e ficou mancando a vida toda…eu era da turma da Engenharia e ele da de Medicina…Ele se tornou um grande médico mas, imagino como deve ser dolorido ter uma perna um pouco menor do que a outra em função do acidente de moto na adolescência.

    Forte abraço,

    Armando Penna

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    1. Caro amigo Armando,
      Todos nós temos histórias complicadas envolvendo motos. Portanto, você tem razão: foi melhor não ter uma naquela ocasião.
      Amigo, fico muito contente que aí de Portugal continue acompanhando as crônicas. E comentando!
      Um grande abraço à você, Valéria e toda a sua família!

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  9. Caro Amigo Sarmento, Muito boa tarde, De fato, existem modelos de moto hoje, como existiram em outras épocas, que são de tirar o fôlego, de quem as admira. Mas o ponto principal aqui, penso eu que seja o de correr riscos ou não. Tenho aprendido que os dois maiores males da humanidade são a ignorância e a inconsciência, de forma que em havendo conhecimento e consciência do que estamos fazendo, os riscos inerentes a qualquer ação, são enfrentados com segurança. Recomendações à Sônia e demais familiares.

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    1. Caro amigo JH,
      Você tem razão. Às vezes, quando jovens, a gente acabava por ignorar os riscos e pensar apenas nas emoções e aventuras.
      Conhecimento e consciência: bons conselheiros.
      Obrigado pelo comentário, meu grande amigo!
      Abraços e lembranças à família.

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  10. Querido primo,
    Às vezes encarar o risco não é tao difícil porque vislumbramos as conseqüências e podemos assumi-las. Vale a ousadia com responsabilidade.
    Mas, quando se trata de expor a vida à sorte, somos incapazes de prever e de administrar o resultado. Alguns imprudentes se dizem corajosos e ignoram a ameaça. Mas aqui não vale desafiar o risco. Ao contrário, precisamos de sabedoria e de precaução para minimiza- lo, já que nao é possivel evita-lo.
    Parafraseando o dito popular , confisca a vida quem se arrisca.
    Grande abraço.

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    1. Querida prima,
      Agradeço muito o seu comentário, com o qual concordo integralmente.
      Escrevi em uma das crônicas que “coragem sem sabedoria é mero arroubo” e você fala em ousadia com responsabilidade.
      Também gostei da frase “confisca a vida quem se arrisca”.
      Bjs prima!

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