CONSULTA MÉDICA

Nenhum horário é mais incerto que o de uma consulta médica.

Eu já saio de casa resignado a aguardar uma hora ou pouco mais. Este tempo é o meu limite, ainda mais levando em conta que, via de regra, sala de espera de consultório é local desconfortável, apertado, quase sempre sem janela e cheio de gente. Seria mais apropriado chamar de cela de espera.

As pessoas ficam ali se entreolhando, desconfiadas, querendo adivinhar as doenças das outras e, para se consolar, imaginando que sejam muito mais graves que as suas.  Alguns sofrem mais, suspeitando que pairam no ar enfermidades contagiosas emanadas pela respiração dos companheiros de cela.

Enfim, quanto mais gente há, mais adverso o ambiente se torna. Eu acho que nunca houve uma amizade nascida numa sala de espera de consultório médico.

Hoje em dia, com as distrações disponíveis no celular, costuma imperar o silêncio e os pescoços tortos como os de gansos, se voltam para a indefectível telinha em busca de inúteis entretenimentos, mas que pelo menos fazem passar o tempo.

Curioso que, se toca o telefone da secretária, todas as orelhas se voltam para ela: ninguém é mais atento que paciente aguardando impacientemente.

Claro que quando a consulta é boa, a espera terá valido a pena. É como alguém que chega cedo no estádio de futebol, aguarda muito tempo para o jogo começar, mas assiste a uma vitória gloriosa do seu time. Pois bem, na minha última consulta médica, após a longa espera, meu time levou uma vergonhosa goleada…

Era apenas para fazermos um check-up anual, nada de doenças ou queixas de saúde. Cheguei com minha mulher e, sem surpresa, encontramos a sala de espera lotada. Como ali estavam pacientes de 6 consultórios, as senhas apresentavam-se numa ordem caótica e incompreensível, sendo impossível ter uma noção de quando seríamos atendidos.

O passeio ao inferno já durava uma hora e meia, quando chegou a intolerância, o impulso de ir embora, a vontade de cancelar tudo e nunca mais procurar aquele médico. Mas chegou também a certeza de que uma nova marcação é garantia de nova provação. Fomos ficando, sempre alimentando a ilusão de que seríamos os próximos.

Até que chegou a nossa hora. Aliviados, entramos juntos no consultório do médico que não conhecíamos, como é normal nos atendimentos de planos de saúde.

Encontramos o sujeito abduzido pelo computador. Sequer levantou os olhos e disse:

— Boa tarde! Meu nome é Dr. Ricardo. Prazer.

Eu queria dizer que um mínimo de atenção com quem aguardou quase duas horas incluiria pelo menos um olhar. Desejei também informá-lo que “doutor” não é nome próprio. E, finalmente, que não percebi qualquer sinal de prazer da parte dele em nos conhecer. Abandonei estes pensamentos e respondi secamente ao cumprimento:

— Boa tarde.

— Só um minutinho — retorquiu o médico, enfurnado na tela e pipocando no teclado.

O que é um minutinho para quem esperou tanto? Passados uns dois minutos, que pareceram dez, ele finalmente abandonou o computador, embora ainda olhasse de soslaio para a tela, e nos ofereceu praticamente um replay:

— Boa tarde. Meu nome é Dr. Ricardo. O que eu posso fazer por vocês?

— Deixar de se repetir, parar de se intitular doutor, olhar para quem está à sua frente, organizar melhor o seu horário e, se possível, pentear o cabelo — foi o que eu desejava dizer.

— Viemos fazer o check-up anual — foi o que eu disse.

— Muito bem. Vamos ver aqui — disse ele, saindo novamente do mundo físico para o virtual.

Batucou sem ritmo no teclado e, após chegar à tela que desejava, resolveu organizar:

— Primeiro a senhora, certo? Vamos lá. Deixe-me ver. Hummm. A senhora mora no Rio?

— E o senhor acha que nós viríamos de outro Estado para fazer uma consulta com alguém tão destrambelhado, Dr. Ricardo? — foi o que eu desejei dizer.

— Sim — foi o que ela disse.

— A sua religião?

— Católica — respondeu.

Fiquei perplexo. Não sabia que era consulta espiritual…

A partir daí ele olhou os exames do ano anterior. Folheou os resultados de um jeito atabalhoado, indo e voltando, confirmando e desconfiando, erguendo sobrancelhas e coçando o queixo. Foi então novamente abduzido e digitou mais uma centena de informações.

Finalmente, num breve lapso de tempo, resolveu ser médico: tirou a pressão arterial, auscultou o coração e pulmões e decidiu que exames ela deveria fazer.

Voltou a martelar o teclado, imprimiu a papelada das novas requisições de exames e finalmente olhou para mim:

— Agora é o senhor. Muito prazer, meu nome é Dr. Ricardo.

Engoli em seco.

— Deixe-me ver a sua ficha… O senhor mora no Rio?

— Não. Eu sou casado há mais de 40 anos, mas minha mulher mora no Rio e eu em Bangladesh — desejei responder.

— Sim — respondi.

— A sua religião?

— Ateu. E a tua? — pensei.

Completado meu cadastro com tão relevantes informações, ele voltou a ser médico por mais alguns minutos, fez o exame clínico e logo voltou ao malfadado teclado.

Pela minha estimativa, uns 90 por cento do tempo em que estivemos juntos foi vida digital. Pensei em na próxima vez levar o meu computador para a consulta…

Despedimo-nos levando em baixo do braço uma batelada de requisições de exames, que depois verificamos não estar de acordo com o anunciado por ele: havia exame que disse que não iria pedir e faltaram exames que informou serem necessários.

Na hora de ir embora, já na porta, não resisti e perguntei em tom irônico:

— Desculpe. Como é o seu nome mesmo?

— Dr. Ricardo.

— Ah é… Ricardo. Prazer — repeti sem o doutor e sem olhar para ele.

Antonio Carlos Sarmento

31 comentários em “CONSULTA MÉDICA

  1. Isso é uma consulta médica muito bem contada. Aqui em Portugal é igual… Mas estamos em crise estrutural, eles seguem protocolos e nós somos números a cumprir. Nunca fiz amigos nas salas de espera, mas já tive boas partilhas nas horas de espera. Mas bom, gostei imenso do “conto real”!

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    1. E eu que fui fazer preventivo, também com médico novo. Quando disse o que me levava a ele, me perguntou se já estava com os exames prontos.
      Não tenho porque é a primeira vez que venho aqui – respondi na lata, não resisti.
      Tudo igual.
      Acho que não lembro o nome dele porque não se apresentou. Mas tenho o nome dele no calendario do celular. 😂

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      1. Guilhermina,
        É incrível! Mas pelo menos você não passou pelo constrangimento do médico se apresentar vezes sucessivas…
        Obrigado por sua presença por aqui.
        Desejo uma excelente semana.
        Grande abraço!

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    2. Inês,
      Não sabia que aí em Portugal dá-se o mesmo… Coloquei pitadas de humor na crônica, mas é assunto preocupante.
      Agradeço muito seu comentário e desejo-lhe uma ótima semana, sem necessidade de consulta médica!

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      1. A esquerda política não soube dar conta do recado e acabou por se curromper. Agora ninguém se entende em lado nenhum. Educação, saúde, financeiro está tudo em desordem. De um governo voltado para social, agora vivemos um capitalismo quase ditatorial.

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  2. Muito bom dia, Caro Amigo, De fato, ser paciente frente ao desrespeito de certos “Drs” é quase impossível. Se explodimos nos taxam de impacientes e, também, mal educados. Se chegamos atrasados à consulta, perdemos a vez, passamos para o fim da fila, como castigo. Quem bom que, no final das contas, temos o privilégio de contarmos com boa saúde, até aqui. Recomendações à Sônia, à Tatiana, ao Guilherme, ao Jean e demais familiares.

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  3. Hahahaha… boa esse final! Mas é super lamentável esse atendimento msm. Pagamos plano de saúde pra pagarmos médico particular pra sermos realmente atendidos.

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  4. Entendo muito bem o que você escreve em sua crítica.
    O consultório médico, deveria sempre ser para buscar soluções e não para contrair doenças, como na sala de espera, ou ficar com o psicológico abalado na hora da consulta, mas infelizmente não é bem assim em alguns casos.
    Na nossa época o médico era praticamente parte da família, a quem você poderia recorrer a qualquer momento e até mesmo vinham em casa.
    Hoje, sem dúvida, a medicina está bem avançada, porém existe o retrocesso na parte humana.
    A grande verdade é que você para ter um atendimento melhor, sem generalizar, é fora do plano de saúde e pagando muito caro pela consulta.
    Imagine, o pessoal que defende do atendimento público?
    Essa assunto é bem mais extenso do que se possa imaginar.

    Ótima crônica, todos nós em algum momento precisará de um atendimento médico, cabe portanto cuidar bem da saúde para que o quanto menos precisar melhor.

    Bom Domingo!
    Bjs

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    1. Chico,
      Bela lembrança do médico de família. Você é muito mais velho que eu, mas cheguei a pegar este tempo…
      Como você bem disse, nada melhor que cuidar bem da saúde. É o que estamos fazendo, certo?
      Bjs e obrigado por comentar!

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  5. Quantas duras verdades amigo.
    Acho que você com seus comentários paralelos quebrou um pouco os momentos angustiantes de sala de espera de médico , principalmente, de plano.
    Tenho vivido isso com certa frequência e os seus comentários são muito pertinentes. O problema é que não vislumbramos solução a curto prazo.
    Parabéns pela crônica como sempre muito bem elaborada mas com a devida vênia o assunto …..
    Grande abraço pra você e Sonia querido amigo.

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    1. Amigo Nei,
      Lamento ter tocado em assunto que não lhe agradou.
      Procurei colocar umas pitadas de humor para aliviar, mas pelo jeito não foi suficiente…
      Na próxima vou tentar falar do Botafogo, de jogo de tênis, de vinhos e outras amenidades para compensar, ok?
      Grande abraço, meu amigo e manda um beijo para Jaciara!

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  6. Meu amigo por essas e outras só uso o plano de saúde para exames e internações. Consultas só com o médico particular que conhece meu histórico há muitos anos. Quanto às sala de espera e os horários de certos médicos são terríveis. Já troquei de ginecologista porque ele era também obstetra e algumas vezes na hora que eu seria atendida era chamado para algum parto e a consulta precisava ser transferida; sem contar que as mães com bebês ainda amamentando passavam na frente. Desisti do médico.
    Beijão pra vocês todos

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  7. Prezado Antonio Carlos:

    Lendo a sua bem redigida sua crônica me coloquei, às exatas, no seu lugar.

    Pasme, antes de ser submetido à recentíssima cirurgia, consultei outros 02 especialistas, que se diziam ortopedistas e, sem nenhum esforço, consegui que eles tivessem a mesma reação do “Dr.” Ricardo. Ou seja, apesar de se intitularem cirurgiões, nenhum deles foi capaz de detectar, nas profundezas, o meu problema tumoral. Apenas, se limitaram a pedir alguns exames, que não os fiz, porque já lhes tinha submetido os respectivos laudos, portanto, desnecessários os seus refazimentos.

    Os médicos de hoje, com raríssimas exceções, estão muito voltados para as regras dos Planos da Saúde, que lhes ditam o tempo das consultas, em total desprezo às reais necessidades dos pacientes, esquecendo-se que a medicina está voltada para o bem estar do ser humano.

    Saudações do amigo, leitor e admirador,

    Carlos Vieira Reis

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    1. Caro amigo Carlos,
      Que prazer a sua presença de volta por aqui. Espero que esteja se recuperando muito bem. Saúde!
      Felizmente ainda existem os bons médicos que, como no seu caso, fazem o diagnóstico correto e a intervenção precisa para resolver o problema.
      Muito obrigado por seu comentário, mesmo ainda estando em fase pós-cirúrgica.
      Grande abraço, saúde à Leila também e que tenham uma ótima semana!

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  8. Sarmento, ir ao médico é e sempre será, pra mim, um ato extremamente desagradável.
    Mas eu me vingava dos médicos quando levava minha falecida mãe que, AMAVA ir ao medico. Era um dia de desta pra ela. Levava relação de dores a perguntar e exigia uma paciência dos doutores que me divertia. O melhor era que normalmente quando respondia as indagações dele sobre sintomas, eu, provocativamente a desmentia e ficavamos ela e eu, falando sobre isso e o medico, pronto a cortar os pulsos com o tempo. Sempre me vinguei deles dessa forma… kkkkkk

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    1. Amigo Luigi,
      Sua história daria uma boa crônica! Me diverti só de imaginar a cena: você discutindo sintomas com sua mãe e o médico sem saber em quem acreditar… hahahaha
      Obrigado por compartilhar um pouco de bom humor.
      Grande abraço e uma ótima semana para você e todos os seus!

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  9. Hahahaha….adorei a crônica!!
    Quem nunca viveu uma longa espera na “cela” dos consultórios médicos. Às vezes acho que eles pensam que são os únicos que trabalham e que ninguém tem compromisso. É de uma prepotência indesejável!!
    Ri muito com suas possíveis respostas ,em especial à referência à Bangaladesh, cada uma…kkkkkk
    Enfim,cuidemos da saúde pra passar por isso somente uma vez por ano!!
    Afe Maria…..

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    1. Minha irmã,
      Sim, cuidemos da saúde para precisarmos apenas de check-up anual.
      Fiquei feliz que se divertiu com meus “pensamentos” na crônica. Cada pergunta…
      Beijos e obrigado por comentar.
      Uma excelente semana!

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  10. Hoje reli a crônica imediatamente !Vale relembrar um médico que tive em Macaé,que logo após cumprimentar perguntava:
    Sonia, você está feliz?
    À partir daí começava a consulta!!
    Aí sim…..😉😊🤗

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    1. Minha irmã,
      Se eu soubesse teria incluído esta pergunta e a resposta seria: – Estava feliz, antes de vir para a consulta… hahahaha
      Beijos e obrigado pelo duplo comentário, um para cada vez que leu, não é?
      Beijos

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  11. Meu amigo, este é um assunto que revolta só em pensar.
    Concordo plenamente com você sobre sala de espera de consultório e consulta médica através de plano de saúde.
    Pagamos caro por um plano de saúde e temos que buscar médico particular para um melhor atendimento e acompanhamento.
    Vou parar por aqui.
    Ótima crônica!
    abraços e uma semana abençoada.

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    1. Amigo Newton,
      Quase me arrependo de ter tocado neste tema. Procurei uma forma mais leve e bem humorada, mas acho que não deu muito certo… hehehe
      Obrigado por comentar, meu caro amigo.
      Uma excelente semana a você e Nuri!

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  12. Caro amigo, sua crônica foi o retrato fiel da situação dos atendimentos médicos de hoje.
    Enfrentei uma médica de nariz em pé, que entrou na sala para fazer um exame se dizendo “doutora” e muito mal humorada. Simplesmente perguntei onde tinha feito o doutorado, já que eu conhecia algumas Faculdades de Medicina.
    Ficou sem jeito, pois nem a especialização tinha concluído e onde se formou está aquém de qualquer comentário…
    Como seria bom se ensinassem os médicos a receber as pessoas com um sorriso, deixando a vaidade fora de seus atendimentos!
    Facilitaria um diagnóstico preciso e tornaria a vida de todos mais agradável.
    Tanta tecnologia e tão pouca sabedoria…
    Seus temas são incríveis e bem atuais. Sou fã de carteirinha…
    Uma boa semana ao casal.

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    1. Helena,
      A “doutora” mexeu com a pessoa errada, já que você foi professora em Faculdades da área.
      Mas há também os bons médicos, humanos e competentes. Desses eu não desgrudo…
      Adorei a frase: “Tanta tecnologia e tão pouca sabedoria”.
      Obrigado pelo constante incentivo ao meu trabalho.
      Um afetuoso abraço!

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    1. Dulce,
      Às vezes é melhor colocar pitadas de humor em temas mais duros.
      Fico contente que tenha apreciado.
      De fato faltou um olhar final para sentir a reação, mas acredito que o Ricardo não absorveu a mensagem…
      Muito obrigado por comentar.
      Desejo uma excelente semana!

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  13. Meu jovem amigo e irmão, Antonio Carlos.
    Meus agradecimento pelo recebimento e continue na sua caminhada fazendo bem a todos nós.
    Um fraterno abraço para vc e um beijo na família.

    Oslúzio Felix Fonseca

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