CHURRASCO COM CHURCHILL

Daqui a alguns anos ninguém mais terá um automóvel. Foi o que concluí ao ler uma reportagem sobre o carro do futuro, que irá trafegar sem motorista. Será o carro de aluguel na versão século XXI.

Afirma a matéria que, daqui a pouco tempo, quem precisar se deslocar de automóvel vai apenas sacar o celular, abrir um aplicativo e digitar o destino. Em pouco tempo, um veículo elétrico autônomo irá parar diante do cliente e abrir a porta. O felizardo então tomará assento e será levado tranquilamente ao seu destino sem sequer apertar um botão. No percurso poderá ler, dormir, ouvir música, falar ao celular ou simplesmente observar a paisagem.

Li esta projeção e achei crível. E incrível!

Há poucos dias, estando em Portugal, precisei ir a um endereço sem ter a menor noção de onde se localizava, numa cidade que conheço bem pouco. Pois bem, peguei emprestado o carro do meu genro, marquei o destino no mapa digital do celular e uma gentil senhorita de voz suave me conduziu com segurança e precisão: “dobre à direita, mantenha-se à esquerda, em 300 metros na rotatória pegue a segunda saída, etc…” Ela falava, eu fazia! Em 15 minutos, sem titubear nem errar uma rua, cheguei ao destino. Hoje parece banal, mas há bem poucos anos isto seria inimaginável.

Quando a tecnologia muda, o mundo muda. E a pessoa fica muda: não há o que falar, apenas assimilar a novidade, se adaptar e procurar fazer a melhor utilização dos avanços tecnológicos. É formidável e desafiador viver toda esta evolução!

Porém, devo confessar que no caso do automóvel vou ter certa dificuldade nesses novos tempos, pois nunca gostei de aluguel. Esta aversão talvez tenha origem no episódio que passo a relatar. Meus leitores mais assíduos, neste ponto, devem pensar: lá vem ele com mais uma história…

No início da década de 1980, precisei mudar de rio: sair do Rio de Janeiro para o Rio Grande do Sul. Surgiu uma possibilidade de trabalhar na cidade de Porto Alegre e decidi aceitar. Afinal, o rio era grande e o porto era alegre. Irresistível!

Eu tinha um apartamento próprio no Rio de Janeiro que poderia alugar e usar este valor para morar na nova cidade, num imóvel também alugado. Assim pensei e assim fiz.

Precisava de uma administradora de imóveis no Rio de Janeiro e resolvi optar por uma que possuía um pequeno edifício de 3 andares no centro da cidade, numa rua pela qual eu passava frequentemente. Sim, escolhi a empresa pelo prédio, pois achei que precisava ser uma administradora de certo porte e não uma pequena empresa.

Era o mês de dezembro. Assinei os papéis e entreguei meu apartamento para gestão deles a partir do primeiro dia do novo ano. Ato contínuo, fui a Porto Alegre assinar o contrato de trabalho e procurar um imóvel para morar. Otimista, programei 3 dias para resolver tudo.

Lá chegando, fui a uma imobiliária escolhida ao acaso e vi três apartamentos. Optei por um deles e na hora de fechar o negócio me deparei com a surpresa de uma dificuldade intransponível: era preciso um fiador com imóvel na cidade. Este era um requisito inegociável.

Agradeci e me retirei, pois isso seria impossível. Eu não conhecia ninguém na cidade. Meu contato havia sido apenas com a pessoa que me contratou e pedir-lhe esse favor seria um desatino. Era capaz de rever minha contratação por desconfiar de insanidade mental…

Saí perambulando triste naquela Porto Alegre, sem saber o que fazer.

Resolvi tomar um café em busca de acalmar o pensamento e alcançar inspiração. Ocupei uma pequena mesa e tomei o café, que pareceu sem cor nem sabor. Permaneci ali, sentado, prostrado e desanimado.

Não sei porque veio à minha mente o notável inglês Winston Churchill, um dos personagens históricos que mais admiro. Foi primeiro ministro do Reino Unido por duas vezes, além de escritor talentoso e exímio frasista. Ganhou o prêmio Nobel de literatura no ano em que nasci — talvez seja a única coisa que temos em comum…

Churchill se referia ao otimista como alguém que vê oportunidade em toda dificuldade, ao contrário do pessimista que vê dificuldade em toda oportunidade. Eu que sempre me considerei otimista, como já disse alguns parágrafos atrás, precisava encontrar a tal oportunidade.

Dizia ainda Churchill que o fracasso não é fatal, o que conta é a coragem para continuar. Entretanto, a coragem relutava em se fazer presente. Eu vasculhava a mente tentando organizar possíveis alternativas, mas era como tentar ver a lua numa noite de céu nublado. Residir na cidade era agora um imperativo, já que não havia como voltar atrás nas decisões já tomadas e papéis assinados. Era preciso encontrar uma solução. Pedi outro café.

Foi quando o espírito de Churchill me soprou no ouvido e uma ideia lampejou. Animei-me. Muito melhor ser movido por uma ideia e passar a agir, que ficar letárgico, pensando, sem sair do lugar. Até uma ideia ruim é melhor que a paralisia.

Dei um pulo e alcancei o balcão do café onde pedi um catálogo telefônico, algo que os jovens de hoje desconhecem, pois são coisas de quando ainda não havia internet. Folheei freneticamente o grosso livro em busca do que procurava e ao virar uma página estava lá: a mesma administradora do Rio de Janeiro tinha filial em Porto Alegre. Grande Churchill!

Anotei o endereço e parti para lá. Meus olhos brilharam quando vi o letreiro, idêntico ao do prédio carioca onde eu havia estado há poucos dias. Senti-me em casa.

Apenas disse qual era o meu interesse e levaram-me a dois apartamentos. Ao visitar o segundo, encantei-me com um pequeno terraço e, o que buscava ansiosamente, uma churrasqueira. Nem olhei direito os outros cômodos, pois estava convencido de ter achado o que procurava: uma churrasqueira com um apartamento anexo.

Retornamos ao escritório e fomos aos documentos, preenchimento de fichas e, inevitavelmente, chegou a hora do ponto crítico:

— O senhor tem fiador com imóvel em Porto Alegre?

— Não tenho.

O sujeito ergueu as sobrancelhas.

— Com imóvel no Rio Grande do Sul?

— Também, não.

— Então não será possível. É uma exigência da qual não podemos abrir mão.

Foi a hora do xeque-mate. Expliquei que era proprietário de um apartamento entregue à mesma empresa no Rio de Janeiro e que poderiam utilizar como garantia. Bastava ajustar a procuração.

O funcionário não estava preparado para situações atípicas:

— Não é comum… Vou ter que levar o assunto ao meu diretor.

— Pode ir. Eu aguardo aqui mesmo.

Esperei tranquilo e confiante. Eu tinha o aval de Churchill de que aquilo daria certo. Lembrei mais uma de suas frases:

A sorte não existe. Aquilo que chamas sorte é o cuidado com os pormenores.

Após quase uma hora de espera ele voltou sorridente e assinamos o contrato.

Morei lá por 2 anos e 104 churrascos, um a cada final de semana.

 

Antonio Carlos Sarmento

32 comentários em “CHURRASCO COM CHURCHILL”

  1. Ótima e bem realista. Passei por isso quando fui abrir filial em São Paulo. Felizmente consegui usar um seguro que nem sabia que existia.
    Saudades e bom domingo!!! Beijão!!!

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  2. Lembro bem dessa situação!
    Mas essa frase é pra guardar na cabeceira e ler todos os dias. Ótima crônica! Sempre muito bom acordar no domingo com uma boa leitura!

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  3. Caro Amigo, Muito bom dia, Brilhante como sempre . . . Destaco, hoje, o parágrafo: “Quando a tecnologia muda, o mundo muda. E a pessoa fica muda: não há o que falar, apenas assimilar a novidade, se adaptar e procurar fazer a melhor utilização dos avanços tecnológicos. É formidável e desafiador viver toda esta evolução!” Recordei dois ensinamentos do Mestre C.B.G.P: 1º ” O poder de adaptação é como uma palavra de ordem. Saber adaptar-se significa haver compreendido um dos sinais com que se expressa a Vontade Universal.” 2º “A Lei de Adaptação é tão inflexível que não admite meios termos entre uma e outra situação: ou se muda ou não se muda.” Recomendações à sua linda família.

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    1. Amigo JH,
      Seu comentário ilustra e enriquece.
      Recebi também seu e-mail com indicações de leituras e certamente vai ser muito útil. Um bom livro é uma joia!
      Como sempre fico curioso com os seus destaques, pois me interessa saber o que chamou mais a atenção ou levou à reflexão.
      Muito obrigado, meu querido amigo!
      Um beijo em toda a família e um especial na Catarina!!!

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  4. Ótima crônica. Nos faz refletir na importancia de procurar o espremedor de limões quando num lampejo, a vida nos da limoes. Sempre me achei um otimista, mas lendo sua crônica, cheguei a conclusão de que devo investir na minha “conversao” ao otimismo. Ser cada vez mais otimista, assim como sou casa vez mais crente em Deus. Boa semana e saude.

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    1. Amigo Luigi,
      Eu já imaginava que você era otimista, pois seu constante bom humor e boa disposição demonstrados nos comentários, já revelavam esta característica.
      E a sua fé em Deus salta aos olhos.
      Acho que você já está bem, mas para estes dois aspectos “quanto mais, melhor”, certo?
      Grande abraço e uma maravilhosa semana à você e toda a sua família!

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  5. Genial meu irmão!!!
    É sempre muito melhor ter uma expectativa positiva em relação à vida, e você é pós graduado nesse quesito essencial pra viver bem!!!
    Permaneça um otimista de plantão e na pausa do café ☕ que traz boas ideias 💡!!!!
    Viva Cacau Churchill!!!

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  6. U Uma obs: Uma frase está errada no início da crônica, seria para mim: ” Lá vem ele com mais uma crônica muito boa, que sempre nos acrescenta bons momentos e sabedoria “.
    E assim, foi!
    Valeu Cacau !
    Grande beijo

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  7. Caro amigo Antonio Carlos:
    Parabéns pela excelente crônica.
    De fato, Churchill deveria ser a fonte inspiradora para a maioria absoluta dos políticos brasileiros, devido a sua genialidade e firmeza de caráter.
    Suas frases são celebres e deixaram marca indelével no nosso aprendizado de vida, sem se falar na sua marcante inteligência.
    Sds. e bom domingo para você e família.
    Carlos Vieira Reis

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    1. Meu caro amigo Carlos,
      Vejo que compartilha a mesma admiração que tenho por Churchill.
      Fico contente que tenha gostado da crônica e agradeço seu sempre bem-vindo comentário.
      Desejo uma ótima semana ao amigo e sua família!

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  8. Oi amigo parabéns como sempre por essa crônica tão atual e que nós leva a uma reflexão importante. Na vida não de emos es.orecer aos obstáculos há sempre um ca.inho a ser seguido é só fazer acontecer a solução. Abraços

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    1. Clarice,
      Fico realmente muito feliz de receber seu comentário.
      Para mim você é um exemplo de quem não esmorece diante de obstáculos e sabe, com serenidade, encontrar caminhos para alcançar as soluções.
      Não apenas eu acho isso, mas muitos e muitos colegas, como demonstra a adesão ao seu atual trabalho.
      Muito obrigado amiga!
      Desejo uma ótima semana.

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  9. Querido amigo.
    Mais um presente nessa manhã de domingo com linda e inteligente crônica.
    Achei incrível a sua imaginação de aliar os conceitos do brilhante Churchill com uma história que pode ocorrer com qualquer um de nós. Parabéns amigo e ansiosamente até a próxima. Abrs.

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    1. Querido amigo Nei,
      Seu comentário me alegra!
      Saber que aos domingos já acorda em busca de ler a crônica, me coloca grande responsabilidade…
      Obrigado pelas palavras gentis.
      Um grande abraço e beijo na Jaciara!

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  10. Ao amigo e irmão Antônio Carlos.
    É prazeroso acompanhar seus comentários nas crônicas, gosto muito, obrigado.
    Tenho por convicção que o nosso Deus nos retribui aquilo que damos ao próximo e a Deus, assim, devemos pensar e agir em nossa conduta.
    Um fraterno abraço e obrigado amigo, pela consideração em compartilhar e de enviar a sua crônica.
    Oslúzio

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    1. Meu querido amigo Oslúzio,
      Saiba que fico muito contente em saber que você está apreciando as crônicas.
      É um grande prazer ter você como leitor assíduo e sempre comentando.
      Desejo ao amigo e sua amada família uma semana de paz e alegrias.
      Fique com Deus!

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  11. Mais uma excelente crônica.
    Muito obrigado meu amigo por compartilhar conosco suas experiências de vida, que nos ensina bastante.
    O Churchill era demais!
    Abração.

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    1. Amigo Newton,
      É uma alegria para mim compartilhar a crônica com você e receber de volta seus comentários, sempre gentis e amigáveis.
      De fato o Churchill era demais!
      Fiquem com Deus e tenham uma ótima semana!

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  12. Querido Cacau,
    Você lançando a crônica de amanhã e eu trocando idéias sobre o prazer de ler esta beleza que só o título já agrada.
    Para começar, a inspiração vem de Churchill e quem o admira tem credenciais suficientes para conquistar a credibilidade dos leitores.
    Depois, essa progressão de fatos otimistas que confirmam que os desafios devem ser encarados com paciência e ânimo de solução.
    Muitas vezes seus textos são lidos antes do café; outras, à tardinha, na calma da varanda. Mas para interagir com esse autor querido, preciso de um momento de dedicaçao exclusivo que , quase sempre, a alegria e a algazarra do maravilhoso João ou outras exigências me fazem adiar. Mas sempre presente, faço questão . Até porque admiro seu estilo, suas idéias e tenho prazer nas leituras.
    Beijo

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    1. Querida Gena,
      Muito merecida e necessária a atenção que você dá ao netinho João. Ele precisa deste amor de vó e você também!
      Que maravilha tê-lo tão pertinho, garantindo uma proximidade, intimidade e a vivência plena deste amor imenso. É de agradecer a Deus, não é mesmo minha prima?
      Fico muito feliz por você fazer questão de estar presente e apreciar a leitura, seja antes do café ou à tardinha.
      Obrigado por seu comentário sempre gentil e recheado de observações interessantes.
      Beijos

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  13. Gostei muito da menção: “Churchill se referia ao otimista como alguém que vê oportunidade em toda dificuldade, ao contrário do pessimista que vê dificuldade em toda oportunidade.”
    Realmente é um ensinamento de um grande homem. Temos que sempre seguir em frente pois alternativas vão surgir em nossas vidas. Ficar sentado lamentando não tem cabimento, nem se for para esperar a nova crônica!

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