É lugar comum dizer que a única certeza que temos nesta vida é a da morte. Talvez seja verdade, pois a vida é mesmo muito incerta. Na realidade, até a morte é carregada de incertezas: não sabemos quando nem como irá ocorrer e muito menos se a eternidade a sucederá.
A questão é que desejamos viver em liberdade, mas muitas vezes tememos ou lutamos contra as incertezas, sem perceber que estas decorrem exatamente do fato de sermos livres. Liberdade e certeza sentam numa gangorra: quando uma sobe a outra desce.
Às vezes convivemos tão mal com algumas incertezas em nossa vida que elas acabam nos consumindo mais que as próprias batalhas da vida. Sofremos em busca de uma segurança utópica, ansiando por certezas inatingíveis.
Podemos até chegar a abrir mão de grande parte de nossa liberdade em busca de uma vida regrada, previsível e mais recheada de certezas. É quase como optar por viver numa jaula, local onde moram mais certezas. Abdicar da liberdade em busca da segurança pode nos deixar sem ambas…
Melhor pensar que a arte da vida está em desfrutar das maravilhas da liberdade e conviver com as incertezas com as quais ela decora nossa vida. Gosto muito de uma frase de Oscar Wilde sobre o assunto:
É a incerteza que nos fascina. Tudo é maravilhoso entre brumas.
Feito este breve passeio, passo a contar um caso em que uma certeza absoluta é a protagonista.
A passagem ocorreu com um amigo, que junto com outros 17 colegas, ingressaram com uma ação trabalhista contra a empresa na qual trabalhavam. Durante um período o grupo havia trabalhado em regime de horas extras habituais, porém a empresa subitamente proibiu a prática, causando assim uma redução de seus ganhos salariais ao final de cada mês.
Foram então convencidos por um advogado de que a empresa, ao suprimir as horas extras, deveria incorporar a média daquelas horas extras aos respectivos salários.
A ação levou exatos 7 anos. O grupo já quase havia esquecido do assunto, quando o advogado entrou em contato para informar que haviam vencido.
— Tem certeza? — indagaram ao advogado.
— Absoluta!
A sentença, em caráter final e irrevogável, havia sido favorável a eles. Agora faltavam apenas os cálculos dos valores individualizados.
A partir da notícia, passaram a fazer muitas contas e planos. Embrenharam-se nos comprovantes de salários pagos e aventuraram-se em cálculos estimativos, chegando a valores espetaculares. Claro, qualquer valor multiplicado por 84 meses vira uma pequena fortuna.
Este meu amigo, ainda desconfiado, achando bom demais para ser verdade, decidiu ligar para o advogado:
— Você tem certeza que vamos receber?
— Absoluta! A decisão manda a empresa pagar. Já transitou em julgado e a empresa não tem como escapar. É só uma questão de tempo para fazer os cálculos e executar.
Com a certeza da vitória marcaram um almoço para comemorar. Reservaram uma mesa de 18 lugares numa churrascaria e lá se reuniram, cada qual com sua papelada embaixo do braço.
O almoço foi uma euforia. Mais do que comer, ficaram a olhar uns as contas dos outros, fazendo comentários e correções, alegando razões como se peritos fossem e deliciando-se com o fato de que, mesmo nos cálculos mais conservadores, os valores eram estonteantes.
A cada cerveja o arrebatamento crescia. Brindavam e trocavam planos de utilização da dinheirama, uns comprando automóveis, outros liquidando dívidas da casa, outros ainda planejando viagens. Houve até quem desejasse passar à invejável categoria de investidor financeiro.
Deixaram o restaurante quando já era noite e prosseguiram pela rua nos intermináveis comentários e detalhes que o delicioso tema proporcionava. Era um dia que deveria durar para sempre!
A empresa, derrotada pela inexorável sentença, não tinha alternativa. De modo a preparar-se financeiramente para, em futuro breve, arcar com a determinação judicial, encaminhou o grosso processo à um perito de sua confiança para fazer os cálculos.
Cerca de 10 dias depois o perito foi pessoalmente levar os resultados à empresa. O valor correspondente a cada um, calculado criteriosa e detalhadamente, era exatamente o mesmo para todos eles: ZERO!
A sentença dava ganho de causa aos empregados, porém estabelecia que o pagamento era devido sobre a média das horas extras que excedesse 50% do salário, caso inexistente entre os 18 demandantes. Ninguém até então havia feito esta conta…
Foi o chamado ganhou, mas não levou. Os carros não foram comprados, as casas não foram quitadas, as viagens não se realizaram e ninguém virou investidor. A única certeza foi a decepção.
Meu amigo me telefonou para contar esta história. Disse que, depois do que passou, considerava uma certeza frustrada pior que qualquer incerteza.
E terminou com uma frase lapidar:
Nada é mais incerto que uma certeza absoluta!
Antonio Carlos Sarmento
Quando nascemos temos duas certezas uma morte, a outra são os desafios. Foi o que você demonstrou na sua crônica, e cada um os enfrenta do modo que acha que deve, mas a prudência e o modo de agir vem juntas durante a vida, em ambos os casos.
Como de costume, ótima crônica.
Bjs
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Amigo Chico,
Bem complementado.
Obrigado por sempre acompanhar e comentar as crônicas.
Grande abraço!
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Agora é trabalhar pra poder bancar os sonhos frustrados…
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Pedro,
Isso mesmo. E trabalhar sem a certeza de que os sonhos poderão mesmo ser realizados.
Lembrei do futebol, onde o resultado é sempre incerto, pois nem sempre o melhor vence (o que é muito mais provável no basquete ou no tênis, por exemplo). Talvez daí venha a emoção que tornou o futebol o esporte mais popular do mundo.
Grato pelo comentário.
Abraços!
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Prezado Antonio Carlos:
Com faço todos os domingos, antes de ler meu jornal, me dediquei a fazê-lo em relação à sua prestigiosa coluna.
Desta vez lhe afirmo, por experiência própria, que, no judiciário, as certezas são absolutamente relativas e as incertezas, mais ainda.
Sds.
Carlos Vieira Reis
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Caro amigo Carlos,
Aguardava ansioso seu comentário de especialista no Direito.
Pelo visto, no Judiciário, é melhor nem cogitar de certezas: tudo é relativo e sujeito à chamada interpretação…
Obrigado por comentar, meu amigo.
Tenha uma excelente semana!
Grande abraço!
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Querido amigo.
Mais uma crônica bela e surpreendente.
Um tema polêmico quanto se fala de certeza e liberdade.
No meu caso nunca fui um devoto ferrenho da certeza. Não sei se isso gerou em mim alguma descrença principalmente do comportamento humano.
No caso da sua história até mesmo o desfecho de uma sentença julgada.
Mas lhe asseguro que sempre me senti livre para decidir mesmo desconfiando das certezas e principalmente as fitas absolutas…
Mas hoje no Dia das Mães por incrível coincidência somos brindados com essa crônica que exemplifica uma certeza incontestável, o ilimitado amor das Mães por seus filhos.
Desculpe me alongar mas esse tema só com uma garrafa de um bom vinho. Abrs.
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Amigo Nei,
Agradeço muito seu comentário e fico aguardando o convite para a tal garrafa do bom vinho.
Gostei muito de você ter incluído o adjetivo “bom”. Mas fico preocupado, pensando que é meio incerto, pois depende do gosto de cada um…
Grande abraço meu querido amigo e um beijo na santa Jaciara!
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Muito boa, como sempre. Certeza mesmo, só da morte que virá num dia incerto e das grandes amizades como a que nós construímos. Beijão especial pra Sônia no dia de hoje. Beijo grande!
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Lucia,
Adorei a certeza da grande amizade que construímos. Está aí uma exceção da incerteza!
Obrigado por comentar.
Beijos e uma ótima semana!
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Excelente crônica! Mas hoje o que eu gostaria é de mandar um feliz e abençoado dia das mães as nossas que aqui estão, as que ja foram pra perto de Deus e nossas esposas, filhas e noras, que honraram e honram essa palavra sagrada que representa ser mãe. Bom domingo e boa semana meu amigo.
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Caro amigo Luigi,
Você tem razão. Talvez até fosse melhor ter deixado este domingo exclusivamente para as mães, mas não posso perder o ritmo…
Minha mãe já não está aqui, mas me emociono ao lembrar dela e muitas vezes ainda gostaria de seu colo, em momentos mais difíceis.
Obrigado por comentar.
Desejo uma maravilhosa semana a você e sua família!
Abraços.
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Bom dia primo.
Certeza x liberdade e os desafios da vida, um tema de cunho até ideológico que certamente suscita discussões acaloradas.
Queremos, acho que sem excessão, desfrutar de ambas ou seja, desfrutar do melhor dos dois mundos, na maioria da vezes antagônicos.
Em relação a morte como a única certeza da vida, existe uma outra lei universal que engloba esta como apenas um caso particular: A única certeza da vida é a mudança!
Tudo muda a todo instante.
Abraços e uma boa semana.
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Caro Rômulo,
Seu comentário me fez lembrar Lulu Santos: ” Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia.”
Obrigado pelo comentário.
Uma maravilhosa semana por aí, primo!
Grande abraço!
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É bom cultivar a certeza da fé, mas o resto realmente é complicado.
Pelo menos eles não gastaram por conta…
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Mãe do Marcos Antonio,
Ainda arranjou tempo para ler a crônica no seu primeiro dia das mães!
É muito prestígio para mim.
Obrigado, queridinha.
Um beijo e ótima semana apara vocês!
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Prezado Amigo, Muito boa tarde, Da crônica de hoje, fico com a “sentença” final, que não é de sua autoria, mas vale mesmo assim: *Nada é mais incerto que uma certeza absoluta!* Mais uma vez, parabéns!!! Recomendações às mamães Sônia e Tatiana pelo dia de ontem, e ao Gui e ao Jean.
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Valeu JH!
A frase não é minha mas é do meu personagem, não é? Então está valendo, como você disse.
Muito obrigado pelo comentário, meu amigo.
Lembranças à Sueli pelo dia de ontem e um grande abraço à vocês!
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Querido cronista
Quando era mais nova, tinha mais confiança. Mas a maturidade me convenceu da insegurança, da perplexidade dos fatos e das expectativas.
Hoje , posso afirmar que tenho uma certeza inabalavel- a “de coisas que se esperam , a convicção de fatos que não se vêem” – a fé. Sem nenhuma hesitação.
No mais, tudo são dúvidas.
Estou enganada ou essa crônica está menos recheada de bom humor?
Beijo
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Querida prima,
Sei bem da certeza de sua fé. É uma dádiva de Deus para a sua vida!
Em homenagem ao seu comentário a próxima crônica será sobre o bom humor, ok?
Desculpe a falha… hahahaha
Beijos
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Excelente! Sua crônica traz à superfície a nossa vida mesma: estamos sempre à mercê do imponderável!
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Ana,
Isso mesmo. Saber conviver com a incerteza faz parte da arte de viver.
Muito obrigado por comentar.
Abraços!
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