TEREBENTINA

Há poucos dias vi de relance uma frase e deixei numa gavetinha da mente para depois pensar sobre ela. Dizia assim:

As perguntas são mais importantes que as respostas.

Claro, num primeiro momento, a afirmação me pareceu ir contra o senso comum. Afinal, fazemos perguntas com a finalidade de obter respostas. É de respostas que precisamos, foi o meu primeiro pensamento.

No mesmo dia, mais tarde, a frase veio à tona em momento mais calmo, a exigir um olhar mais atento. Compartilho com o prezado leitor as reflexões que me ocorreram e a pescaria no lago da minha memória.

Logo me lembrei de um caso passado no interior do Brasil e narrado pelo admirável apresentador e ator Rolando Boldrin. Conta ele que havia na cidadezinha da roça um rapaz chamado Adãozinho, reconhecido por todos como um especialista em cavalos, que sabia tudo sobre estes animais e era muito solícito e prestativo.

Certo dia, um matuto passando do outro lado da rua empoeirada, viu o especialista e, apressado, sem diminuir o passo, fez uma pergunta quase aos gritos:

— Adãozinho, quando o seu cavalo ficou doente, o que você deu para ele?

Nem foi preciso pensar:

— Terebentina — respondeu.

E, fazendo jus a sua fama de prestimoso, para garantir que havia sido bem entendido, Adãozinho soletrou em alto brado:

— TE-RE-BEN-TI-NA.

O caipira agradeceu com um aceno e prosseguiu seu caminho, satisfeito com a resposta.

Passados alguns dias, o mesmo matuto encontrou na rua com Adãozinho e inquiriu-o em tom de queixa:

— Dei a terebentina para o meu cavalo e sabe o que aconteceu? Ele morreu, Adãozinho!

— Pois é. O meu também morreu…

Claro que a história foi contada com bom humor, mas faz pensar no valor da pergunta. É possível que a gente ande por aí atrás de respostas, mas algumas vezes podemos estar fazendo a pergunta errada. E não há resposta certa para pergunta errada.

Este “causo”, como dizia Boldrin, fez aflorar em minha memória outra história passada por um brasileiro aqui em Portugal. É certo que as diferenças culturais estão presentes na história, mas não resisto a contar como uma homenagem aos dois povos irmãos.

O sujeito estava em viagem à serviço, com a agenda lotada de reuniões e tarefas. Em meio a tantos assuntos de trabalho, havia recebido uma enfática recomendação de um restaurante dito maravilhoso, que entretanto ficava distante da cidade, em uma região rural.

Num domingo, livre dos inúmeros compromissos da viagem, resolveu conhecer aquela culinária tão bem recomendada. Próximo à hora do almoço foi à recepção do hotel e pediu um táxi — note o leitor que o fato se deu em tempo passado, quando ainda inexistia a internet.

Chegou o táxi e ele perguntou:

— O senhor pode me levar a este restaurante? — perguntou, exibindo uma anotação num pequeno papel.

— Posso sim senhor.

Feliz da vida, nosso personagem embarcou e seguiu pelo caminho já antecipando as delícias que iria degustar. O táxi circulou um breve tempo pela cidade e, com pouco trânsito, logo ingressou em uma estrada arborizada. Os primeiros momentos foram agradáveis, mas após uns 30 minutos seu apetite começou a brigar com a paciência e a viagem começou a parecer longa.

Quase uma hora depois, finalmente chegaram ao destino. Ainda dentro do carro era possível ver uma grande placa pendurada na porta com a decepcionante palavra escrita em letras garrafais: FECHADO.

— O restaurante está fechado! — exclamou o passageiro, em tom de revolta.

O motorista não se abalou:

— Sim. Hoje é domingo. Não abre.

— Por que o senhor não me disse?

— O senhor me perguntou se eu poderia trazê-lo até aqui. Pois foi o que fiz…

Lembrar estas histórias me fez recordar ainda que, certa vez, eu precisava realizar um trabalho acadêmico de final de curso, com prazo rigoroso e inadiável. Comecei tropeçando, pois meu orientador, muito mais experiente e graduado, não me permitia avançar antes de ter bem definida a questão-chave que eu me propunha a responder. Dizia ele que todo trabalho deve buscar resposta a um problema e este deve ser o ponto de partida.

Na época eu queria começar a escrever, já tinha material e ideias, pesquisas e artigos científicos para consultar, mas meu orientador insistia em não permitir. Eu queria fazer, ele me exigia pensar. Queria clareza na pergunta-chave antes de tudo. Custei a compreender a insistência e achei que havia caído nas mãos de um teimoso, que emperrava meu trabalho.

Aos poucos, após algumas tentativas frustradas, fui compreendendo a importância de ter bem formulada a questão inicial. É algo que aparenta ser simples, mas, na realidade, descobrir a pergunta certa é tarefa complexa e exigente. Foi a fase mais longa e difícil do trabalho.

Depois que encontrei a pergunta corretamente formulada, a resposta fluiu naturalmente, como um rio, com margens delimitadas, fluxo constante e direção certa.

Grande orientador: eu havia confundido sabedoria com teimosia…

Aprendi ali que muitas vezes estamos com respostas prontas, sem saber exatamente a que perguntas elas pertencem, por mais absurdo que isso possa parecer. Percebo hoje que, se a pergunta é desconhecida, a resposta é descabida.

Mesmo em questões fundamentais da nossa vida, podemos andar por aí dando respostas automáticas, apenas reagindo às demandas. Corremos o risco de que estas respostas estejam desvinculadas de nossas autênticas e mais profundas indagações. Nossas respostas podem estar sendo vazias, sem sentido ou até desconformes. É como se tivéssemos o “quê” sem ter entendido o “por quê”.

Vejo isso em mim mesmo. Quanta coisa faço sem pensar, sem entender o que estou buscando. E aí acabo seguindo em frente sem ter contornos claros e rumo definido. Preciso refletir mais sobre isso. Não posso dar terebentina para o meu cavalo, nem viajar em direção a um restaurante fechado.

Melhor pensar mais no por que fazer, antes de pensar no que fazer.

Talvez seja preciso saber perguntar para saber viver.

Concluo com uma reflexão do filósofo Lévi-Strauss a este respeito:

Sábio não é aquele que responde às perguntas, mas quem as coloca.

 

Antonio Carlos Sarmento

 

NOTA:

Queridos leitores,

Este mês completamos 5 anos do site Crônicas e Agudas. É um marco a comemorar e estou muito feliz!

Temos hoje mais de 200 crônicas publicadas e, graças à vocês, alcançamos neste tempo cerca de 60 mil visualizações!

Agradeço muito por este envolvimento significativo e convido a continuarem acompanhando a publicação das crônicas, sempre no último domingo do mês.

São vocês que dão pleno sentido à minha escrita.

Muito obrigado e recebam meu cordial abraço!

18 comentários em “TEREBENTINA”

  1. Grande e querido Amigo Sarmento, muito bom dia. Sensacional, como sempre, esta crônica de hoje. Extrai desta crônica, o que penso, ser o fundamental em nossa atual etapa de vida. Tenho aprendido que ao invés de sair perguntando, sobre qualquer coisa e a todos, devemos fazer algo que é prerrogativa do ser humano: Pensar. A ligeireza em ter uma resposta, sem antes haver pensado em tê-la pelo próprio esforço, é um dos dois grandes males humanidade, que tenho aprendido serem a IGNORÂNCIA e a INCONSCIÊNCIA, daí que, muitas vezes, façamos perguntas e não nos agradamos das respostas recebidas. Se perguntamos algo, é justo que saibamos de antemão, porquê e para quê, necessitamos da resposta, assim, a meu juízo, é necessário identificarmos se o nosso objetivo com a pergunta, é concomitantemente, justo, proveitoso e realizável e, essa identificação dar-se-á através de uma pesquisa no nosso acervo interno ou, se essa pergunta é por mera curiosidade, sem nenhum proveito. Caro Amigo, é muito importante, para mim, ter esse intercâmbio com você, suas crônicas me instigam a revisitar o “meu interno” em busca de um conhecimento que já tenha adquirido ou, a buscá-lo de forma consciente. Mais uma vez, agradeço e parabenizo-o pela oportunidade que dá a todos, os que têm o privilégio de ler suas crônicas, de aumentarem ou fazerem brotar, conhecimentos adormecidos. Recomendações à Sônia, à Tatiana, ao Jean, ao pequeno Guilherme e demais familiares.

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    1. Meu querido amigo JH,
      Cada vez mais “andamos juntos”. Seguimos caminhos diferentes, mas unidos nos pensamentos, reflexões e valores. Isto é maravilhoso!
      Obrigado por seu rico comentário, meu caro amigo.
      Lembranças à Sueli, Luizinho, Júnior e a encantadora Catarina!

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  2. Parabéns meu irmão pelos 5 anos como escritor,talento guardado e não desperdiçado! Que ótimo!!
    Acrescentando à reflexão da crônica,incluo as perguntas irrespondiveis que muitas vezes nos acometem e nos trazem o fortalecimento da nossa fé!!
    Beijo carinhoso ❤️

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  3. Cacau, para variar mais uma excelente crônica.
    Interessante, como eu sempre digo para líderes não darem as repostas, em vez disso saber fazer as perguntas, e sempre com um elogio anterior a pergunta.
    Tipo; Elogie o seu liderado e depois em vez de dizer : Faça isso, diga: o que você acha de fazer dessa forma?

    Bem, o que interessa é a ótima crônica de hoje e agradecer pelas belas crônicas que durante cinco anos fazem a nossa alegria e reflexões importantes.
    Parabéns Cacau!
    Bj

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    1. Amigo Chico,
      Você é um dos meus maiores incentivadores. E foi assim que chegamos aos 5 anos de publicações.
      Obrigado por acompanhar as crônicas e sempre comentar.
      Beijão no Pedro e Helen e uma excelente semana!

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  4. Parabéns meu Irmão, pelos 5 anos de crônicas que fazem nosso domingo um momento deleite de reflexões . Tempos atuais imediatistas de WhatsApp presencio cada vez mais inconsequentes perguntas e irresponsáveis respostas. Levi-Strauss não resistiria…. rsrsrs…..

    Que seu sucesso seja crescente por muitos anos nos proporcionando o prazer da leitura e o aguardo de novos livros.

    Beijos, saudades.

    Beth

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    1. Minha irmã,
      Você tem razão. Estamos num tempo em que prevalece a tendência a mensagens curtas. Sinto falta da profundidade, do mergulho no assunto e do tempo para pensar. Há muitos, como você, que também buscam este caminho, talvez na contramão da tendência…
      Vamos seguindo assim!
      Beijos e muitíssimo obrigado pelo constante apoio e incentivo.
      Uma maravilhosa semana!

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  5. Parceirinho, meu querido amigo!

    Ótima crônica, gostei muito mesmo, sua inspiração nos indica que muitas vezes perguntamos e respondemos automaticamente.
    Parabéns e sucesso, Deus te abençoe e te dê muita luz para os mais 5 anos de sucesso.

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    div>Beijo carinhoso 

    Enviado do meu iPhone

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      1. Querido amigo Antonio Carlos,

        Parabéns pelos cinco anos de maravilhosas crônicas!

        Continue nos brindando com uma leitura agradável e inteligente no final de cada mês.

        O nosso cotidiano está cheio de situações assim: gente que não sabe perguntar e também não entende a resposta.

        Terebentina me fez refletir a respeito, por isso, é necessário a reciclagem e o aprendizado sempre.

        Muito obrigado pela excelente crônica!

        Um abraço e ótima semana!

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  6. Querido Cacau,
    Fico muito feliz de estar participando dessa sua jornada, como escritor.
    Acredita que repasso os textos para outras pessoas?
    Sua persistência em apresentar temas como família e ética confirma nossas convicções. Dedicar seu talento a reavivar valores manifesta muita generosidade .
    Realização sua, deleite de seus leitores. A festa é nossa!!
    Quanto a perguntas e respostas, filósofos e escritores concordam que a arte de perguntar é mais difícil do que se considera. Há quem diga que é uma regalia concedida a mestres .
    Nesse tema, nós, avós, somos todos privilegiados. Quanta curiosidade envolve nossos netos que recorrem a nós, com perguntas exatas, na certeza de uma resposta segura. E nós, quanta sabedoria devemos rogar, para oferecer o melhor retorno, a soluçao eficaz, a melhor explicação.
    E assim vivemos numa prazerosa troca de perguntas e respostas, sem ambiguidade, sem imprecisão.
    E, cá entre nós, como os vovós aprendem nessa ciranda!!
    Beijo meu primo.

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    1. Querida Gena,
      A convivência com os netos é uma graça que Deus nos concede, fonte de amor e aprendizado.
      Muito obrigado por suas palavras generosas e também por compartilhar meus escritos com outras pessoas.
      Desejo um ótimo final de semana!
      Beijos!

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