O MERGULHO

Eu me lembro do dia em que descobri que estava envelhecendo.

Sim, porque a gente vai ficando velho sem sentir, sem um marco definido, sem uma festa para comemorar ou um velório para lamentar. Acontece de uma forma sub-reptícia, eu diria até meio furtiva ou fraudulenta. É praticamente um embuste.

Mas vamos ao caso: eu tinha uns 60 anos e fui fazer um passeio com minha mulher à cidade de Bonito no Mato Grosso do Sul. Percorríamos uma trilha em meio à natureza que ia beirando um rio calmo de águas transparentes, como é tão comum na belíssima região.

Num determinado trecho, a trilha se elevava e chegamos então a um ponto em que havia uma rampa para mergulho. Coisa precária, sem placas ou informações oficiais. Ali uma fila de jovens se formava. Eles alegremente saltavam, um por vez, fazendo piruetas e voltando correndo para um novo mergulho.

Nem pestanejei. Desprezei o fato de ser uns 30 ou 40 anos mais velho que aqueles rapazes e entrei na fila. Minha mulher, muito mais sábia, cautelosa e consciente de suas limitações nem cogitou me seguir.

Aguardando ali, eu me preparava para quando chegasse a minha vez. Logo decidi que pularia de pé, pernas fechadas e mãos coladas nas coxas, corpo rígido e bem reto. Ia observando também cada mergulho dos rapazes em busca de aprimorar meu plano, mas eles eram arrojados demais. Uns pulavam de cabeça, outros atiravam-se aos ares como aqualoucos, fazendo piruetas. Resolvido a fazer um mergulho de baixo risco, decidi que seria bem discreto e comportado.

Quando chegou a minha vez, parei na beirada, olhei para baixo e achei bem mais alto do que imaginava. Mas recuar seria ridículo. Engoli o receio, lancei mão da pequena reserva de coragem que me restava e atirei-me da forma planejada: retesado e estirado como um cadáver.

Achei que o contato com a água demorou muito a chegar…

Talvez aí eu tenha perdido um pouco a concentração e alterado a posição correta. Só sei que ao bater na superfície e imergir na água, senti o impacto da altura excessiva.

Foi como misturar as peças de um quebra-cabeça: os órgãos se desorganizaram, as articulações se desarticularam, os membros se desmembraram e os nervos se enervaram.

Eu já não sabia o que era pé ou cabeça, onde estava o fígado, se nos braços havia mãos, quantos pés restavam, onde eu estava ou para onde ia. Minha cabeça descia como um saca rolha, dando voltas, perdida e tonta.

Fui em direção ao fundo perdendo velocidade aos poucos, ainda completamente atarantado.

Logo que pude nadei desesperadamente para voltar à tona, pois o fôlego já se exauria. Na água doce é mais difícil nadar, porém, com grande esforço aflorei à superfície, ainda desnorteado e ofegante.

Permaneci ali, flutuando, me acalmando e principalmente me arrependendo.

Aos poucos fui juntando os cacos e remontando o quebra-cabeça. Em uns 5 minutos, saí da água e encontrei minha mulher, que logo fez a pergunta que eu temia:

— E aí? Foi legal?

Minha resposta foi em tom aborrecido:

— Não sei porque só definem faixa etária para menores de idade. Aqui tinha que ter uma placa: proibido para maiores de 60 anos!

Deste dia em diante tomei consciência de que o envelhecer vai trazendo crescentes limitações. A gente sabe, mas uma coisa é saber, outra é sentir. Continuei pela trilha pensando que mergulhei no envelhecimento e de lá nunca mais vou emergir…

Percebi que estar atento às restrições que surgem com o passar dos anos, respeitá-las e, mais que tudo, aprender a conviver com elas, é o grande desafio. Claro, pois o pior a fazer é ficar colocando ênfase nestas dificuldades, engrandecendo-as e reclamando delas. Isto é como construir um muro de lamentações, alto e intransponível, e ficar do lado de lá, sem vida e sem alegria. Aí não é envelhecer, é estar velho, coisas bem diferentes.

Ganhei ânimo ao pensar que, se não posso mais pular daquela altura, ainda posso pular de uma altura menor e mesmo assim dar um maravilhoso mergulho. É como uma pescaria: se eu até então pescava de rede, agora vou pescar de caniço, mas continuo pescador.

Já decidi: eu pretendo não ficar velho, quero apenas envelhecer! Nada mais.

Como um lema, adoto a frase da atriz italiana Anna Magnani:

Quando ficar velha não quero parecer mais jovem. Quero parecer mais feliz!

Antonio Carlos Sarmento

 

42 comentários em “O MERGULHO”

  1. Que linda crônica, realmente não podemos lutar contra biologicamente envelhecer, porém podemos optar em não ser velho.
    Eu agradeço muito a Deus de estar envelhecendo da forma que vem acontecendo, e isso me traz felicidade.
    E refletindo sobre seu desafio, se você se arriscou de mergulhar de uma grande altura é porque um dia foi jovem e ousado, e continua sendo ousado, porém a ousadia de hoje deve ser mais racional e daí acordamos.
    E acredito que isso seja a demonstração da maturidade, essa é a maturidade que éramos aconselhados a procurar quando mais jovens e talvez não entedessemos tanto, mas aí no mergulho está a explicação de medir as consequências.
    Cuidado garoto!
    Ih! Virou papo de velho rsrsrs
    Beijos

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    1. Chico,
      Muito legal seu comentário.
      Parece aquela coisa: quando jovem precisamos amadurecer, quando maduros precisamos rejuvenescer…
      No fundo precisamos sempre de sabedoria para bem viver.
      Muito obrigado por comentar, meu irmão!
      Uma ótima semana pra vocês!

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  2. Sarmento me desculpe mas eu ri muito com o teu mergulho. Uma vez ouvi uma frase que me parece verdadeira: “o problema na vida é que o cérebro para de envelhecer aos 35 anos, mas o corpo continua….”
    Grande semana e que Deus nos abençoe.

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    1. Amigo Luigi,
      Não há de que se desculpar. Pelo contrário, fico contente que tenha se divertido!
      Talvez a mente envelheça mais lentamente que o corpo, como diz a frase a que você se referiu…
      Um grande abraço e uma feliz semana por aí, meu amigo!

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  3. As últimas crônicas não comentei porque peguei uma gripe daquelas, sem COVID, graças a Deus, e não tinha disposição nem para escrever. Já estou bem.
    A sua crônica de hoje me fez pensar que estou velho e não envelhecendo. Vou refletir a respeito. Obrigado pela dica.
    Você é ousado mesmo e mostrou isso mais de uma vez em suas crônicas. Essa do mergulho foi demais. Eu estou fora meu amigo, sempre optei por algo de uma altura menor. Já estava observando até profundidade de piscina.
    Há que saudade dos velhos tempos!
    Hoje só se fala em vírus, bactérias, etc……
    Abraços e uma semana abençoada para todos.

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    1. Amigo Newton,
      Senti sua falta por aqui… Espero que esteja totalmente recuperado, meu amigo!
      Gostei muito de levar à você uma reflexão sobre o assunto. Este é sempre o meu objetivo: histórias leves e curtas para divertir e fazer pensar.
      Agradeço seu comentário sincero e autêntico!
      Grande abraço e uma excelente semana a você e Nuri. Saudades de vocês…

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  4. Prezado Antonio Carlos:
    Ainda bem que a sua experiência com o nado parece lhe ter ajudado bastante, na arriscada empreitada de inexperiente mergulhador !!!
    Sds. do amigo e fã,
    Carlos Vieira Reis

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    1. Caro amigo Carlos,
      Realmente a experiência foi arriscada e doída. Mas às vezes aprendemos mais com os erros que com os acertos, não é?
      Grato por comentar, meu amigo.
      Uma ótima semana à você e sua família!

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  5. Caro Amigo
    Sua frase perfeita “ Sim, porque a gente vai ficando velho sem sentir” me levou aos meus pensamentos embatucados!
    Atenção e olhos de águia 🦅 no texto.
    Confesso que acabou bem rápido. Curtinho para saciar a minha fome sobre a matéria.
    Bom, a minha conclusão é que você deve vir com o “II a Revanche “.
    Inclua, quando chegar este momento (não pode demorar, não preciso dizer porque 🤣), que a comparação, quando passamos dos 60, deve ser sempre com os da mesma faixa de idade para nos cuidarmos e não ficarmos pulando das alturas com a garotada 🤣

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    1. Caro Rodolpho,
      Vou adotar sua sugestão e haverá “A Revanche”.
      Na realidade do tema do envelhecimento é muito rico e proporciona inúmeras oportunidades de reflexão. Aguarde…
      Obrigado por comentar, meu amigo!

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  6. Antônio Carlos como todas as suas Crônicas essa também é maravilhosa.
    Resolvi fazer um comentário pois aconteceu comigo aceitar as limitações da idade.
    Os meus pensamentos são de uma mulher mais jovem.
    Consegui aceitar quando pensei, que nenhuma mulher da minha família completou 60 anos de idade.

    Estou no lucro.
    Abraços.

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    1. Regínia,
      Fico muito feliz com seu comentário.
      E percebo que você de fato aceitou limitações e vive bem com isso, transmitindo sempre muita paz e alegria.
      Muito obrigado pelo comentário!
      Fique com Deus e uma ótima semana!

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  7. Querido amigo Antonio Carlos, há muito tempo parei de somar a idade. Tenho dito que, atualmente, estou com 26 anos de idade e 56 de experiência. É como procuro me sentir, sem tentar peripécias com resultado duvidoso. Sinto-me em perfeito estado físico e muito agradeço a Deus pelo que tenho, pela família que consegui construir e pelos amigos que são a extensão da minha família e que procuro conservar. Mas, independente dessas considerações, a sua crônica é ótima, muito verdadeira e muito instrutiva.
    Receba um forte abraço.

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    1. Amigo Roberto,
      Fico contente que tenha apreciado a crônica.
      Felizmente você está muito bem e desejo que continue sempre assim, com muita saúde e desfrutando da convivência com a família e com os amigos que tanto valoriza.
      Uma excelente semana à você, Aidê e toda a família!

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  8. Muito boa, essa é das melhores. Eu não pesco e nem pescava. Eu corro só que com bem menos habilidade mas continuo de pé no asfalto das corridas de ruas.

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    1. Caro José Raimundo,
      Agradeço e fico contente que tenha gostado.
      Na realidade eu também não pesco, foi apenas uma analogia. E também não corro, mas faço caminhadas diárias.
      Obrigado por comentar e desejo uma ótima semana!

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  9. Assim mesmo meu irmão, as limitações vão chegando de mansinho e a gente entre um susto e outro vai tomando consciência da passagem do tempo!
    De qualquer forma é um privilégio viver todos os ciclos com as respectivas realidades e valorizar estar vivo!!!
    Como dizia Chico Anisio:
    “Não tenho medo de morrer, eu tenho pena “

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  10. Caro Amigo Sarmento, Muito boa noite, Maravilha!!! Não vamos esperar ficar “velhos” para parecermos felizes, sejamos felizes agora, aliás estamos sendo, penso eu . . . Recomendações à Sônia e demais familiares.

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  11. Amigão é isso mesmo! O cérebro diz que dá para fazer mas o corpo não obedece. Entretanto na minha atual idade de 76 anos ficou pensando que todas as vezes que não consigo fazer alguma coisa que os jovens fazem, lembro-me das palestras da Virgínia nos ECC’s, quando ela dizia que quando chegou na idade avançada olhava os jovens caminhando pelo calçadão da Av. Atlântica e ela de cadeira de rodas e sendo impossível para ela, pensava: “Agora não posso mais caminhar ali, mas um dia eu andei bastante naquele calçadão” ! Então hoje penso do mesmo jeito: “Um dia eu fiz isso” ! E hoje vou vivendo da saudade que “um dia eu fiz”! Abraços e fiquem com Deus.

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    1. Amigo Aylton,
      É muito prestígio para mim: no mesmo dia receber o comentário do casal de amigos tão queridos.
      Bem lembrada a lição da admirável Virgínia, que tantas vezes pudemos ouvir e nos maravilhar com a força, sabedoria e fé que demonstrava.
      Acrescento ainda que, quando vemos jovens fazendo algo que já não podemos, vale pensar que também podemos fazer coisas que eles não podem, não é mesmo? A vida fez trocas e temos cá os nossos privilégios também.
      Um grande abraço, meu amigo e uma semana abençoada!

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  12. Querido Cau,
    É assim mesmo, de repente nos surpreendemos com as limitações do nosso corpo, que mesmo estando sempre bem cuidado, temos que atentar e respeitá-lo nas restrições.
    Bjs e ótima semana.

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  13. Querido amigo.
    Mais uma bela e significativa crônica.
    Saber envelhecer é realmente uma incógnita. O real é que não devemos ficar triste por ficar velho pois esse privilégio é negado a muitos. Por isso é bom valorizar. O problema é que você ficou com vergonha de refugar no mergulho e em consequência passou por esse aperto todo. Felizmente terminou bem. Vá pescar de anzol que é bem melhor. Parabéns.

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    1. Querido amigo Nei,
      Muito obrigado por comentar. E com autoridade, pois está alguns anos à minha frente e nunca vejo tristeza em você, pelo contrário, sempre de bom humor e brincando.
      Vou seguir seu bom conselho: envernizar meu caniço, comprar um anzol novo e ficar na “minha praia”.
      Um beijo pra Jaciara e uma ótima semana para vocês!

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  14. Olá, amigo.
    Só hoje pude ler sua crônica, leve e muito boa, como sempre.
    Quando não percebemos algum sinal, a própria vida se encarrega de dar uma cutucada para ficarmos atentos e você sabe como funciona.
    Que modo agradável de colocar isso para seus leitores, que vêm em seus textos cores, beleza e sentem muitos sabores.
    Aguardo o próximo domingo.
    Uma boa semana para todos.

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  15. Querido primo,
    Realmente o corpo – e o espelho- refletem transformações. Mas isso se chama envelhecer?
    A mente continua a sonhar, a planejar, a vibrar; as emoções nos estremecem; a expectativa nos agita…
    Certa vez, falei para Adauto me avisar quando eu estivesse velha, porque eu não saberia. Ele me respondeu:
    ” Vou avisar, mas você não vai acreditar.”
    Meu querido havia entendido perfeitamente: autoestima e vivacidade são sinônimos de Sarmento .
    Superamos a fase de competir. Vamos apenas curtir, com animação!
    Beijos

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    1. Querida prima Gena,
      Este seu diálogo com Adauto daria uma ótima crônica sobre o mesmo assunto: adorei!.
      De fato é um alívio deixar de competir e apenas curtir a vida, com muita alegria e entusiasmo.
      Beijos e obrigado por comentar!

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  16. Adorei o mergulho, me fez rir demais. Concordo com a atriz italiana, quero parecer mais feliz. Pois é isso que importa na vida. Um abraço.

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