Eu sou muito confundido. Note o leitor que não escrevi confuso, o que também é possível que eu seja, mas me refiro ao engano de pessoas que pensam me conhecer, o que ocorre com uma frequência inacreditável.
A partir dos meus 25 anos, talvez por uma praga que me rogaram ou uma punição divina por múltiplos e graves pecados, passei a ser confundido com outras pessoas. Trata-se de um mal desconhecido pela ciência e, portanto, sem diagnóstico, remédio ou sequer cuidados paliativos.
Tudo começou no Aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro. Sozinho, batia pernas por ali aguardando o horário do meu voo, quando um sujeito veio sorridente ao meu encontro:
— Opa! Como vai, tudo bem?
— Tudo… — respondi, quando minha vontade era perguntar quem era.
— Quanto tempo, hein? — prosseguiu ele, fingindo não perceber meu desconcerto.
— Pois é…
Como podem notar eu estava muito criativo e com grande presença de espírito. Se fosse hoje em dia, acho que nem responderia por achar que se tratava de um golpe, mas naquele tempo as coisas eram bem mais tranquilas. O constrangimento continuou:
— Não está lembrando de mim? — arriscou ele.
— De onde nos conhecemos mesmo?
— Rapaz, estudamos juntos na Faculdade. Nossos bons tempos na Ilha do Fundão!
Ao me chamar de “rapaz” ficou claro que não sabia meu nome. E ao achar que estudei na Universidade Federal do Rio de Janeiro ficou claro que não me conhecia.
— Desculpe. Eu não estudei lá.
— Então deve ser do trabalho. Você trabalhou na Bolsa de Valores?
— Também não.
— Já sei. Frequenta o Clube Marina, na Barra da Tijuca.
— Não, não.
A cada tentativa o embaraço era maior.
— Não é possível! Tenho certeza de que te conheço. Você morou no Bairro Peixoto, em Copacabana.
Tive que revelar a ele o óbvio:
— Meu amigo, você está me confundindo com alguém.
Aí ele deu o golpe de misericórdia:
— Você tem irmão gêmeo?
Desisti.
Olhei para o relógio, disse que estava na hora do meu embarque e me livrei dele, rezando para que não estivesse no mesmo voo.
Algumas semanas depois, passei apressado por uma pessoa na calçada. Esta, sem sequer reduzir o passo, me cumprimentou com um aceno e exclamou de longe:
— Opa! Tudo bem?
Dei um sorriso e acenei de volta. Nunca o tinha visto…
Daí para frente este infortúnio passou a me perseguir sem dar trégua. Às vezes dois na mesma semana, depois um pouco mais espaçado, mas até hoje é difícil acontecer de passar um ou dois meses da minha vida sem ser confundido com alguém.
Vez por outra, ao ser apresentado a uma pessoa, ouço:
— Acho que te conheço de algum lugar…
Já acostumado a estes enganos, respondo:
— Pode ser. Mas sou muito confundido. Devo ter uma aparência bem comum.
Quase sempre isto é inútil e a pessoa insiste em dizer que ainda vai lembrar de onde me conhece, o que nunca ocorre.
Isso já me causou problemas no início do namoro com minha mulher. Nas primeiras vezes, sempre que alguém me cumprimentava, ela perguntava:
— Quem é?
— Sei lá.
— Você não conhece e te cumprimentou?
— É.
— Mas você respondeu ao cumprimento.
— Você queria que eu fizesse o quê?
Com o tempo, ela foi se acostumando e quando o acontecimento se repetia, apenas achava engraçado. Após mais um tempo, parou de achar graça, pois existe um limite para rir da mesma piada.
No metrô, na rua, em bares e restaurantes, em festas e até dentro de avião alguém sempre me “reconhecia”, apenas sorrindo, acenando com a cabeça, dando um tchau ou, em casos mais críticos, apertando minha mão e tentando saber a origem oculta do nosso conhecimento, nunca confirmado. Cheguei a cogitar a possibilidade de existirem centenas de sósias meus circulando por aí.
Já fui confundido até em banheiro público, único local em que achei que estaria a salvo desta fatalidade, pelo constrangimento natural que paira como uma nuvem negra no banheiro masculino, onde os homes entram correndo e saem voando.
Certo dia, ainda com pouco tempo de casados, fui com minha mulher a um restaurante que nunca havíamos frequentado, num shopping em São Conrado. Ao chegar o maitre me recebeu efusivamente:
— Doutor, há quanto tempo não aparecia. Está tudo bem?
E nos levou até a mesa, chorando saudades e derramando gentilezas. Quando nos deixou a sós, veio o inevitável questionamento de minha mulher:
— Você disse que nunca tinha vindo aqui.
— Sim. É a primeira vez.
— Como ele te conhece?
— Não conhece, mas vamos tirar proveito disso.
É que no caminho para o restaurante pensamos em ir ao cinema depois do almoço, mas naquele tempo era preciso pagar em dinheiro e o que tínhamos em espécie era insuficiente. Também não havia banco 24 horas e pouco se usava cartão de crédito e sim o pagamento por cheque.
Quando veio a conta fiz um cheque com valor superior e pedi o troco em dinheiro. O maitre rebolou, mas não tinha como negar o favor a um cliente habitual, que conhecia tão bem, amigo quase íntimo. Foi a única vez em que tive algum proveito desta sina.
Nos últimos meses, estou em Portugal por circunstâncias de família. E da Covid. Animado, logo imaginei que aqui, em país estranho e ainda mais de máscara, estaria livre da maldição.
No primeiro mês passei incógnito, o que muito me alegrou. Mas pouco desfrutei das delícias da privacidade. Um infeliz, de cabelos brancos como eu, de máscara também branca como eu, me olhou fixamente na calçada e ao cruzar comigo, acenou com a cabeça e levantou levemente a mão direita. Para não passar por brasileiro mal educado, não tive alternativa a não ser corresponder ao cumprimento. Daí para frente abriu a porteira e já fui cumprimentado umas 8 vezes por lusitanos desconhecidos…
Como tudo na vida, ser famoso deve ter muitos bônus. Mas até hoje não entendi como, sem ser famoso, fiquei apenas com os ônus.
Recentemente tive uma ideia, mas ainda estou avaliando se poderá me livrar deste vaticínio: vou mandar fazer camisetas brancas com uma frase escrita em grandes letras pretas:
— NÃO SOU EU!
Antonio Carlos Sarmento
Hahahaha! Realmente não me vi nessa sua crônica porque nunca fui confundido. Vi que você está em Portugal, lugar que amo e onde vive meu filho mais velho e meus tri-netos (2 meninas e 1 menino). Estou esperando passar essa pandemia para visita-los ou traze-los a Miami. Bom domingo, boa semana e que Deus e N.sra. De Fatima os protejam.
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Meu Deus Luigi, tri-netos!!!! Que maravilha!
Se vier visitá-los me avise, ok? Estou na cidade do Porto e ainda não sei quando poderei voltar ao Brasil pois com a situação da pandemia os voos estão suspensos…
Grande abraço, uma ótima semana na paz de Deus!
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Adorei! Isso já aconteceu uma ou duas vezes com minha mãe, mas nunca imaginei que pudesse acontecer tantas! E até em terras lusitanas. Quem diria!
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Oi Tati,
Por isso eu classifiquei como uma sina…
Muito obrigado por comentar!
Um grande abraço e uma ótima semana.
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É, já também passei por poucas e boas ao ser confundido, principalmente porque sou pouco aquinhoado no item memória.
Sempre achava que era minha a culpa e mesmo após o episódio eu ficava remoendo achando que tinha uma parcela de culpa.
Me recordei com sua crônica de uma do Fernando Verissimo que o tema era que a cada decisão nossa, nos dividiamos em dois, um que seguiu o sim e outro o não, dividindo também o mundo que vivemos.
Quem sabe esses vários mundos tem interseções com o mundo de outras pessoas, rs?
Enfim, tenhamos todos um bom domingo.
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Rômulo,
Gostei do link com a crônica do Veríssimo. Vou procurar ela para ler pois pareceu bem interessante.
Um grande abraço, primo e muito obrigado pelo comentário.
Desejo uma maravilhosa semana!
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Realmente é interessante e engraçado, mas talvez seja porque não te conhecer seja uma grande perda para as pessoas.
Sou suspeito, fã é f…! , digo, Fogo!
Bjs
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Valeu Chico!
Você é suspeito mesmo: coisas de irmãos…
Grato por comentar.
Beijos para você, Helen e Pedrão. Muitas saudades…
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Antonio Carlos:
Vou lhe sugerir outra fase, para constar da camisa: “ Você está me confundindo, sou outro !!!”
Sds.
Carlos Vieira Reis
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Amigo Carlos,
Muito bom! Entrou na brincadeira, não é?
Muito grato por comentar.
Receba o meu abraço e o desejo de uma semana com muita saúde e tranquilidade.
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Querido amigo.
Hoje pela manhã tive uma agradável constatação. Sou um inconfundível viciado nas suas crônicas dominicais. Não consigo tomar o café sem antes degustar o que escreve. Hoje mais uma vez somos brindados com um tema interessante. No seu caso você paga o preço de ser um homem bonito e desde o tempo de rapaz… Hui….
Não tive a mesma sorte e por ser muito feio me tornei um ser inconfundível…
Dizem que fiquei menos feio agora que envelheci… Não levei muito a sério pois esse comentário vem principalmente da Jaciara… Mas como dizem que a beleza das pessoas vem do interior eu me consolo embora não seja decorador.
Parabéns amigo e bom domingo.
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Querido amigo Nei,
Ri muito com o seu comentário.
Você é realmente inconfundível, pelo bom humor e presença de espírito!
E sem talento para decorador…
Beijos para você e Jaciara e que Deus os conserve com saúde e felizes!
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Kkkkkkk… que impressionante!
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Fefe,
Não sei se sabia disso, mas acontece de fato comigo.
Obrigado por comentar e por aqui, em primeira mão, mando um beijo amoroso para este bebezinho que está a caminho.
Por favor peça a ele para me esperar chegar no Brasil…
Uma maravilhosa semana para você e Marcos!
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Já vi isso acontecer quando a intenção era iniciar uma paquera mas , no seu caso acho que não,kkk. Pior deve ter sido ter que dar tantas explicações para a esposa.
Beijão e saudades. A propósito, hoje tomem a segunda dose da Coronavac. Ser velho não tem só desvantagens.
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Amiga Lucia,
De fato foram muitas explicações…
Fico contente que já esteja vacinada com a segunda dose: uma maior tranquilidade nestes tempos tão complicados.
E é claro que ser velho não tem só desvantagens!
Uma ótima semana, com muita saúde e alegrias.
Beijos
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kkkk… concordo que a camiseta teria que ter a frase: Você está confundindo, sou o outro.
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hahahahaha
Boa Cris. Eu quis ser mais enigmático, mas com certeza não iria funcionar.
Obrigado pelo comentário.
Uma ótima semana a você, Guimo e toda a família.
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Caro Amigo, Muito boa noite, Não se sinta constrangido, encabulado ou aborrecido, com isso . . . É o resultado da sua simpatia, você é simpático, amável, inteligente, tanto que todos, mesmo os que não o conhecem, e quando o vêem, têm a impressão de estar diante de um antigo conhecido, isto é bom, pode ter certeza . . . Recomendações à Sônio, à Tatiane, ao Gui e ao Jean . . .
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Sensacional, JH!
Sua generosidade não tem limites…
Obrigado pelo comentário, meu querido amigo.
Uma maravilhosa semana a você e sua amada família!
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Ei querido cronista!
Essse tema consigo encarar com mais leveza. Até confesso que não me incomodaria nem um pouquinho se fosse confundida com Juliana Paes ou Maitê Proença .
Também me agradaria iniciar uma conversa ou mesmo uma amizade depois de uma abordagem desse tipo.
Principalmente se estivesse em Portugal, com esse povo maravilhoso que faz parte de minhas origens.
Desculpe, mas agora vou importuna- lo : eu o achava muito parecido com Christopher Plummer no filme A Noviça Rebelde ( 1965) . Dava para confundir.
Confira!
Grande abraço!
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Minha querida prima,
Muito bom ser confundida com estas beldades, não é?
Mas fico pensando que os famosos pagam um preço caro pela popularidade…
Vou conferir esta semelhança que você aponta, pois não me lembro do ator (e nem do filme… hahahaha).
Muito obrigado por comentar.
Desejo uma maravilhosa semana junto às suas filhas e netos.
Beijos
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Rsrsrs…as vezes também acontece comigo! Bjs
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Minha querida prima,
É algo realmente engraçado.
Com você deve ser algum paquera querendo iniciar uma conversa – hahahaha
Beijos e tenham uma semana de muita saúde, recheada de bons momentos.
Lembranças à Cleia!
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Oi Sarmento!! Quem me passou sua crônica foi Letícia, com elogios. Não pude deixar de ler e ao ler realmente foi um deleite divertido. Já estou aqui nos seguidores aguardando as próximas. Saúde e boas inspirações lusitanas!!
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Oi Yara,
Uma grande alegria voltarmos ao contato.
Espero que esteja bem, aproveitando a vida e com saúde, junto à sua família.
Como agora está me seguindo, você vai receber as crônicas por e-mail, mas se quiser pode ler no site que acho mais agradável.
Tenho me divertido escrevendo as crônicas: em maio faz 2 anos que comecei e tem sido gratificante.
Fico realmente feliz por você estar acompanhando! Caso queira pode divulgar a outros colegas nossos ou seus amigos.
Um grande abraço e desejo muitas felicidades!
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Acho que raras vezes passei por isso, mas me lembro de uma em particular que foi horrível. Estava no ônibus indo ao trabalho quando uma moça se sentou ao meu lado. Logo depois, perguntou se eu não era o “fulano”. Disse que não. Ela perguntou por “ciclano”. Depois, por “beltrano”. E passou o trajeto inteiro desfiando um corolário de nomes. Foram quarenta minutos até que eu chegasse finalmente ao destino e me livrasse da sina de tentar convencê-la de que eu não era outra pessoa.
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Pois é Pedro,
Agora multiplique esta experiência por inúmeras vezes e terá uma noção do que chamei de “sina”…
Obrigado por seu comentário e por compartilhar suas histórias.
Abraços
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Muito boa crônica meu amigo, deve ser bem chato, isso. Forte abraço
Enviado do meu iPhone
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Valeu meu irmão Luiz Carlos!
Grato por seu comentário.
Fique com Deus e tenham uma ótima semana.
Abraços e saudades…
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Em tempo!!!
Você pode ser confundido externamente irmão… mas por dentro você é rara pessoa, ser humano ímpar e inconfundível!!!
Bjo
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Minha irmã,
Você exagera na bondade.
Obrigado por comentar e sempre acompanhar minhas crônicas.
Beijos, Vovó do Tom!!!!
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