Era um tipo interessante. Eu o conheci no trabalho e seguimos juntos por longos anos. Tinha uns 20 anos a mais que eu e costumava buscar nele a vivência, o traquejo que me faltava. Além do mais, havia uma afinidade natural entre nós, o que facilitava o relacionamento e acabou por fazer dele uma espécie de conselheiro no campo profissional.
Vitor era uma pessoa equilibrada, demonstrava bom senso e possuía uma grande experiência acumulada, na qual eu estava sempre interessado. Acho que aprendemos muito com nossas próprias experiências, claro, mas é também inteligente e enriquecedor aprendermos com as experiências de outros.
Hoje, refletindo sobre o tema, fico achando que, em todas as empresas, os jovens precisariam de um conselheiro para apoiá-los, ao menos no início de suas carreiras. De certa forma, uma extensão do papel do professor.
Fomos companheiros de trabalho por muitos anos e nossas conversas diárias me ajudaram muito, especialmente diante de decisões importantes. Claro que não vou cansar meu prezado leitor contando situações do contexto do trabalho, mas devo dizer que, sobretudo, apreciava nele uma característica tão rara quanto valiosa: a capacidade de rir de si mesmo.
E trago aqui duas ocasiões em que essa capacidade se revelou e muito me ensinou.
Vitor era português e, como de hábito no Brasil, estava sempre sob risco de ser alvo de piadas. Ele, entretanto, reverteu com inteligência e bom humor esta possível situação desconfortável. Em várias ocasiões, quando se discutia um importante texto de uma carta ou relatório, em que havia dúvida sobre a clareza do conteúdo ou diante da possibilidade de interpretações equivocadas, Vitor propunha:
— Olhem, a melhor forma de resolvermos isto é a seguinte: eu vou ler. Se eu que sou português conseguir entender, qualquer pessoa que leia também vai conseguir.
A proposta era seguida de risos.
Vitor, desta forma, angariou a simpatia e o apreço de toda a equipe. Esta pequena piada acabou se tornando uma marca dele: cheguei a presenciar momentos em que na discussão de um documento, mesmo na sua ausência, alguém dizia: como está acho que o Vitor não vai entender. Todos riam, mas ficava claro que o documento precisava de uma revisão.
Com aquela pequena e inteligente piada, Vitor transformou-se em uma espécie de referência para bons textos. Muitas e muitas vezes nós levávamos os escritos para submeter à sua análise e obter seus úteis conselhos.
Recordo também uma passagem contada por ele sobre uma confraternização com seus colegas de faculdade, 20 anos depois da formatura. Vários dias antes do evento, Vitor já comentava com empolgação sobre a importante data, quando encontraria seus companheiros de tempos idos, saberia dos rumos da vida de cada um, das diversas experiências daqueles que conheceu nos bancos da universidade.
Preciso mencionar que Vitor tinha um carro importado, que conseguiu trazer para o Brasil sem pagar impostos, após um longo período de trabalho em um país estrangeiro. Era um Mercedes Benz impecável, muito bem cuidado e que ele sequer cogitava vender ou trocar por outro carro. Tinha orgulho do automóvel e das lembranças que ele representava.
Houve então a festa tão aguardada.
No dia seguinte, mais por educação que por curiosidade, perguntei ao Vitor como havia sido o encontro.
— Cheguei à conclusão que sou muito antiquado — disse ele, fingindo desânimo.
— Mas por quê? — indaguei.
— Eu sou a pessoa mais tradicionalista da minha turma. Poderia ser a mais conversadora, mas por uma simples troca de letra, sou a mais conservadora!
— Fala logo o que aconteceu, Vitor!
— Conversei com todos os meus colegas de turma. Pois bem, soube da vida de todos, sem exceção, e percebi como sou anacrônico.
— Não acho que você seja um sujeito tão desatualizado — tentei.
— Mas sou — reafirmou, aparentando desânimo.
Fez uma pausa e completou em tom de confissão:
— Nesses vinte anos eu fui o único que não trocou de carro, nem de mulher!
Eu ri, claro. Ele então continuou, já sorrindo:
— É verdade. Todos os meus colegas já tinham trocado de carro ou trocado de mulher. Só o retrógrado aqui estava com o mesmo carro e com a mesma mulher…
Ri mais um pouco da brincadeira.
Claro que ele valorizava aquele automóvel e era muito feliz em seu casamento, mas com inteligência e picardia transformou o que seria um relato monótono e sem maiores interesses para mim, numa oportunidade incomum e bem-humorada. Outros colegas podem ter me contado sobre confraternizações deste tipo, mas é desta, apenas desta, que me lembro.
Aprendi com Vitor que a capacidade de rir de si mesmo é algo para os fortes. Os fracos parecem preferir ficar lustrando sua autoimagem e contando seus sucessos ao invés de se arriscar num comportamento que veem como autodepreciativo.
Chego a pensar que talvez aí esteja o limite entre a autoconfiança, tão desejável, e a arrogância, tão detestável. A soberba nunca vai permitir que alguém ria de si. Vai rir sempre dos outros e, se possível, com sarcasmo.
Enfim, aprendi com o Vitor a admirar as pessoas que possuem esta capacidade, esta autoestima na dose certa, que conseguem ver graça em suas próprias atitudes e têm a coragem de compartilhar isso com outras pessoas. É a arte de transformar o ridículo em risível.
Encerro com uma frase, cujo autor desconheço, mas admiro:
“Aquele que não consegue rir de si mesmo, deixa este trabalho para os outros.”
Antonio Carlos Sarmento
Otima crônica e motivo de reflexão nesses tempos tão estranhos. O Frejat do antigo Barão vermelho, escreveu uma música cuja letra diz que … rir é bom, mas rir de tudo é desespero… Mas eu acho que nesses dias que vivemos devemos saber rir de nós, que é bom, e rir de tudo porque se começarmos a levar esses tempos a serio, vamos nos tornar e tornar nossa vida e a dos amigos insuportáveis. Proponho esse exercício diario e constante de olhar a vida sem leva-la a sério. Obs.: Tenho orgulhosos 67 anos e hoje posso me dar a esse “luxo”. Sarmento grande domingo, grande semana e Deus lhe abençoe e a sua família.
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Valeu Luigi!
Muito obrigado por seus comentários. Bem lembrada a letra do Frejat e de fato é um momento para a gente buscar o bom humor e, claro, rirmos de nós mesmos.
Uma ótima semana por aí meu caro amigo. Fiquem com Deus!
Grande abraço!
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Prezado Amigo, Muito bom dia. Mais uma bela crônica, de fato, como estampada numa seção da famosa revista “Seleções”: Rir é o melhor remédio, mas rir de si mesmo não é para os fracos. Parabéns!!! Recomendações à Sônia, à Tatiana, ao Jean, ao pequeno Gui, que aniversariou esta semana, e demais familiares.
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Querido amigo JH,
Muito obrigado. Me lembro desta expressão rir é o melhor remédio, pois realmente alivia as tensões e traz bem estar.
O aniversário do Gui foi muito comemorado por aqui. Obrigado por lembrar, meu amigo.
Uma ótima semana e fiquem com Deus!
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Muito bom meu irmão!!
O bom humor é uma dádiva ,pois colabora pra qualidade de vida além de ser contagiante !!☺
Rir de si mesmo então é uma manifestação de elevada autoestima , de aceitação e acolhimento pessoal!!
Bjkas lusitanas!
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Minha irmã,
Obrigado por comentar.
Também acho que o bom humor é contagiante e nos faz muito bem.
Como devemos tirar o peso excessivo dos acontecimentos e rir um pouco, inclusive de si mesmo, não é?
Beijos e uma ótima semana por aí, com o Tom, claro!
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Me vi refletido no personagem desta crônica, um sujeito que tem uma camionete 1984 e um único casamento …
Enfim, um sujeito que parou no tempo, completamente defasado, digno de ir para um museu, e que eventualmente ainda faz piadas com seus próprios fracassos ou mesmo vitórias para dar um pouco de suavidade a vida e torna lá mais palatável e até mostrar um certo desprezo por sua grandiosidade.
O Vitor acredito eu, que seja um personagem cotidiano ao contrário dos carrancudos e extremamente exigentes que devem estar em extinção.
Parabéns por esta crônica para degustar com meu café da manhã
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Caro primo Rômulo,
Me diverti com sua comparação com o Vitor. Que bom ter se encontrado na história da crônica. Mantenha sempre seu bom humor!
Grande abraço, primo e uma maravilhosa semana por aí!
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Muito bom !
Atualmente, vejo que ainda existem ” Vitor”, porém são mais raros.
E refletindo sobre sua crônica, observo essas características em pessoas com idade mais adulta, mais avançada.
Talvez a internet, juntando- se a educação precária e famílias despreparadas, tenham feito os jovens meros repetidores de constantes e inúmeras informações a todo momento. Nunca tivemos ou poderíamos imaginar tanto conteúdo bons e ruins nessa velocidade.
E aí, acredito que os “Vitor” são mais raros, os contatos pessoais cada vez são mais incomuns, amizades virtuais.
Evidentemente temos as excessões, formados por famílias que ainda existem.
Beijos
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Valeu Chico!
Você é um “Vitor” também, pois tem o bom humor como uma marca sua.
Obrigado pelo comentário e desejo uma maravilhosa semana.
Beijos no Pedrão e na Helen.
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🙂 conservar o que é bom sempre será inteligente
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Isso ai Fefe!
Obrigado por comentar.
Uma ótima semana para vocês e uma beijoca especial no fofinho do Tom!
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Prezado amigo, bom dia e primeiramente parabéns pelo “niver” do seu querido neto. A crônica de hoje me fez rir, pois também tenho um amigo (que já não vejo algum tempo) que também ria de si mesmo e eu estranhava muito isso, mas acho que é preciso ter muita auto crítica para tal, acho que é muita confiança em si mesmo. Um grande abraço e fiquem com Deus.
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Querido amigo Aylton.
Muito obrigado por lembrar do aniversário de 3 anos do Guilherme.
Se a crônica fez você rir já estou recompensado.
Muito obrigado por comentar, meu irmão. Desejo uma ótima semana, seja no Rio, em Teresópolis ou Campinas.
Bjs para Regínia e fiquem com Deus!
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Prezado Antonio Carlos:
Acho que a foto da lindíssima Mercedes Bens, ano 1967, modelo 230-S, Fanteil, deve ser por pura provocação ao meu gosto por carros antigos.
Acho que o Vitor tinha uma outra qualidade, não revelada por você: apreciava bons e belos carros. Se ainda estiver na sua propriedade, parabenizo-o pelo carinho que deve tratar este raro exemplar da indústria alemã.
Sds. do amigo leitor,
Carlos Vieira Reis
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Prezado amigo Carlos,
Toquei no seu ponto fraco, não é? hahahaha
Considere a foto do precioso carro como uma homenagem a você.
Agradeço por nos informar com precisão as características do modelo da foto.
O Vitor com certeza apreciava bons e belos carros, como você.
Muito obrigado pelo comentário!
Desejo ao amigo uma excelente semana junto aos seus!
Grande abraço!
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Belíssima crônica !!!
Bjs
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Muito obrigado, Marilete!
Uma ótima semana a vocês aí no forninho do Rio…
Bjs e até breve.
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Começando bem o domingo com sua crônica e o friozinho de Michigan. Beijão
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Amiga Lucia,
Também estou no friozinho, aqui em Portugal. Mas hoje começa a primavera e logo vai melhorar.
Tudo de bom por aí, minha amiga. E que sua documentação logo fique resolvida de modo favorável.
Beijos!
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Um verdadeiro artista da inteligência, esse seu colega. E sendo eu portuguesa, prezo saber que essa inteligência e carisma deixou marca por aí em quem o conheceu. Humor, inteligência e saber rir de si próprio é apenas dom de alguns.
Desejo uma boa semana!
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Dulce,
Muito grato por seu comentário.
Acho também que são raras as qualidades de humor, inteligência e a sabedoria de rir de si mesmo.
Uma ótima semana com a chegada da primavera, que certamente vai te ofertar motivos e imagens para belos posts.
Saudações daqui da cidade do Porto!
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Obrigada e bons passeios por essa bela cidade!
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O riso é a chave para despertar a alegria e o bom humor!!! Bela crônica, primo!!! Bjs
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Sem dúvida, prima!
Muito obrigado por seu comentário. Fico contente que tenha apreciado a crônica.
Mil beijos!
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Nada mais libertador que rir de si mesmo… Vitor realmente era uma pessoa interessante e suas palavras o retrataram muito bem. Valeu Sarmento!!
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Yara,
Que bom ter se lembrado dele.
Estou em busca de fazer contato ou ter notícias do Vitor, mas até agora não achei uma pista…
Saudades daqueles tempos.
Grande abraço e desejo uma ótima semana!
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Caro amigo AC
Adorei a crônica e admirei o Vitor.
Realmente, capacidade de rir de si mesmo é um dom admirável.
Vitor, além de ter este precioso dom, ainda o utiliza com criatividade e inteligência em situações oportunas, fazendo com que todos entendam bem e com humor .
Meu amigo, com certeza você aprendeu com as lições do Vitor da mesma forma que eu aprendi com você. Forte abraço. Aguardo notícias da Terrinha e foto do Guilherme!
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Meu amigo Rodolpho,
Nossa amizade sempre foi uma troca de aprendizados e lições.
Fico de fato muito feliz que tenha gostado da crônica.
Aguarde a foto do Gui em breve, sabendo que seu amigo é muito ruim nesta matéria…
Grande abraço e uma maravilhosa semana por aí!
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Esse Vitor deve ser gente boa demais!! Adorei a crônica e a história!
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Obrigado Nicole!
Muito feliz de receber seu comentário e saber que gostou da crônica.
Grande abraço e uma ótima semana!
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Com o riso a vida é mais leve.
Conviver com pessoas de culturas diferentes é muito enriquecidor, ainda mais sendo inteligentes, com visão de vida especial.
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E como precisamos de mais leveza, não é Guilhermina?
Muito obrigado por seu comentário.
Grande abraço e uma ótima semana!
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Já tive oportunidade de comentar que suas crônicas, além de divertidas, são motivos de reflexão para mim, pois sempre toca em alguma coisa da minha vida.
Suas últimas crônicas não comentei mas me fizeram pensar em várias situações que vivenciei.
esta última foi interessante porque também me fez lembrar várias situações de carros antigos, rir de si mesmo, autocrítica, casado com a mesma mulher há 38 anos e por aí vai.
Muito obrigado querido amigo por esses maravilhosos momentos de reflexão.
Abraços e uma semana abençoada!
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Caro amigo Newton,
Seu comentário me deixa feliz pois você se refere ao fato de ter se divertido e também encontrar motivos para reflexão.
E esse é exatamente meu propósito, como consta no slogan do site: “histórias leves e curtas para divertir e fazer pensar”.
Agradeço muito por sua generosidade de sempre comentar as crônicas: é muito importante para quem escreve.
Um grande abraço à você e Nuri e uma maravilhosa semana!
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