Passei o domingo fazendo uma aula de culinária. Foi uma experiência interessante. Na turma éramos 10 pessoas, dentre elas, um amigo mais avançado no assunto e entusiasmado com a arte de cozinhar, que me motivou a experimentar o curso.
A sala de aula tinha bancadas, com pia, fogão e todos os utensílios necessários à elaboração das receitas. Formamos duplas e nos distribuímos para fazer os pratos, sob o comando da chef que nos orientava nas preparações.
Tudo ia bem, até que no início da tarde, meu amigo viu uma abelha solitária voando junto ao vidro e alertou duas alunas que estavam na bancada próxima ao local:
— Cuidado, tem uma abelha na porta de vidro atrás de vocês.
Uma delas pegou um pano de pratos ameaçadoramente, mas antes que tomasse qualquer iniciativa, sua companheira de bancada alertou:
— Não provoca ela! É perigoso.
— Se é perigoso temos que fazer alguma coisa — rebateu a colega.
A abelha, indiferente à polêmica que se instalava, voejava ao longo do vidro.
Percebendo o burburinho, a chef perguntou:
— O que está havendo aí? Vamos evitar conversas, por favor.
— É que tem uma abelha ali — repetiu meu amigo.
— Abelha aqui dentro? Não é possível. O local é todo fechado. Não há como entrar uma abelha.
Eu via a abelha e ouvia a chef. Já tinha escutado falar que existe negação da realidade, mas não imaginava que podia ser de forma tão explícita. Comecei a duvidar da ideia de que contra fatos não há argumentos…
A moça do pano de prato não se conteve e sacudiu-o na direção do inseto. Sua companheira ficou nervosa:
— Não faz isso. Já falei para não provocar ela.
A esta altura a aula estava interrompida e a chef se aproximava para tentar restabelecer a normalidade:
— Como é que esta abelha entrou aqui?
Tive vontade de perguntar se isso era muito importante…
A moça do pano então perdeu a paciência e disparou um golpe capaz de eliminar um enxame. Mas a abelha revoou e agora zanzava num outro trecho da porta envidraçada.
A chef não se conformava:
— Dou aula aqui há muito tempo e nunca vi abelha dentro da sala.
Tive vontade de perguntar se isso era muito importante…
A moça da sociedade protetora das abelhas admoestou novamente a companheira de bancada:
— Olha que eu estou avisando: não provoca ela.
A outra moça então foi definitiva:
— Não estou provocando, estou matando!
Uma voz na sala interviu:
— Não mata o bichinho — sugeriu alguém condescendente.
Seguiram-se outras manifestações:
— Mata! — disse uma voz sanguinária.
— Tenta pegar com o pano e soltar lá fora — disse outra conciliadora.
— Este tipo de abelha não morde — garantiu uma voz especialista.
— Espera que ela sai sozinha — propôs uma otimista.
— Mata! — repetiu a sanguinária, em tom mais alto.
— Não mata! — retorquiu novamente, a mais piedosa, no mesmo tom.
As vozes se manifestavam e eu pensava que há tantas cabeças quantas são as maneiras de pensar. Numa pequena amostra de apenas 11 pessoas, diante de um acontecimento banal, as reações eram variadas, diversas e até mesmo adversas.
Cheguei a ter a impressão de que alguns ali já confundiam diferença com antagonismo. O tom de voz mais alto me fez lembrar a ideia de que, ao invés de elevar a voz, devemos buscar melhorar os argumentos, coisa que ali nem se cogitava…
Quase na mesma hora, a moça desfechou outra pancada em busca do inseto que esvoaçava em movimentos imprevisíveis. A capacidade da abelha de esquivar-se do pano era fabulosa!
— Gente, o tempo está passando — tentou a chef.
Tive vontade de perguntar se isso era muito importante…
A esta altura, a moça irritada dava golpes incessantes e errantes atrás da pobre coitada, enquanto se ouviam as palavras de ordem contraditórias.
Fiquei imaginando como seria se estivessem em questão naquele grupo, temas verdadeiramente importantes e complexos. Ah, a nossa dificuldade de conviver de modo racional com a diversidade humana…
Até que uma das tentativas da moça do pano passou bem perto e o deslocamento de ar jogou o inseto no chão. O animal, percebendo ser indesejado, esvaiu-se por baixo da porta, para alívio de todos. Uma retirada estratégica do inseto abelhudo.
A chef então concluiu, brilhantemente:
— Ele entrou por aí e saiu pelo mesmo lugar!
Tive vontade de perguntar se isso era muito importante…
Superado o episódio, voltamos à nossa bancada e o amigo perguntou-me:
— A aula é de culinária ou de apicultura?
— Para mim é de relações humanas…
Antonio Carlos Sarmento
O problema da relação humana foi o maior, bastante salgada, a abelha viu o clima e pensou: ” aqui não é minha praia ” eu gosto de doce.
Aventura de chefs!
Beijos
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É isso Chico.
Fiquemos com o mel das boas relações, como a nossa.
Abração e obrigado por comentar!
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Caro Amigo Sarmento, Muito boa noite, Sensacional!!! Mais uma vez . . . De fato, o quão é difícil gente viver com gente e, por conta disso, como é fácil sermos levados por pensamentos sem nenhuma importância, nos desviando do que é verdadeiramente importante . . . Parabéns!!! Recomendações à Sônia e demais familiares, sobretudo, os de além mar.
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Caro JH,
Muito obrigado! Seus comentários são sempre animadores e acrescentam no tema da crônica.
Valeu meu amigo!
Um ótimo domingo para você, Sueli, seus filhos e, claro, para a Catarina!
PS: estamos em Portugal e ficaremos até o início de setembro.
Abraços!
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Kkkkk nesses tempos bicudos, ou seriam tempos “ferrudos…” fiquei esperando, como bom glutão uma receita do curso. Mas pelo que vi só teriamos mel!!! Kkkk bom fds e que Deus te abençoe e te proteja.
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Amigo Luigi,
Fico devendo a receita, que seria melhor selecionada pelo amigo que me levou ao curso…
Por enquanto vamos ficando com a doçura do mel, não é mesmo? hahaha
Desejo uma maravilhosa semana a você e todos os seus, na paz de Deus!
Abraços!
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“O dilema da abelha” nos faz refletir como pequenas atitudes revelam o que realmente somos e o quanto questionamentos irrrevantes podem tomar nosso tempo. Muito bom!
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Oi Sandra,
Você percebeu exatamente o que tive intenção de transmitir.
Agradeço muito por comentar.
Um grande abraço a você, Frank e toda a sua amada família!
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Perfeita a analogia. Nesse pequeno grupo vemos a diversidade de ideias, posicionamentos e atitudes da própria sociedade. Muito bom!!! Beijão pra todos e aproveita a terrinha. Bons vinhos!!!
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Minha amiga Lucia,
Bons vinhos por aqui não faltam.
Obrigado por comentar. Espero que já esteja em casa, com tudo correndo bem.
Beijos!
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Vixe…polêmicas a parte o convívio com os insetos é muito difícil pra mim também.
Entretanto com os humanos a complexidade aumenta consideravelmente, sendo necessário
sabedoria e equilíbrio!
Felizmente a abelha 🐝 nesse caso foi a conciliadora e isso foi “importante “!!rsrsrs…Estavam aprendendo a receita de pão de mel?😚
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Minha irmã,
Muitas receitas boas, mas o mel ficou só por conta da abelha… De fato entre os humanos nem sempre as coisas são tão doces, não é?
Beijos e uma ótima semana, com muitos passeios com o Tom!
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Meu amigo, o problema é de relações humanas mesmo. O ser humano é complicado.
Trabalhar em grupo tem dessas coisas.
Abraços e boa semana!
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Meu amigo Newton,
Realmente trabalhar em grupo é ao mesmo tempo essencial e desafiador.
Desejo que estejam muito bem e Nuri totalmente recuperada.
Grande abraço e uma ótima semana para vocês!
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Meu jovem amigo e irmão Antônio Carlos, eu gostei do divertido texto, obrigado.
Osluzio Félix
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Querido amigo Osluzio,
Que bom ter se divertido!
Um forte abraço e uma ótima semana!
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Tive muita pena da pobre e sacrificada abelha, que depois de ser espancada, pisoteada e humilhada, resolveu escafeder-se por baixo da porta. Que destino … Pelo que observei, depois do inusitado episódio, a aula de culinária foi para o “brejo”.
Sds.
Carlos Vieira Reis
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Caro amigo Carlos,
De fato, com a presença da abelha, a culinária passou a segundo plano…
Espero que o amigo esteja bem.
Uma ótima semana!
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Interessante a reação das pessoas. Abelha esperta!! Saiu fora. Qual a importância das pessoas para a vida dela? rsrs. Novamente instigante sua crônica. Sigo acompanhando.
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Yara,
Bom saber que continua acompanhando as crônicas.
Grato por comentar.
Desejo uma ótima semana!
Abraços.
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Já nem as abelhas podem ser curiosas…. e querer aprender a cozinhar!
Esta crónica dava uma dissertação sobre o ser humano…
Boa semana!
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Dulce,
Grato por comentar.
Também desejo uma ótima semana!
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Querido amigo. Mais uma aula das dificuldades de arrumar os relacionamentos humano. Felizmente a colmeia da qual fazia parte a nossa intrusa abelha não tomou conhecimento do ocorrido pois se soubesse acho que o final seria bem diferente. A aula prosseguiu ???
Um abraço bem melado…
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Amigo Nei,
A aula prosseguiu e a receita passou a ser de pão de mel em homenagem à intrusa…
Obrigado por comentar, meu querido amigo!
Grande abraço, beijos na Jaciara e uma ótima semana para vocês.
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Fala meu querido caminhão! Ótima crônica, gostei muito. Pena que deixaram executar uma tarefa que seria interessante p/ discutir sobre a pobre abelha( rsrsrs)
Enviado do meu iPhone
>
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Fala meu querido amigo Luiz Carlos,
Fico feliz que tenha gostado da crônica.
Obrigado por comentar.
Um grande e saudoso abraço!
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Às vezes, um interesse comum une as pessoas, mas acontecimentos insignificantes são capazes de revelar se estamos ou não preparados para resolver qualquer problema em união fraterna.
Sua crônica nos leva a pensar o quanto é importante unirmos forças para solucionar as diferentes questões da vida.
Parabéns, leitura divertida e instigante. Deixou um gostinho bom de mel…
Uma alegre estada em Portugal, se deliciando com a arte e os sabores da Terrinha.
Um abraço especial nas “meninas” e um carinho no neto.
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Helena,
Realmente unir forças para resolver problemas é sempre desejável, mas nem sempre possível. Infelizmente…
Fico contente que tenha se divertido e levado a reflexões.
Aqui em Portugal tudo tranquilo, graças a Deus!
Um grande abraço e obrigado pelo gentil comentário!
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Incrível que em uma única aula com tão poucos alunos , o tema se desperdiçou e gerou conflitos.
Fiquei curiosa com a receita que iriam executar.
Adorei a crônica, adoçou meu dia.
Beijos.
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Minha irmã,
A receita era um risoto de alho poró, mas ficou em segundo plano até que a abelhuda nos deixou…
Beijos e obrigado por comentar!
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Querido primo,
Lembra daquele velho ditado “Cada cabeça, uma sentença”?
É exatamente assim.
Nesse momento aflora o universo interior, formado e cultivado ao longo dos anos e logo reconhecemos os medrosos, os pacientes, os covardes, os compassivos…
E raramente o desfecho é conciliatório.
Uma incoerência frente ao comportamento das abelhas que simbolizam justamente a harmonia e a cooperação pelo trabalho em equipe nas colméias.
E mais: enquanto a sanguinária gritava ” mata” , as abelhas são responsáveis pela sobrevivência humana e de outras espécies em nosso planeta.
Que esse paralelo nos traga mais uma reflexão para essa agradável crônica.
Beijos
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Querida prima Gena,
Bem lembrado! A harmonia e cooperação nas colmeias podem nos ensinar muito.
E as abelhas desempenham um importante papel na natureza, sem dúvida.
Boas reflexões.
Beijos e uma ótima semana!
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