Há algum tempo, durante a leitura de um livro, chamou-me atenção uma passagem na qual duas pessoas discutiam acirradamente sobre uma dívida, quando uma delas exclamou:
— Você é muito ambicioso!
O outro se ofendeu e daí para frente o diálogo degringolou…
Parei neste trecho, fechei o livro e fiquei pensando por que alguém ser chamado de ambicioso é ofensivo. Não resta dúvida que, no senso comum, este adjetivo tem um sentido insultante. Mas até que ponto ser ambicioso é algo depreciativo?
Se a ambição, como consta em muitos dicionários, pode também ser entendida como uma aspiração, um desejo firme e veemente de alcançar ou realizar um objetivo, me parece ser muito mais uma virtude que um pecado. Salvo, é claro, se o objetivo for condenável, ou se forem usados meios inescrupulosos para o alcançar, ou ambos. Mas aí são as distorções que podem transformar qualquer qualidade em defeito.
É como, por exemplo, a ambição de obter bens e riquezas de modo exacerbado, incessante, insaciável e por quaisquer meios: isto deveria ser chamado pelo seu nome próprio: ganância!
Quase escrevi ao autor do tal livro sugerindo uma revisão para trocar o adjetivo…
Acho que no uso corriqueiro acabamos confundindo ambição com ganância e atribuindo uma conotação ruim para aquilo que é bom. Vou além: acho que a ambição chega a ser essencial. O que de mais legítimo pode haver que ambicionar, por exemplo, a sabedoria, a liberdade, o sucesso profissional, a saúde plena, a construção de uma família feliz e, por que não, os bens necessários para uma vida digna, confortável e realizadora.
De fato, nada conseguimos construir sem que previamente tenhamos ambicionado. Gosto de uma frase atribuída à Madre Teresa de Calcutá, aquela que tinha a ambição de servir aos pobres e acabou por ganhar o prêmio Nobel da Paz: “o primeiro passo para conseguir algo é desejá-lo”. Parece óbvio, mas é fato que sem o desejo obstinado, sem a ambição, nada se consegue construir.
Certa vez no trabalho, consultei um diretor sobre o motivo da demissão de um colega e ele respondeu:
— Estava estagnado. Demos várias oportunidades, sem resultados. É possível pisar no freio para conter um ambicioso, mas é infrutífero tentar acelerar alguém sem ambição…
Como aquele colega precisava ser chamado de ambicioso…
Muito se fala sobre o grande valor da perseverança. Até se acredita que as pessoas se destacam não pela força, mas pela persistência. Porém, acho provável que a perseverança só exista na presença da ambição. Sim, porque quem não está a caminho de algo maior, pelo qual anseia verdadeiramente, tende a desviar-se ou desistir diante dos obstáculos. A ambição sustenta a perseverança.
Algum tempo depois destas reflexões, fui a um ótimo restaurante, onde almoçava frequentemente no centro do Rio de Janeiro. Pela habitualidade, ao longo do tempo acabei conhecendo o maître, que era também um dos donos do estabelecimento. Ele sempre vinha até a minha mesa para as boas-vindas e uma conversa interessante, que me fazia admirá-lo cada vez mais. Tinha orgulho da boa imagem do restaurante e de contar com muitos clientes habituais.
Certa ocasião me contou que sua rotina era chegar todos os dias ao restaurante às 5 da manhã, para receber os produtos e começar a organizar a cozinha e os pratos a serem servidos. Num determinado dia, chegou à sua porta um sujeito vendendo carne de frango à um preço muito atrativo. Ele pegou a embalagem, examinou o conteúdo e ao buscar a data de validade notou que o produto estava vencido há uns 15 dias:
— Meu amigo, este frango não presta mais. Está fora do prazo de validade.
— Eu sei. Por isto estou vendendo pela metade do preço.
Ele não comprou. Era ambicioso, mas não ganancioso. Porém, me disse achar provável que alguém nas imediações tenha adquirido aquele frango. Claro, só dois gananciosos poderiam realizar aquele negócio.
A ambição e a ganância guardam grande distância entre si.
A ambição pode fazer decolar, a ganância só pode fazer rastejar.
Antonio Carlos Sarmento
Caro Antonio Carlos:
Realmente a “ganância” é um dos grandes males que assolam a nossa sociedade.
Sds. e parabéns pelo texto.
Carlos Vieira Reis
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Grato pelo comentário, meu caro amigo Carlos.
Desejo uma ótima semana!
Abraços
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Concordo com você que ambição e ganância são duas coisas bem diferentes. Mas, pelo uso, acabamos por transformá-las em sinônimos, puxando pela conotação mais negativa.
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Pedro,
Sim. O senso comum atribuiu a conotação negativa e nivelou as duas palavras.
Grato pelo comentário.
Abraços e boa semana!
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Sem dúvida precisamos perder o constrangimento dessa palavra e encara-la como uma característica positiva para nos impulsionar a viver melhor.
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Valeu Fefe!
A ambição por coisas boas e nobres pode representar um caminho para vivermos melhor.
Obrigado por comentar.
Bjks
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Pura verdade: quem não tem ambição não tem objetivos a serem alcançados, portanto, não vive, deixa a vida passar por ele. Saudades! Beijão!
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Amiga Lucia,
Precisamos mesmo de objetivos de vida e não o simples “deixa a vida me levar…”
Saudades também!
Beijão.
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Você tem absoluta razão. Os homens criaram tantas palavras que confundiram seu significado. Em alguns lugares chamar alguem de ignorante é o mesmo que chama-lo de grosseiro, agressivo. Na realidade somos ignorantes naquilo que nao dominamos. Um grande amigo me dizia que a fala não é um dom de Deus pq ela permite esconder o pensamento… “se non e vero e benne trovato”. Bom domingo, obrigado e Deus os abençoe.
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Caro amigo Luigi,
Realmente a palavra “ignorante” também assumiu uma conotação depreciativa no senso comum.
Sua reflexão enriqueceu o tema da crônica.
Muito obrigado, amigo. Desejo uma ótima semana!
Grande abraço!
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Que espetáculo Cau!!!
Ótima reflexão nos traz essa diferença entre as palavras ,vestindo a palavra “ambição ” do seu sentido positivo!Tudo que exacerba é nocivo!!
Afinal :”Que diferença faz se você não faz a diferença? ”
Adorei…..
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Obrigado minha irmã,
Seus comentários sempre ilustram a crônica e acrescentam mais alguma reflexão.
Obrigado pelo comentário!
Bjks e uma maravilhosa semana.
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Muito bem definida e explicada a diferença entre ambição e ganância, assim como o comentário sobre o fato deturpar o significado de ignorante e grosseiro
Muito interessante . Parabéns!!!
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Valeu meu irmão Alfredo!
Fico contente que tenha apreciado a crônica e lido até os comentários.
Grande abraço e obrigado por comentar!
Desejo uma ótima semana!
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Desculpe, amigo, mas tenho entendimento diferente. Considero “ambição” um termo, ou uma qualidade absolutamente negativa. Creio que desejar é válido, mas ambicionar é negativo. Dá a impressão de que na ambição vale tudo. Mas não sou dono da verdade.
Forte abraço.
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Querido amigo Roberto,
Não há o que desculpar: a diversidade de opiniões é uma riqueza!
Agradeço muito ao amigo, cuja opinião para mim é importante e respeitável.
Um grande abraço e uma ótima semana para você, Aidê e toda a família.
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Excelentes reflexões meu Irmão!
A ambição é desejo fortificante que impulsiona com determinação e disciplina, já a ganância é mesquinha…
Como você bem disse, um faz decolar e o outro rastejar!
Ótimo domingo. Beijo carinhoso.
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Minha querida irmã,
Muito obrigado pelo interessante comentário.
Uma ótima semana para vocês e um beijo igualmente carinhoso!
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Caro Amigo, Muito boa tarde, Como de costume, destaco uma frase, um termo, que me chama atenção em suas crônicas, desta feita foi a última frase do 5º parágrafo: “Mas aí são as distorções que podem transformar qualquer qualidade em defeito”. Esta é uma verdade que poucos se dão conta, tenho compreendido que na origem, todo o pensamento é bom, contudo, em razão de distorções, se transforma em algo ruim . . . Recomendações à Sônia e demais familiares.
Livre de vírus. http://www.avast.com .
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Muito obrigado meu caro amigo JH,
Seus destaques são sempre aguardados por mim.
Obrigado pelo comentário!
Um grande abraço e uma maravilhosa semana.
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Já dizia tio Delson, um homem sem ambição não presta pra nada.
O excesso, até de água, faz mal.
A crônica soube explanar com maestria a diferença e também nos levar a um entendimento melhor dos conceitos.
Um abraço primo lusitano!
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Caro primo Rômulo,
Muito obrigado pelo seu comentário. Boa lembrança de Delson!
Saudações lusitanas!
Grande abraço e uma ótima semana para todos aí!
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Ei Cacau!
Penso que você foi muito bondoso com a palavra ambição- as primeiras definições que temos nos dicionários se referem a desejo desmedido de poder, gloria, riqueza ( alguns mencionam até ganância). Outras citam desejo de alcançar a todo custo , ou ainda cobiça e, uma última opção, e pouco citada , aparece como significando vontade – essa idéia de desejo que nos impulsiona a construir.
Sua crônica discorreu em cima desse ultimo e mais raro conceito. As ambições que você enumerou soam melhor na própria expressão que criou : ansiar verdadeiramente.
Nao me arrisco a usar a palavra ambição quando me refiro a sentimentos ou adjetivos nobres. Sugerem uma conotação depreciativa.
Suas colocações, porém, são pertinentes – nós, brasileiros , é que
” brincamos” de tal forma com as palavras a ponto de incorporar um novo entendimento ao seu significado.
Sobre isso, um fato pitoresco : quando Bianca nasceu , eu mostrava o nenem a Rossana, com 3 anos, e dizia: olha que narizinho gostoso, olha que bochechinha gostosa ! Um dia, Rossana subiu na grade do berço e mordeu Bia. Na hora, corrigi. Depois entendi: como gostoso era o que ela comia, quis sentir o gosto do nenem. Logo me arrependi da palmada que dei.
Carinhoso abraço.
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Querida prima Gena,
Muito interessante suas colocações. E agradeço a sua sinceridade ao expor realmente o que pensa.
Esta diversidade nos enriquece, como eu disse a um amigo que comentou esta mesma crônica.
A história da Rossana e Bianca é ótima!!!
Obrigado pelo comentário e desejo um dia muito feliz!
Um abraço afetuoso!
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É, Antonio Carlos,
Essa me faz acreditar o que o sou e pretendo ser.
Muito muito obrigada.
Quando terminei de ler e fui além dos comentários, percebi a grande importância de nos reinventarmos sobre os “conceitos originais”.
Ambição e ganância já foram exploradas na crônica e “nas sub-crônicas: comentários”. Sensacional!!!
Já o defeito…
… me fez lembrar do saudoso chefe Peter Gasper (in memoria), certa vez desenhou um projeto de luz para a arquiteta Janete Costa (In Memoria), Peter foi corrigir a luz afinando e suavizando as sombras no qual entendia que era um grande defeito. Quando Janete chegou para supervisionar a obra, ficou triste…
… Peter perguntou o que havia acontecido.
… Janete respondeu: você tirou o meu “bordado de luz”!!!
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Oi Ludmila,
Eu que agradeço seu comentário e fico contente que tenha apreciado a leitura.
Um abraço saudoso!
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