CAFÉ DA MANHÃ

Fiz uma breve viagem com minha mulher à Espanha para visitar uns amigos. Após a chateação de voar entalado num assento para pigmeus, andar quilômetros no aeroporto do destino e aguardar muito tempo para obter o carro na locadora, finalmente chegamos ao hotel.

O recepcionista era um rapaz de uns 25 anos, muito falante, simpático e cheio de vontade de agradar. Imaginei que aquele fosse o seu primeiro dia de trabalho: vassoura nova varre bem. Ele prestou as informações sobre a hospedagem e indagou:

— Alguma dúvida, senhores?

— Sim. Como fazemos para usar o estacionamento do hotel?

— Não precisa. Tem um custo alto por dia. Vocês podem estacionar na praça aqui ao lado. Não tem perigo. Todo mundo do hotel deixa o carro lá e nunca aconteceu nada.

— Ah, ótimo. E quanto ao café da manhã?

A boa vontade era tamanha que cheguei a pensar que nos convidaria para tomar o “desayuno” na casa dele.

­— É aqui no salão do primeiro andar e custa 15 euros por pessoa. Mas aqui em frente tem uma padaria muito boa e vão gastar menos. É só atravessar a rua.

¡Dios mío! Pensei em contratá-lo para ser meu assessor financeiro. Mas o jovem já estava empregado…

Obviamente, aceitei de bom grado ambas as sugestões e no dia seguinte pela manhã lá estávamos na tal padaria. Funcionava assim: um balcão para fazer o pedido, pagar, receber tudo em uma bandeja e, ao lado, um salão confortável com muitas mesas e jornais do dia disponíveis aos clientes. Que dica preciosa do meu assessor!

Fizemos o nosso pedido, pagamos, fomos ao salão que rescendia a aromas agradáveis de pão fresco e café. Escolhemos uma mesa bem no centro. A localização foi estratégica, pois parece que quando estamos em outro país observamos tudo com mais atenção. A singularidade desperta a curiosidade.

Foi assim que notei um sujeito entrar, deixar a mulher no balcão e seguir direto para uma das mesas. Achei pouco gentil. Ele aparentava uns 50 anos, alto, calça jeans e camisa xadrez. Entretanto, percebi que em sua mão esquerda, havia um saquinho de papel pardo voltado para a parte interna do braço, como se não quisesse despertar a atenção. Pois comigo conseguiu o efeito contrário.

Passei a tomar café com um olho nele e o outro na minha xícara. O tal saquinho foi colocado em cima da mesa e ele buscou um exemplar de jornal para ver as novidades. Nada mais aconteceu durante alguns minutos, até que a mulher chegou com a bandeja e pousou-a cuidadosamente na mesa. Tirou para si uma xícara de café e um prato de pão com manteiga. A seguir entregou a ele um outro pratinho igual e um copo vazio. Sem nenhum embaraço, o sujeito abriu o tal saquinho, sacou uma cerveja que ali estava inquieta, à espera de ser devorada. Despejou todo o conteúdo no copo e, sôfrego, deu alguns generosos goles. À seguir dedicou-se à parte sólida da sua refeição. Nunca havia visto alguém tomar uma cerveja com pão e manteiga. Ainda mais às sete e meia da manhã.

Eu olhava como observador, sem julgar, pois padaria não é tribunal. Apenas cumpria meu dever de ofício de cronista.

No canto do salão, próximo à porta do banheiro, percebi algo atípico e meu olhar correu para conferir. Era outro cliente, este sem companhia. Trajava uma camisa colorida, tipo turista americano no Havaí, e ostentava um vasto bigode de mexicano. Curiosamente, havia se sentado de costas para o salão e de frente para a porta do banheiro. Eu nunca escolheria aquela posição, mas, claro, o dono do calo é que escolhe o sapato.

Ele tomava um refrigerante de laranja (argh!) e degustava um volumoso sanduíche. Senti azia só de olhar. Decidido a desistir da observação, voltei ao meu pãozinho com manteiga.

O mexicano não se deu por vencido: de repente levantou-se, atraindo minha atenção novamente. Dirigiu-se ao balcão e fez um novo pedido. Grudei os olhos na bandeja, ansioso por saber o que ainda iria degustar.

Primeiro veio um outro refrigerante de laranja — a azia tentou voltar, mas rejeitei-a pois precisava acompanhar o desfecho. Em seguida, outro sanduíche idêntico, gigantesco. Talvez no México, o café da manhã se chame pequeno almoço, como em Portugal. Se bem que de “pequeno” ali nada havia…

Desisti dele e de qualquer outra observação. Chega! Melhor tomar meu café em paz.

Terminei minha refeição e logo a paz me abandonou. Um casal ao lado da nossa mesa deslocava-se carregando xícaras e pratinhos. Estranhei. Levantaram-se de onde estavam e fizeram uma mudança para uma mesa próxima, onde batia mais sol. A operação foi trabalhosa. Havia copos, pratos, talheres, xícaras e guardanapos, o que os obrigou a alguns vaivéns. Tudo bem procurarem um lugar ao sol. Muito justo.

Foi quando o mexicano se levantou. Decidi que se fosse de novo ao balcão eu iria me atracar com ele, confiscar a bandeja e impedir a glutonice desenfreada. Mas não, ele entrou no banheiro. Era previsível…

A situação no salão da padaria ficou calma por alguns momentos. Um casal ao sol, outro a desfrutar de cerveja com pão e manteiga e um mexicano enfurnado no banheiro. Resolvi ler um pouco das notícias dos jornais e desconectar dos alvos de minha observação.

Durou pouco.

O casal da cerveja resolveu partir, talvez já pensando em acompanhar o almoço com um café com leite. O casal girassol, por incrível que pareça, vislumbrou uma outra mesa com mais incidência solar e resolveu fazer nova mudança, carregando os inúmeros utensílios, alimentos e penduricalhos.

E o mexicano?

Este saiu do banheiro, partindo direto para a porta de saída. Pendurado na parte de trás de sua calça, sem que ele percebesse, tremulava uma faixa de papel higiênico. O andar acelerado fazia a faixa esvoaçar e atraía as atenções até mesmo daqueles que nunca escreveram uma crônica.

Com a ausência dos protagonistas, resolvi deixar a padaria.

Fui pelo caminho lembrando uma lição de Gandhi: A lei de ouro do comportamento é a tolerância mútua. Certo, é preciso tolerar, mas não consigo deixar de estranhar.

Sabemos que é possível aprendermos mais com as diferenças do que com as semelhanças, mas acabamos sempre buscando as igualdades, as concordâncias, os mesmos gostos e comportamentos.

Precisei lembrar a mim mesmo que naquela padaria nunca entraram nem nunca entrarão duas pessoas iguais. Elas não existem…

Antonio Carlos Sarmento

15 comentários em “CAFÉ DA MANHÔ

  1. obrigado pela cronica. 2026 pretendemos, eu e a esposa, irmos a Portugal e Lourdes. Quem sabe nao marcamos um almoço ou jantar em familia? Grande abraço.

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    1. Amigo Luigi,

      Vamos marcar este almoço com certeza. Será um imenso prazer!

      Estou na cidade do Porto e aguardo a visita de vocês. Para nosso contato por Whatsapp segue meu número daqui: +351 927092818.

      Grande abraço, virtual por enquanto, mas ao vivo quando chegarem.

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  2. A diversidade humana e os gostos gastronómicos são algo quase sem limites. Em cada lugar seus hábitos…. e em cada pessoa um mundo de possibilidades a descobrir. Ou seja…. um verdadeiro filão de curiosidades para um cronista atento!|
    Espero que no final tenham gostado das dicas do “zeloso” empregado!

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    1. Oi Dulce,

      O “zeloso” foi mesmo muito útil. As curiosidades e a riqueza de observar estão disponíveis a todos, mas muitos (e cada vez mais) preferem enterrar os olhos no celular e ausentar-se do ambiente, sem perceber que a vida real é mais interessante e rica.

      Muito obrigado por comentar!

      Abraços e boa semana!

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  3. Prezado Amigo Sarmento, muito boa noite. Eu sei que o comentário é como chover no molhado mas, acontece que é verdade que eu sou sempre surpreendido com a sua verve. Fatos comuns, ou talvez, sem importância, assumem uma grandeza incomparável. E, a sua busca por palavras pouco usuais, enxertadas em suas crônicas, são fantásticas; hoje você nos trouxe “rescendia”, que maravilha!!! Caro Amigo, como sou grato por ter a oportunidade de fazer parte do rol de seres que estão na sua órbita. Parabéns, mais uma vez!!! Recomendações à Sônia, à Tatiana, ao Jean, ao pequeno príncipe Guilherme e demais familiares.

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    1. Meu amigo Jorge Haroldo,
      Seu comentário sempre me alegra. E suas observações são gratificantes, meu amigo.
      Obrigado por tanta gentileza. O privilégio é meu de estar no seu círculo de amigos!
      Grande e afetuoso abraço à você, Sueli, Júnior, Luizinho e uma beijoca pra Catarina!
      Fiquem com Deus!

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  4. Querido amigo, tem muita gente estranha mesmo! Eita ser humano complicado e difícil de entender.
    Grande abraço e ótima semana!

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  5. Meu amigo

    Agora tive a certeza de continuar como sempre tomando café no hotel🤣

    forte abraço

    Rodolpho 

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  6. Olá Sr. Antonio Carlos, pegamo-nos lendo suas crônicas incansavelmente, e que por acaso, vislumbrando do tédio de uma sexta-feira à tarde, na ânsia de buscar profundidade e sair da imediaticidade das redes sociais, esbarramo-nos em suas crônicas, instigantes e curiosas, reflexivas e muito criativas. Deparamo-nos aqui, agora, dirigindo a ti um comentário agradecendo por compartilhar suas vivências. Ganhas dois novos admiradores.

    At.te

    Gabriel e Maria Laura

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    1. Prezados Gabriel e Maria Laura,
      Com satisfação recebo vosso gentil comentário. Muitas vezes observo através do aplicativo, que alguém lê em sequência várias das minhas crônicas, denotando que apreciou a leitura e foi em busca de mais. Entretanto, na maior parte dos caos, a pessoa não se detém para fazer um registro, como foi o caso de vocês. Ah, se todos fossem iguais à vocês…
      Muito interessante ainda o registro de um casal. Na realidade é a primeira vez que recebo um comentário assim, que não seja de uma única pessoa. Permita-me notar que este detalhe é apreciável. Ainda outro dia, em uma praia, vi um rapaz lendo para a sua companheira: ele sentado seguia calmamente, com uma pronúncia cadenciada e ela, deitada na areia, olhos no céu, deixava-se levar pela história. Achei admirável. E agora imagino vocês dois a fazer o mesmo. É coisa rara, pois pouco se lê nestes tempos de redes sociais, e ainda mais rara, por fazerem a leitura a dois. Parabéns pelo gosto de ler e por fazerem coisas juntos.
      Recebam o meu abraço e o desejo de que acompanhem meu trabalho. Se desejarem “seguir” basta clicar no campo com este nome que aparece em todas as crônicas e assim passam a receber um e-mail a cada publicação de crônica inédita, o que ocorre uma vez por mês, no último domingo. Caso queiram manter contato, podem usar o “Comentário ou meu e-mail que é antoniocsarmento@gmail.com
      Felicidades!

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