INTERESSANTE

Há cerca de 5 anos, fui com minha mãe abrir uma conta corrente num grande banco, em Copacabana. Ela precisava ser titular de conta bancária para receber a parte em dinheiro da herança de meu pai. Como os valores a serem herdados já estavam no tal banco, concluí que melhor seria abrir ali mesmo uma nova conta, imaginando que assim tudo seria facilitado. Este foi o critério de escolha.

Aos 87 anos, ela não teria condições de administrar seus recursos e assim combinamos de abrir uma conta conjunta, ficando ela apenas com a responsabilidade de assinar os documentos iniciais. Todas as demais providências e as movimentações posteriores da conta ficariam ao meu encargo. Aquela confiança de mãe para filho.

Na chegada ao banco, nos identificamos pela conta do meu pai e logo fomos conduzidos a uma sala privativa, com cadeiras confortáveis, música ambiente e um pequeno balcão com cafezinhos e água gelada.

Logo chegou a gerente. Vamos chamá-la de Marcela. Entrou derramando gentilezas e sorrisos. Mostrou-se extremamente gentil e prestativa, reunindo os documentos de forma organizada e ela mesma preenchendo muitos dos campos para facilitar. Em menos de meia hora a conta estava aberta!

Marcela teve tanto carinho com minha mãe que tive vontade de convidá-la para ser cuidadora dela… Seria ótimo. E impossível, claro. Soube depois que ela também tinha uma mãe idosa e daí pode ter vindo uma identificação, assim como entre mães de bebês.

Fiquei impressionado com este primeiro contato com o banco. Cheguei a comparar com o serviço daquele onde tenho conta e pensei:

— Banco interessante!

Daí em diante o atendimento manteve-se em alto padrão. Marcela parecia se antecipar às solicitações e resolvia todos as demandas. Tudo naquele banco era rápido e preciso. Ela mesmo providenciou as transferências de recursos de uma conta para outra, encerrou a conta de meu pai e sugeriu aplicações. Acertei na escolha!

Marcela telefonava com frequência para explicar o andamento dos assuntos, enviava extratos e documentos por e-mail e transmitia informações importantes, tudo com muita eficiência e cortesia, nitidamente acima do padrão ao qual eu estava acostumado. Ao final do primeiro mês eu estava muito satisfeito. Voltei a pensar:

— Banco interessante!

Por telefone, Marcela atendia na hora. Presencialmente, era sempre pouca espera, muita atenção e providências ágeis. Quando não estava, logo vinha um outro gerente para acolher as solicitações e resolver. Parecia um banco dentro do outro: tinham lá um banco de reservas cheio de craques, como um grande time de futebol.

Passado algum tempo, Marcela me telefonou para informar que sairia de férias por uns 20 dias para uma viagem com a mãe — a dela e não a minha, como cheguei a pensar… No período, seria substituída por outro gerente, ao qual já havia passado todos os detalhes sobre a conta de modo a assegurar uma perfeita continuidade do atendimento. E foi o que realmente ocorreu.

A esta altura eu já cogitava passar minha conta pessoal para este banco. Cada vez mais me vinha ao pensamento:

— Banco interessante! Muito interessante!

Após um ano e meio da abertura da conta minha mãe faleceu. Interrompi então as movimentações e passamos às providências do inventário. Uns 30 dias depois, concluído o processo de transferência dos recursos, a conta ficou zerada e compareci ao banco para finalizar as providências.

Na recepção, identifiquei-me como de hábito:

— Bom dia. Vim falar com a Marcela.

A moça teclou os dados da conta e indagou:

— Qual é o assunto?

Surpreendi-me. O assunto era com a gerente. Eu nunca havia dado qualquer explicação prévia. Mas resolvi conter-me:

— É só com ela, por favor. Pode chamá-la?

— Senhor, o seu atendimento agora não é mais aqui. Tudo que precisar pode resolver na sobreloja — disse, apontando a longa escadaria que eu já havia visto, mas nunca havia subido.

Fiquei perplexo. Só podia haver algum engano. Irresignado, peguei o celular para ligar para Marcela, sempre tão atenciosa e educada. Mas logo a recepcionista interveio:

— Senhor, não é permitido o uso de celular aqui.

Aquele foi o momento que caí em mim. A ilusão acabou.

Só me restou subir as escadas e enfrentar a fila do atendimento. Levei mais de uma hora e meia para encerrar a conta.

Saí de lá constrangido com minha própria ingenuidade. Eu havia errado de adjetivo: o banco não era interessante, mas interesseiro!

 

Antonio Carlos Sarmento

24 comentários em “INTERESSANTE”

  1. Liberté, Egalité, Fraternité, são os lemas da revolução francesa e que até hoje boa parte da humanidade busca sem sucesso.
    E o insucesso vem por conta de não sabermos lidar com o dinheiro e o poder, diferenciando todos sem exceção.
    Acho até que apesar do sonho, a humanidade não acredita muito nele não, ocasionando essas distorções que presenciamos no dia a dia de nossas vidas.
    Um abração e um domingo em família.

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  2. Caro Amigo, Muito bom dia, Infelizmente, essa é uma dura realidade, em alguns estabelecimentos . . . Recomendações à Sônia e demais familiares.

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  3. É uma dura realidade.
    E, infelizmente, não acontece somente em bancos ou em outras instituições, acontece até no modo com amigos e parentes.
    O acolhimento é diferente de acordo com da situação vivida no momento .
    Quando você tem problemas, ou passa alguma dificuldade, ou contraria o “interesseiro”.
    Você passa a ter “doença contagiosa”, querem você longe.
    São poucos os que acolhem do mesmo modo.
    Muito boa crônica e me trouxe a memória os momentos que passei quando perdemos a nossa indústria.
    As crônicas estão cada vez melhores.
    Beijo Cacau!

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    1. Amigo Chico,
      Seu comentário amplia um pouco mais a reflexão sobre estas duas palavras tão parecidas, mas absolutamente diferentes em seus significados. O interessante e o interesseiro sempre estão presentes em nossa vida: cabe a nós discernir.
      Obrigado por sempre acompanhar e comentar as crônicas.
      Beijos

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  4. Prezado Antonio Carlos:
    Está provado que a qualidade do atendimento dos bancos, depende do saldo que você mantiver em conta . . .
    A quase totalidade dos gerentes bancários dão prioridade às contas que lhes trazem “reciprocidades”, sem se preocupar com a satisfação dos clientes, que, para eles, são apenas o veículo para manter seus empregos.
    A partir do momento que foi retirado tudo que tinha na conta correntes, você deixou de se um cliente “interessante”, passou a ser mais um na lista dos intermináveis insatisfeitos.
    Tenho conta há 40 anos numa agência de um determinado banco. Me tratam muito bem, porque, por enquanto, estou lhes dando “reciprocidades”, depois, serei mais um …
    Sds.
    Do seu assíduo leitor,
    Carlos Vieira Reis

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    1. Caro Carlos,
      Você tem razão. Olham o saldo mas não veem a pessoa por trás da conta corrente.
      Triste realidade, mas é bom termos consciência disso, como você apontou no final do seu comentário.
      Grande abraço meu assíduo leitor!

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  5. Papai, que era imigrante, tinha uma máxima que me dizia e que guardei. Nunca procure um gerente de banco pra pedir para abrir uma conta. Segundo ele, você estará pendindo a ele o “favor” de guardar seu dinheiro. Sempre aguarde que ele te ofereça uma conta. Ai voce se faz dificil e ganha vantagens do banco… Lógica de imigrante. Nunca questionei. Sempre agi assim… kkkkk Bom domingo e que Deus abençoe sua semana, voce e sua família.

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    1. Triste realidade querido amigo.
      Imagino a sua frustração quando olhou aquela escadaria destinada aos “duros”.
      É o comportamento do sistema capitalista…. Não quero envolver política nem ideologia na história mas como você bem falou é o interesse prevalecendo sobre o que era tão interessante da Marcela.
      Parabéns pela crônica interessante e no meu comentário não vai nenhum interesse…. Abrs em todos.

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      1. Amigo Nei,
        Seu comentário bem humorado é sempre aguardado com expectativa. E sem nenhum outro interesse…
        Um leitor no Facebook disse que até a metade da crônica estava se apaixonando pela Marcela. Respondi: eu também!! E rimos muito.
        Obrigado por comentar, meu querido amigo.
        Uma boa semana e manda um beijo pra Jaciara.

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    2. Caro Luigi,
      Foi assim com seu pai, é assim com você e será assim com seus filhos, netos, etc…
      Curioso com aproveitamos a sabedoria de nossos pais. Parece que não, mas a todo momento estamos agindo de acordo com estes ensinamentos, não acha?
      Um forte abraço e uma maravilhosa semana para você e sua família!

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  6. É a triste realidade de milhões de brasileiros: manter investimentos nos bancos, usar terno habitualmente e outras coisas mais fazem uma enorme diferença.
    É o ser humano preconceituoso e interesseiro, infelizmente.
    Abraços.

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  7. É decepcionante mesmo, numa sociedade capitalista o dinheiro erroneamente se torna o passaporte para o bom tratamento , gentilezas e até respeito pelas pessoas… Que tristeza!!!
    Mas os sensíveis e humanos estão atentos para transpor essa injustiça, assim como nossa MÃE nos ensinou, não é meu irmão!!!

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  8. Meu primo, ainda estávamos embalados pelo sentimento confortante do amigo verdadeiro, discorrido na crônica passada, quando fomos surpreendidos por esse individualismo presente não só nas empresas mas também nas pessoas.
    Ha um pensamento atribuido a Benjamin Franklin que diz: ” O falso amigo e a sombra só nos acompanham quando o sol brilha”.
    Melhor mesmo é que os interesseiros se afastem. Precisamos de relacionamentos saudáveis e fiéis, calorosos e receptivos.
    Pensar que existem pessoas interesseiras até diante do Criador: O buscam não pelo que Ele é, mas pela necessidade de milagres e soluções.
    Para abrandar sua frustação, o meu abraço afetuoso e sinceramente amigo.

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    1. Querida prima Gena,
      Não havia percebido o contraste entre as crônicas que você revelou no comentário. Isso mesmo! Talvez tenha sido uma escolha inconsciente…
      Pena que eu não conhecia esta frase do Benjamin Franklin, que é brilhante.
      Sua observação sobre a nossa relação com Deus também merece uma profunda reflexão.
      Obrigado, prima! Seu abraço afetuoso abranda e muito a frustração da inevitável convivência com os interesseiros.
      Beijos e uma ótima semana junto à sua amada família!

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