Não posso dizer com precisão absoluta, mas quando ainda estava nos primeiros anos da escola, ali pela década de 1970, começaram a surgir as primeiras provas usando o mecanismo de múltipla escolha, normalmente cinco opções. Eu adorei aquilo!
Até então, as questões eram apresentadas com espaços em branco para as respostas. Isso era muito mais exigente, pois tornava quase impossível enrolar o professor quando não se sabia a resposta. Ao final da prova, muitos espaços deixados em branco já prenunciavam a nota baixa.
Na múltipla escolha era diferente. Nenhuma questão ficava em branco. As que não sabíamos recebiam o chamado “chute”, para o qual, com o tempo passamos a desenvolver técnicas mirabolantes que nem sempre, ou melhor, quase nunca davam certo. Mas a gente chutava, claro.
Até me lembro que certo professor, para evitar os chutes, passou a adotar o critério de a cada duas questões erradas eliminar uma certa. Sujeito maldoso e estraga-prazeres. Felizmente foi caso único e durou pouco, pois afetava a simplicidade da correção das provas.
Logo veio a antipática ideia de incluir nas opções “nenhuma das respostas anteriores”, a famosa NRA. Suspeito que tenha sido obra deste mesmo professor, mestre do mau gosto e criador de obstáculos. Nunca gostei desta opção e perdi muitos pontos em exames por relutar em marcá-la. Afinal, “nenhuma das respostas” não parece ser uma resposta plausível.
Enfim, neste caso, ter múltiplas escolhas foi bom.
Avançando a história umas cinco décadas, fui com minha família a um restaurante na região do Algarve em Portugal. Havia uma boa recomendação quanto à qualidade da comida e resolvemos experimentar.
Local simples, com poucas mesas, sem nenhum traço de luxo ou sofisticação. Logo veio um rapaz em trajes de chef e orientou:
— Sejam muito bem-vindos! Aqui funcionamos assim: todos os dias temos pratos diferentes, que dependem dos ingredientes que eu compro bem cedinho no mercado. Escolho os peixes, carnes e hortaliças que estão melhores naquele dia e preparo os pratos, que vocês vão ver nesta pequena lista. Espero que encontrem o que lhes agrada. Posso garantir que são alimentos frescos e preparados com muito capricho.
Ato contínuo entregou-nos uma folha manuscrita com cinco pratos e suas descrições. Lembrei das questões de múltipla escolha. Felizmente não havia a fatídica NRA…
Fui logo conquistado por uma coxa de pato que me aguardava na terceira posição da lista e olhei as demais apenas por curiosidade. Tive a impressão de que os demais tiveram a mesma facilidade, pois em pouco tempo já tínhamos os pedidos definidos.
Para encurtar a história, gostamos muito da comida e mais ainda do esquema do restaurante. Confirmei ali o acerto de minha preferência por restaurantes pequenos e acrescentei também o cardápio enxuto como mais um indicador de qualidade.
Enfim, neste caso, ter poucas escolhas foi bom.
Estas lembranças me ocorrem todas as vezes que preciso escolher um vinho, um livro ou um filme. Claro que é muito bom ter várias alternativas e poder escolher aquilo que realmente desejamos, mas parece que há de fato um excesso de ofertas. E não só nestes itens que citei, mas em quase tudo que fazemos, em tudo que compramos, nas informações que consumimos, nos ensinamentos e técnicas que nos interessam, nas redes sociais e até em nossas viagens.
Antes a gente ia a Paris para ver a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, o Museu do Louvre e a Notre-Dame, além de comer umas baguetes e croissants. Hoje, as dicas chegam aos borbotões e tornam a nossa viagem uma experiência de frustração pelos lugares maravilhosos que deixamos de visitar e por tudo que deixamos de fazer. Sem falar nas centenas de hotéis onde poderíamos ter ficado, nos voos muito melhores do que aquele que escolhemos e nos restaurantes maravilhosos e mais baratos que deixamos de ir.
A gente sabe que toda escolha implica em renúncia, mas parece que a renúncia agora ficou muito grande e acaba por trazer inquietude e empobrecer as nossas experiências.
Eu sinto dificuldade em sobreviver nesta inundação de opções.
Aliás, não só eu, mas aparentemente a maioria de nós, pois isto até já gerou um livro sobre o paradoxo das escolhas, evidenciando que quanto mais opções temos, menos satisfeitos ficamos com a escolha que fazemos.
Acho que a excessiva multiplicidade de escolhas não pode ser considerada um atributo. O excesso transforma o que seria um privilégio em cansaço, frustração e angústia.
Escolher um vinho é um enorme desafio. Dei uma olhada rápida no aplicativo que utilizo e notei que há cerca de 16 milhões de rótulos! Seria preciso uns 40 mil anos de vida para provar todos eles, bebendo uma garrafa por dia. E eu, com muita sorte, tenho apenas mais uns 20 ou 30 anos e, se beber uma garrafa por dia, acho que o fígado se despede muito antes deste tempo…
Como não acredito em reencarnação, muito menos que ela se repita por umas 500 vezes, precisei adotar um critério de escolha dos vinhos que vou beber. Fiz assim: estabeleci uma margem de valor e vou comprando rótulos que estejam nesta faixa de preço. O índice de acerto está razoável e prossigo desta forma em meu destino vínico, com apenas uma pontinha de insatisfação por deixar de experimentar a infinidade restante.
Para os livros, o universo de opções é ainda maior. No site em que compro há cerca de 33 milhões de títulos. Mas, neste caso, diferente dos vinhos, é possível fazer uma degustação na versão digital. Antes de comprar, leio uma amostra das páginas iniciais e ali já percebo se o estilo me seduz e a história me interessa. Tem dado certo. Gasto algum tempo lendo amostras, mas as compras ganharam qualidade. Em livrarias físicas, que estão em fase de extinção, faço o mesmo e ainda com mais prazer, pois neste caso é possível ter o livro nas mãos, um verdadeiro test drive.
Procuro me conformar com a ideia de que nunca vou ler muitas obras magníficas, que até poderiam receber o adjetivo de imperdíveis. Sim, podem ser imperdíveis, mas a brevidade da vida as torna inviáveis.
Quanto aos filmes, eu diria que é onde encontro mais dificuldade. Olhei rapidamente os streamings a que tenho acesso e há disponível uns 20 mil títulos entre filmes e séries. Como a maioria das pessoas, depois de avaliar o título, atores, direção e o tipo de história, resta assistir o trailer. Mas infelizmente o trailer não está para o filme como a amostra para o livro. Esta última é real, permite viver a exata experiência da leitura, enquanto o trailer é uma peça publicitária feita para captar o espectador. Um trailer mal feito pode nos fazer perder um grande filme, e um bem feito, pode nos fazer perder um grande tempo.
Por enquanto, na falta de uma ideia melhor, evito os top 10, os filmes de terror, os de ficção científica, os policiais de enredo repetitivo, os de certos atores que prefiro não citar e, “pour finir, mais non sans importance” os filmes franceses.
Mais recentemente, feito este filtro, escolho por intuição, sem ver o trailer, e começo a assistir. Se não gostar, vou em busca de um livro e deixo o filme para minha mulher que, por alguma razão desconhecida, talvez genética, não aceita deixar um filme pela metade. Já tentei permanecer no sofá, desfrutando da companhia dela e ali mesmo migrar para o livro escolhido, mas não deu certo: filme ruim estraga livro bom.
Fico por aqui meu prezado leitor, caso meu texto, dentre tantos, tenha sido escolhido por você.
E deixo para reflexão a ideia de que em meio à imensidão de alternativas que nos oferecem, busquemos não a opção perfeita, a melhor dentre as melhores alternativas, mas que possamos nos contentar com aquilo que apenas seja bom o suficiente.
Um vinho não precisa ser uma raridade premiada, quando podemos nos satisfazer com um que seja saboroso e agradável.
Um filme pode não ser uma obra prima, mas pode valer a pena se a direção for razoável e a história trouxer uma mensagem interessante.
E um livro não tem que ser primoroso, bastando proporcionar uma leitura envolvente e enriquecedora.
Como em muitas circunstâncias da vida, na vastidão das escolhas, menos é mais.
Antonio Carlos Sarmento
Meu Querido Amigo, muito bom dia.
Como sempre, muito interessante a crônica escolhida para este mês. Eu tenho aprendido que tudo em excesso é prejudicial, seja lá o que for e você, com esta crónica, vem comprovar este meu aprendizado.
Eu penso que o possível segredo está em se saber o que se quer, não importando o universo de escolhas que tenhamos, aliás, quem não sabe o que quer, qualquer coisa serve, o que com absoluta certeza, não é nosso caso.
O destaque deste mês é: “Como não acredito em reencarnação, muito menos que ela se repita por umas 500 vezes”, de fato, a meu juízo, não há motivo para se acreditar, seja lá no que for, aliás a crença cega, talvez, seja a pior opção da humanidade, em que pese seja a alternativa mais fácil é, certamente a mais dolorosa quando ao final se descobre, através do saber, a sua falta de base.
Caro Amigo, recomendações à Sônia, à Tatiana, ao Jean, ao Príncipe Guilherme e, por que não, ao novo integrante desta família maravilhosa, além é claro, aos demais familiares.
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Meu querido amigo Jorge Haroldo,
Obrigado por seu comentário e pelas generosas palavras. E também por ter escolhido ler a minha crônica em meio a tantos textos disponíveis!
Grande e saudoso abraço, meu querido amigo. Lembranças à Sueli, Júnior, Luizinho e uma beijoca para a Catarina.
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Amei!!!! Parabéns!
Luiza Cristina
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Obrigado, Cris!
Saudades de vocês…
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Meu grande amigo
Gostei muito da crônica sobre as opções de escolha que enfrentamos no dia a dia. Um universo ao meu ver um tanto diferente.
Acrescento as variáveis: “nosso precioso tempo” , “critério a ser adotado “ e “ grau de interesse no assunto “.
Em séries e filmes, dentro do meu estilo, dedico um tempo, mas sem pena abandono no primeiro, segundo ou quinto episódio! Vou usar meu tempo em outra série!
Em vinho 🍷 utilizo os meus critérios para quem é um enófilo: faixa de preço, tipo de uva, país de origem, e vou alternando.
Em viagens gosto de muitas opções e detalhes pois estudo um ano antes, e com o planejamento vou curtindo a viagem já antes, curto com as opções e depois com filmes, fotos e vinho. Eta comentariozão! 🤣
Rodolpho Britto
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Meu querido amigo Rodolpho,
Não se preocupe, pois seu comentário chegou certinho. Na realidade as três vezes que enviou foram efetivadas e chegaram normalmente. Claro que eliminei as duplicatas.
Muito bom seu “comentariozão”. É sinal de que o assunto te interessou mesmo e o motivou a compartilhar suas ideias e práticas em séries, vinhos e viagens.
Fico contente que escolha sempre ler minhas crônicas e ainda ter a gentileza de fazer comentários. Muito obrigado, meu caro e saudoso amigo!
Lembranças à Idalina e a toda a sua querida família!
Fiquem com Deus!
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Oi Sarmento, gostei muito da crônica. As escolhas que a vida nos oferece nos conduz a seguir em frente. Errada escolha, muda-se o rumo, o ritmo e vamos acertando e vivendo. Que muitas escolhas boas, como a leitura de suas crônicas, nos faça continuar e fazer a vida valer cada momento. Obrigada amigo. Grande abraço para vocês.
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Olá! Imagino que seja a Yara, certo?
Muito obrigado por escolher minhas crônicas e pelas suas palavras gentis.
Um forte abraço e que você e sua família estejam muito bem!
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Fala Sarmento! Mês que vem faço 80 anos de idade. Nesses últimos 2 anos envelheci uns 10. Ou seja, farei 90. Estou morando há mais de 2 anos em Ilhabela-SP. A memória está de dar risada (por enquanto). Ler tuas crônicas me fazem ver que ainda existo. Me trazem lembranças. Grande abraço, amigo.
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Querido amigo Paulino,
É um grande prazer receber seu comentário.
Que maravilha, 80 anos!!!! Como o tempo passa rápido, não é Paulino? ainda outro dia testávamos trens no Centro de Manutenção, mais um pouquinho e comandávamos a CBTU, outro tempo breve e jantávamos no Carpe Diem em Brasília. Nossa vida profissional teve muito em comum, amigo!
Desejo muitas felicidades e comemore sua vida junto à sua família, a grande família!
E deixa sempre um espaço na memória para lembrar deste seu amigo que sempre te admirou.
Grande abraço!
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Fico confuso quando há muitas escolhas e no caso de restaurante prefiro passar o cardápio a outra pessoa aí remo na direção fazendo algumas alterações. Filme é Livro nao abro mão escolho com detalhes e muitas vezes descubro que fiz mal.
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Infelizmente não consegui identificar o autor do comentário, mas mesmo assim agradeço e é sempre gratificante receber um retorno da crônica publicada.
Abraços!
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Concordo caro António, vivemos num tempo em que, em todas as áreas, a quantidade supera a qualidade. Este mundo de quantidade cansa…cansa muito. Talvez eu sinta isto porque cada vez preciso de menos e cada vez me apetece fazer menos escolhas e ficar apenas com o que tenho, conheço e me agrada.
Cada vez aprecio mais um modo de estar minimalista, em que mais do que todas as opções disponiveis, valorizo a minha escolha “interior”, mesmo que os outros nem sempre a entendam.
Neste mundo do tudo e do demais…mais uma vez gostei muito da verdade e simplicidade da sua crónica!
Boa semana!
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Dulce,
Você toca em um ponto sensível que acabei por não abordar: o cansaço que advém deste gigantesco universo de escolhas. É cansativo mesmo. Parece que as empresas não se dão conta de que oferecer alternativas demais esgota o cliente e transforma o que pensam ser positivo em negativo. Talvez em algum momento se conscientizem disto.
Obrigado por retornar das férias e ir buscar a leitura da crônica, já passados uns 15 dias de
a publicação. Esta nossa troca é muito boa!
Desejo-lhe uma ótima semana, revigorada e cheia de ânimo!
Abraços
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Excelente texto e a citação do livro “O paradoxo das escolhas”, já li e me surpreendi com algo que já vinha me incomodando. Suas experiências descrevem bem, a sensação de frustração que sentimos ao ter que “optar” rapidamente por algo, em meio a tantas opções. Acertar na escolha hoje em dia é como acertar o prêmio de uma loteria. Muito relevante, parabéns pelo texto! 🙂👏🏻✍🏻📚
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Adriana,
Muito obrigado pelo seu comentário.
De fato, tantas alternativas à escolher geram frustração e cansaço, mas parece uma tendência inevitável dos tempos em que vivemos.
Fico contente que tenha “escolhido” ler meu texto!
Desejo sucesso em suas publicações, sempre bem elaboradas e com bom conteúdo. Leitura boa para mim é a que captura a nossa atenção e faz pensar, como é o caso de seus textos.
Fique com Deus!
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E também, o tempo que “perdemos” passeando nesses catálogos, é frustante. Mas, como você mesmo citou, Antônio Carlos, é uma tendência inevitável nos dias atuais. Gratidão mais uma vez, também desejo sucesso e que seus textos alcancem muitos leitores. Um abençoado domingo! 🙂🙏🏻✨✍🏻🌌🧚🏻
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