A previsão do tempo sempre desperta o interesse das pessoas. E não me refiro apenas ao nosso país. Parece ser algo universal, já que os noticiários e jornais do mundo inteiro dedicam um espaço a informar diariamente sobre o assunto.
Curioso que a atenção às previsões do tempo não se restringe à população do campo, voltada para a agricultura, para quem a informação é obviamente essencial, assim como para navegadores, viajantes, esportistas e outros. Mesmo quem trabalha na indústria ou no comércio e não depende do tempo, pois passa o dia enclausurado, protegido do sol ou da chuva, considera preciosa a informação meteorológica.
Talvez porque, na incerteza da vida, esta pode ser a única coisa previsível sobre o dia seguinte…
Fui criado e passei a vida morando em cidade grande e, desde criança, notava que, pelo menos no ambiente urbano, as pessoas em geral tinham uma certa aversão à chuva, enquanto eu apreciava muito. Às vezes, já deitado, aguardando o sono chegar, ouvia a chuva começando, sua música tocando na janela e seu perfume e frescor invadindo o quarto. Que companhia maravilhosa para minha noite de sono. Eu chegava a ter pena de dormir e parar de desfrutar das delícias da chuva.
Com 9 ou 10 anos de idade, ia a pé para o colégio, que ficava a uns 10 minutos de casa. A chuva, ao invés de um estorvo, era para mim pura diversão. Como me sentia bem de capa, guarda-chuva e galocha. Saía de casa como um guerreiro em sua armadura, um herói pronto para enfrentar a intempérie.
Caminhar na chuva era uma experiência muito mais interessante e agradável que andar sob sol quente, quando precisava buscar a sombra das árvores para aliviar o calor. Nestes dias de chuva eu nunca andava sob as árvores, pois ali era um local onde chovia diferente, desuniforme, com goteiras e alguns jatos grossos. Além disso, a água acabava trazendo a sujidade das folhas e perdendo a sua pureza. Muito melhor percorrer a calçada com chuva limpa, direto do céu.
Eu ia pelo caminho chutando as poças d’água e observando os pequenos riachos que se formavam no asfalto, junto ao meio-fio. Os carros passavam também brincando e levantando água das poças, formando lindas ondas onde não havia mar e balançando os limpadores de para-brisas para lá e para cá, como a acenar para toda a gente.
Nunca entendi porque na previsão do tempo falavam em “pancada de chuva” se ela vinha sempre de uma forma mágica e sedutora, ora mais forte, ora mais suave, porém generosa, regando as plantas e limpando tudo. Nunca levei uma pancada da chuva…
Ficava também contrariado ao ouvir que, no dia seguinte, haveria “céu limpo”. Em contraposição, céu com nuvens seria sujo? Na minha meninice eu achava que nada poderia ser mais limpo que a própria chuva, que lavava com água os prédios, as ruas e as calçadas.
Mas a experiência mais prazerosa e para mim inesquecível, ocorria com as chamadas chuvas de verão. Após um dia de muito calor, nos 40 graus do Rio de Janeiro, o final da tarde muitas vezes era premiado com uma torrencial e refrescante ducha do céu. Se estivesse em casa, coisa rara, pois na minha infância só se brincava na rua, eu descia correndo. Ali, sem um teto sobre a cabeça, desafogueava o corpo e recebia aquela dádiva, um verdadeiro chuveiro celestial.
Quantas vezes estávamos jogando futebol, suando muito devido ao esforço e calor, quando um vento gostoso começava a circular, o céu mudava de cor e, pouco tempo depois, despencava um delicioso aguaceiro. Era o delírio da garotada. Nunca paramos um jogo por motivo de chuva, pelo contrário, se estivesse terminando dávamos um jeito de prorrogar. A natureza vinha jogar conosco e o campo alagado desafiava nossas habilidades. Revigorados pelo banho farto e refrescante, nos divertíamos com as jogadas perdidas para uma poça d’água, os escorregões na lama e a bola encharcada, pesando o dobro e enfraquecendo os chutes. A diversão tomava o lugar da competição e enquanto chovesse o jogo não acabava.
Tudo que contei até aqui é coisa de menino, claro. Imagine se há 50 anos atrás uma menina ia sair de casa correndo para um banho de chuva. Muito menos para jogar futebol, algo impensável.
Mas ninguém escapa incólume da infância. Certa ocasião, estava em viagem de férias em Florianópolis com minha mulher e nossa filha de 7 anos. Naquela manhã, deixamos o hotel com destino à uma praia, um pouco distante. No caminho, o conhecido vento e a mudança do céu nos pegou ainda no trajeto. A chuva de verão então veio com sua força típica e ficamos sem saber se voltávamos ao hotel ou prosseguíamos em busca do banho de mar.
No auge da chuva, passamos por uma casa de esquina, onde o arranjo do telhado concentrava a água num único fluxo, formando uma coluna grossa e abundante que despencava de uns 3 metros de altura, uma cachoeira urbana. O menino que ainda hoje mora dentro de mim obrigou-me a parar o carro. Não resisti e convidei então a minha menina de 7 anos para um torrencial banho de calha de chuva. Ela topou na hora, garota feminista, emancipada!
Enquanto durou a chuva, durou o banho. Quando parou, o programa já estava completo. Era para ser no mar, foi na calçada. Era para ser água salgada, foi doce. Era para ser bom, foi ótimo.
Recentemente, mais de 20 anos depois, estávamos em casa e veio uma chuva de verão. Recordei-me do episódio e perguntei a minha filha se tinha lembrança daquele banho. Sem pestanejar, ela respondeu:
— Claro, pai. Nunca esqueci. Foi o melhor programa da viagem.
Fiquei pensando quantas coisas faríamos juntos se eu tivesse a companhia dela quando ainda era um garoto.
Minha infância foi um tempo bom… Nela aprendi que chuva é tempo bom…
Antonio Carlos Sarmento
Caro Amigo, Muito bom dia. Como é revigorante recordarmos a criança que fomos e que, ainda, está dentro de nós . . . Como sempre, uma crônica maravilhosa . . . Recomendações à Sonia.
Livre de vírus. http://www.avast.com .
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Caro amigo JH,
Muito obrigado. Fico contente por despertar em você boas lembranças.
Um forte abraço e uma bela semana!
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Lembro de alguns banhos de chuva também, principalmente as de verão e em janeiro, porque diziam que a primeira chuva do ano trazia sorte. Hoje, gosto mais da chuva para dormir, e fraca, porque o Rio de Janeiro é uma enorme poça e qualquer gota a mais vira um transtorno.
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Pedro,
Uma chuvinha para dormir é excelente. E um dia chuvoso para ler um bom livro é um presente de Deus!
Grande abraço!
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Meu amigo, aceite meus parabéns pelo belíssimo artigo e pelo seu gosto pela chuva. Aqui, onde moro, entre a Serra e o Mar, chove quase diariamente, nos finais de tarde. Já até me acostumei ao fenômeno. Mas, quem gosta mesmo é o meu jardim.
Sds. e um bom domingo,
Carlos Vieira Reis
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Linda e sensível sua crônica de hoje querido Irmão.
Por interesse profissional e também de aposentada acompanho rigidamente a previsão do tempo , hoje me surpreendi que durante mais quinze dias continuaremos com o tempo nublado neste novembro.
Que você possa continuar viajando no tempo, buscando a criança alegre e divertida que sempre foi e ainda permanece.
Beijos.
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Beth,
Que bom ter gostado. Carregar no peito as lembranças de uma infância feliz é maravilhoso.
Obrigado por comentar, minha irmã!
Bjs
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Sarmento amigo, desculpa mas isso não foi uma crônica. Foi uma poesia da sua alma! Parodiando Gilberto Gil que dizia: “Quem não dormiu no sleep bag, nem sequer sonhou..” eu diria que quem nao se emociona com essas recordações que voce nos emprestou, nem sequer viveu uma infância feliz. Só um contraponto. Eu DETESTAVA capa e galocha. Achava o maximo um guarda-chuva de criança que depois de encher a paciência do meu pai, ganhei de presente… Emotivas lembranças. Deus te abençoe e a sua família. Bom domingo e excelente semana. E, obrigado.
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Amigo Luigi,
Um comentário como o seu é a melhor recompensa e faz crescer o gosto pela escrita.
Muito obrigado pela generosidade de suas palavras.
Uma maravilhosa semana à você e sua família!
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Amigo Luigi,
Vi agora na CNN a chegada de uma tempestade tropical aí na Flórida.
Desejo que você e sua família estejam bem e não sejam afetados.
Rezaremos por vocês agora na missa das 18h.
Grande abraço!
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Parabéns pela excelente reflexão trazida pelo seu artigo, meu amigo!
Levou-me a relembrar os tempos de garoto quando todos víamos a chuva como uma inusitada diversão.
Um abençoado fim de semana para você e sua família!
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Grande Reis,
Com alegria recebo seu gentil comentário.
E fico contente que tenha lhe trazido boas recordações.
Um grande abraço e obrigado pelas palavras.
Uma semana de paz e alegrias para você e sua família!
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Que Maravilha meu irmão!!!
Mais uma super afinidade entre nós!!!
Nunca me conformei com a expressão:O tempo tá feio”.Sempre amei a chegada da chuva e todo recolhimento que ela representa!!!
Sua forma poética de descrever suas lembranças fazem inundações na minha alma e tempestades de boas recordações !!!
Tomara amanhã faça Tempo Bom!!!!!🙂😉😊
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Minha irmã,
Nossa afinidade parece acontecer também nas inspirações: inundações da alma e tempestades de boas recordações!!
Muito bom!
Grato por comentar e uma abençoada semana!
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Um alento para minha alma infantil que ainda está adormecida e a esperar por um chamado como o da sua crônica hoje.
Faltou, no meu caso, os barquinhos de papel que urgiamos em fazer para aproveitar as corredeiras nas ruas e também o ferrinho que jogávamos após a chuva cessar com o solo encharcado e mole.
Como sua filha, eu adorava as calhas d’água torrenciais e me regozijava com a água na minha cabeça a espalhar gotas para todos os lados.
Obrigado por mais este presente
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Caro Rômulo,
Só em saber do seu sentimento ao ler a crônica já me sinto fartamente recompensado.
Também agradeço o presente que foi o seu comentário.
O que você aí no Espírito Santo chamou de “ferrinho” aqui no Rio chamávamos de “finco”, mas é a mesma e gostosa brincadeira.
Coisa boa a crônica nos despertar tantas lembranças encantadoras!
Abraços e uma maravilhosa semana!
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Que bela coincidência, Antônio! Adorei. Que boas lembranças a chuva deixa na gente! 😉
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