MEDITAÇÃO

Um amigo me aconselhou a praticar meditação. Seria o remédio milenar e sem contraindicações para acalmarmos um pouco os incessantes pensamentos que habitam a nossa mente o tempo todo e assim vivermos mais concentrados no aqui e agora. A chamada atenção plena.

Parece mesmo que passamos a maior parte do nosso tempo vivenciando o mundo através dos nossos pensamentos. É uma tagarelice sem fim da nossa mente que teima em nos confundir, agitar e nos retirar do presente. Um déficit de atenção ao que acontece devido à nossa hiperatividade mental. Ora desenterramos lembranças do passado, ora ficamos a fazer planos e conjecturas para um futuro próximo ou distante e assim acabamos por nos ausentar do que está acontecendo em cada momento.

Achei nexo nos argumentos e resolvi tentar praticar a tal meditação.

Meu amigo me orientou a sentar confortavelmente num local tranquilo, com as costas eretas, fechar os olhos, soltar os braços e pernas e, por pelo menos 10 minutos, focar apenas na respiração.

De início me pareceu fácil de descrever e aparentemente tranquilo de executar. Cheguei a duvidar se uma coisa tão simples assim teria um efeito positivo. Achei melhor acreditar no meu amigo e decidi fazer uma primeira tentativa, já sabendo que os resultados não seriam imediatos.

Logo após o café da manhã fui para a varanda do apartamento, marquei o tempo de 10 minutos e iniciei a experiência.

Com a melhor das intenções inspirei profundamente e expirei devagar, soltando o ar aos poucos, tentando me concentrar só naquele entra e sai. Na segunda inspiração eu já tinha feito duas viagens ao passado e três ao futuro.

A orientação do amigo era de que, se um pensamento surgisse, eu olhasse para ele como um outdoor numa estrada, deixando-o passar sem fixar a atenção. Tudo bem, amigo, mas não era um pensamento e sim um enxame deles. Como dirigir com tantos outdoors passando sem cessar? É estonteante.

Resolvi esquecer o mau começo e reiniciar do zero.

Uma nova inspiração, outra estrada. Desprezei os pensamentos e me concentrei na respiração. Mas ao expirar pela segunda vez, minha cabeça já estava de novo voando por aí. Acho que a imagem da estrada não me foi favorável. Deve ser porque detesto outdoors.

Pensei então em fazer a minha própria imagem da mente e escolhi algo bem simples: um ventilador, daqueles que giram para a esquerda e direita alternadamente. Imaginei que seria possível parar este movimento de vai e vem e pelo menos mantê-lo soprando numa só direção. Já seria um ganho. É vento de qualquer jeito, mas sem tanta dispersão. Depois eu iria diminuindo a velocidade da hélice até parar o ventilador. Um plano perfeito. Desculpe, amigo, lembrei que não é para fazer planos…

O tempo foi passando e o passeio do ventilador sequer se abalou. Os pensamentos ventavam e ocupavam o lugar da meditação. Em segundos já nem me lembrava que estava respirando.

Busquei voltar ao foco.

Vamos lá, atenção plena. Inspiração profunda, ventilador soprando só numa direção, sem dispersão. Expirar e em seguida inspirar. Mas logo uma sensação de calor me incomodava. Claro, quem mandou colocar o ventilador fixo? Também, em pleno verão, meditar teria que ser no ar-condicionado. Não sei por que lembrei do filme “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado”. Ai meu Deus. Já deve ter transcorrido mais de 5 minutos e nenhum momento de verdadeira meditação. Melhor esquecer o ventilador. O tempo passando, o vento ventando, o pensamento pensando…

Melhor recomeçar mais uma vez. Uma bicicleta. Sim, essa é uma boa imagem. Não se pode parar de pedalar, mas dá para ficar um tempo deslizando numa suave inclinação, desfrutando da brisa, sem se ocupar com nada. Assim seriam os meus minutos de meditação.

Inspira e se solta na ladeira pouco inclinada. Expira e desliza, sem se preocupar em pedalar. Isso. Vamos. É uma ótima bicicleta. Até parece a minha que está na garagem. Aliás, preciso sair para umas pedaladas. Vou chamar meu companheiro de passeios para sábado que vem. Essa não! Não durou nada. Duas respiradas e já estou pedalando de novo.

Melhor pensar num rio de águas calmas, com uma pequena correnteza que arrasta suavemente meu corpo e a paisagem vai desfilando. Sem outdoors.  Isso, mais um recomeço. Ah, o frescor e a beleza do ambiente natural. Inspiro e o rio vai correndo tranquilo. Expiro e me deixo levar. É isso. Deixa a vida me levar. É como dizia o Zeca Pagodinho. Faz tempo que não ouço nada dele. Também a minha caixa de som precisa de conserto. Pronto, a tagarela já me arrancou de novo da respiração. O rio não deu certo, o Rio de Janeiro também não. Com esses políticos…etc, etc, etc…

Toca o alarme. Decorreram os dez minutos.

Nenhuma meditação, pura frustração.

Liguei para o amigo querendo comentar a experiência e dizer que, não obstante o fracasso, vou continuar tentando. Mas ele não pôde atender. Acho que estava meditando.

Algum tempo depois, talvez já sabendo o que iria ouvir, ele me mandou a seguinte mensagem:

Meditação é ouvir o que o silêncio te fala.

Pode ser. Mas não sabia que meu silêncio falava tanto.

Antonio Carlos Sarmento

21 comentários em “MEDITAÇÃO”

  1. Bom dia meu amigo! Acho que somos muito parecidos, mas fazer meditação, para mim, é coisa de “budista”! Quando estou numa “pior”, eu escuto músicas! Sento confortavelmente em uma poltrona e escuto as músicas que gosto e que selecionei na Spotify (327 músicas selecionadas, uma a uma).Resolve para mim! Na verdade eu tenho uma forte tendência de não lembrar as coisas ruins do passado. Lembro-me muito bem das coisas boas que passei na vida até agora. Me apavora é o futuro! Saúde, família, falecimento de parentes, situação financeira e por aí vai. Mas com diz a Reginia, ela vive o presente e não quer saber do futuro, pois “o futuro a Deus pertence”. Um abração e fiquem com Deus.

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    1. Meditação como fazem os budistas
      deve ser possível, mas talvez precise de muito tempo de treinamento.
      Sempre achei que meditar seria colocar o intelecto, as emoções e a alma em sintonia para buscarmos soluções para problemas difíceis de resolver. Não sei fazer de outro modo.
      Algumas atitudes, se bem treinadas, nos ajudam: considerar o passado como um estoque de ferramentas conhecidas que nos ajudam a viver o presente; e considerar o futuro como possibilidade de muita coisa boa, como uma caixa ainda por abrir, cheia de surpresas.
      O hoje é que deve ser vivido com os pés no chão, o pensamento bem administrado e a alma em chama, voltada para o infinito. Lembro sempre que a chama sobe…
      Sua crônica de domingo nos faz pensar e filosofar. Obrigada por este valioso presente!
      Um abraço grande.

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      1. Querida amiga Helena,
        Sua visão positiva sobre o futuro é uma maravilha. E ver o passado como um estoque de ferramentas que nos ajudam a viver o presente é perfeito.
        Obrigado por deu profundo comentário!
        Uma ótima semana, minha querida amiga!

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    2. Amigo Aylton,
      Você é um privilegiado em só lembrar coisas boas do passado. E a Regínia outra privilegiada em não pensar muito no futuro.
      Preciso aprender com vocês e aí nem precisarei meditar… hahahaha
      Grande abraço para vocês, meu amigo e que tenham uma ótima semana!

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  2. Kkkkkkkkk Sarmento ri muito da sua experiência! Porque é assim mesmo. Se voce falasse isso a um grupo de amigos, seria um stand up comedy! Kkkkk
    Mas tentando falar serio, ha uns 30 anos atras resolvi fazer um curso chamada “SILVA MIND CONTROL”, que foi criado por um texano de origem mexicana. O curso levava 1 semana de técnicas de meditação. Fizemos eu e minha esposa, e te digo, valeu a pena! Mas eram 4 horas diarias de curso. Aprofundando técnicas, e eu consegui uma unica vez parar essa voz que nos leva ao passado, passa rapidamente pelo presente e vsi so futuro como um pêndulo . O dificil é usar as tecnicas 1 vez por dia por 10 minutos. Mas creia: se voce conseguir parar o pêndulo por 5 minutos sentirá um relaxamento e descanso como se tivesse durmido 8 horas! Mas eu não consigui mais fazer isso. Acho que sou hiperativo… kkkkkk

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    1. Amigo Luigi,
      Minha intenção foi mesmo de divertir o leitor.
      Já ouvi falar no Silva Mind Control e pelo que você experimentou parece funcionar mesmo. Mas não por muito tempo para os hiperativos, certo? hahahaha
      Obrigado por comentar, meu caro amigo!
      Que tenham uma excelente semana por aí!
      Grande abraço!

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  3. Kkkkkk…. me identifiquei total Cacau!
    Acho lindo quem medita, chego a indicar com a maior “cara de pau” mas mal consigo esvaziar a mente e me entregar … Meus diálogos internos são intensos e abundantes, me levando à boas reflexões!!
    Tudo isso valorizando muito o silêncio ,companheiro imprescindível pra mergulho em si mesmo!!
    Adorei a crônica! Que alívio,não estou sozinha…

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    1. Minha irmã,
      Também estou aliviado. Ao escrever não sabia se teria companhia na dificuldade que senti, mas parece ser muito comum.
      Quanto ao silêncio, é mesmo uma preciosidade!
      Beijos e uma maravilhosa semana!

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  4. Rsrsrs… é assim msm, por isso o mundo não “tá ótimo”, pq é algo que exige treino e paciência. Eu tb não consigo, mas tento fazer a meditação guiada, que dá mais certo pra mim.

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    1. Fefe,
      Depois do “fracasso” tentei a meditação guiada e funcionou bem melhor. A Tati também pratica esta e se adaptou bem.
      O importante é tentarmos frear um pouco o ritmo da nossa mente…
      Beijos e ótima semana!

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  5. Tenho tentado meditar mas é difícil como você bem colocou.
    Vou continuar tentando pois acho benéfico para a saúde espiritual.
    Os budistas treinam bastante para conseguir.
    Abraços e boa semana!

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  6. Boa tarde meu parceiro querido!
    EXCELENTE CRÔNICA.
    Não se aflija, meu amigo, eu NUNCA consegui meditar, você tem o mérito de tentar por 10 minutos eu desisti em 2 minutos.
    Me perdoe os meditadores mas, desisti desse que, até acredito seja um instrumento tranquilizador para nossa vida.
    Parabéns!

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  7. Caro amigo!
    Gostei muito da crônica e confesso, temos mais uma em comum, não consigo meditar. Não sei se na realidade não consigo, mas no fundo prefiro ficar nos pensamentos e nos planos!
    Forte abraço!

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  8. Ah, meu primo, também não consigo meditar! essa minha mente é de uma tagarelice ensurdecedora.
    Mas lido bem com ela: tenho a mente agitada, mas a alma tranquila, confiante Naquele que me guarda, me instrui e que pavimenta o meu caminho.
    E você não teime em esvaziar o pensamento. Antes, deixe- o livre, observando, recordando, criando e, depois, nos presenteie com seus agradáveis textos, edificantes e, tantas vezes , divertidos.
    Assim, ficam todos satisfeitos e em perfeita harmonia: cronista e leitores.
    Beijo

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    1. Querida prima,
      Que bom: a mente agitada e a alma tranquila. Com certeza é fruto da sua fé!
      Obrigado pelas gentis palavras. Continuemos em harmonia nos nossos passeios pelas crônicas.
      Beijos e uma ótima semana!

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  9. Caro Amigo Sarmento, muito bom dia. Antes tarde do que muito mais tarde. Então, ainda que com bastante atraso, quero apresentar-lhe minhas considerações. Tenho aprendido com o pensador argentino, Carlos Bernardo González Pecotche, criador da Logosofia, que os pensamentos são entidades autônomas que atuam/habitam nossas mentes com ou sem a nossa permissão, levando-nos, muitas vezes, a realizar ações que jamais faríamos. Outra abordagem de Pecotche é que em nossa casa/lar, somente adentram pessoas às quais damos permissão e, assim deve ser com a nossa mente, que ele chama de casa mental; só devemos permitir o trânsito, em nossa casa mental, de pensamentos aos quais damos permissão. Visite o site http://www.logosofia.org.br e acesse vários artigos sobre esse tema e, baixe grátis, se for do seu interesse, quaisquer dos livros, penso que será do seu gosto. Para não fugir à regra, encontrei algo que só você diria, “o tempo passando e o pensamento pensando”. Recomendações à família querida.

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    1. Amigo JH,
      Sempre vale a pena aguardar o seu comentário, demore o quanto for…
      Obrigado pelas indicações de boas fontes de informação e reflexão. Despertou o meu interesse e tenho certeza de que serão excelentes.
      Grande abraço e uma excelente semana a você e sua querida família!

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