MEGERA

Eu escolho hotel pela sauna. Prefiro a vapor, mas se não tiver pelo menos uma sauna seca, escolho outro hotel.

Este hábito vem de uma época em que minha família tinha uma casa na montanha e, no friozinho, eu achava o prazer da sauna extraordinário. Assim, desde adolescente, é só a temperatura cair e já me meto no forno para aquecer e no jato d’água para esfriar. Como me agrada o choque térmico. Saio da sauna com um superávit de bem-estar, revigorado e relaxado ao mesmo tempo.

A melhor sauna que já tomei foi nas montanhas de Nova Friburgo, numa pousada simples, bem em meio a natureza. A sauna ficava um pouco distante, isolada no meio da mata, às margens de um rio calmo e limpo que enfeitava a região.

A primeira coisa que fiz foi vestir o uniforme de sauna: calção e roupão. Peguei uma toalha, ingressei numa trilha estreita e, mesmo sentindo um pouco de frio, rumei animado e ansioso para aquilo que se poderia chamar de uma cremação interrompida prematuramente.

O forno da sauna era a lenha, o que por si só já trazia um aroma mágico que me transportou para tempos da minha infância na roça. O encarregado do dispositivo de esquentação me recebeu com gentileza:

— Já está quentinha. O senhor pode entrar.

Mal me acomodei e ele, abusando do direito de agradar, abriu a porta e depositou em cima da serpentina aquecida um buquê de capim-limão colhido ali mesmo, há poucos minutos. Meu Deus! Acho que nem nas melhores perfumarias de Paris se conseguiria uma fragrância tão encantadora.

Interessante como os cheiros bons da natureza são incomparavelmente melhores que os perfumes produzidos em laboratório pelo homem.

Passados uns 20 minutos assando no forno, fiquei no ponto. Parti então para buscar o antídoto. Saí da sauna em busca da ducha e aí veio outra surpresa: não havia chuveiro. Procurei, dei a volta na cabana da sauna e nada encontrei.

Foi quando o catador de capim-limão me orientou que ali, bem em frente à sauna, havia um trampolim para mergulhar no rio. Parti correndo e atirei-me nas águas calmas e geladas. Foi como ir ao céu e voltar. E quem vai ao céu volta diferente, claro. A leveza que senti era tanta que só me faltou andar sobre as águas…

Repeti o ciclo mais duas vezes. Voltei para a pousada, sentindo que havia me livrado de um sujeito que estava vivendo em mim, cheio de contrariedades, preocupações e ansiedades. Meu estado de espírito era tal que, voltando pela trilha, pensei em vestir uma camiseta com apenas uma frase: “A vida é bela!”

Neste ponto peço desculpas ao leitor por alongar-me tanto antes de entrar no assunto que deu título à crônica. As lembranças me traíram, ou melhor, me atraíram, mas já vou me retratar.

O episódio que tem conexão com o título deu-se muitos anos depois, numa sauna bem mais moderna, sem os encantos e eflúvios que afloraram à minha memória.

Foi assim: cheguei ao hotel após um dia cheio de passeios e fui direto para a sauna. Abri a porta e lá dentro já havia uma vítima sendo cozinhada lentamente. Cumprimentei-o e tomei lugar no caldeirão.

— O senhor vem sempre aqui? — perguntou-me.

Achei a pergunta mais típica de uma paquera de bar…

Meio ressabiado, respondi e começamos a conversar. Era um sujeito do interior, vivaz e simpático. Um daqueles tipos raros que fala, mas também ouve e quando faz uma pergunta presta atenção na resposta. Enfim, uma pessoa agradável e interessante.

Ficamos ali refogando por um bom tempo.

Ele chegou a comentar que havia colocado um pouco de Vick VapoRub em cima do forno para dar um cheirinho. Eu nunca tinha ouvido falar neste uso da pomada descongestionante nasal. Ai, que saudades do capim-limão…

De repente, notei pela janela de vidro uma mulher se aproximando. O leitor mais perspicaz já adivinhou que se tratava da megera.

Na posição em que ele estava não podia ver. Ela vinha num passo duro, socando os calcanhares no chão e balançando excessivamente os braços. Era corpulenta, rígida, de cabelos armados e queixo de bruxa.

Contornou a sauna e quando passou em frente a nós, o sujeito a viu. Pronto: deu um pulo e pôs-se de pé como um soldado raso na chegada de um general:

— É a minha patroa! — declarou, temeroso.

Logo em seguida percebi que o uso do termo “patroa” tinha sido no sentido literal da palavra. A jabiraca abriu a porta antes dele e exclamou em tom, digamos assim, desprovido de simpatia e suavidade:

— Já chega!

— É que… só agora a temperatura ficou boa — respondeu o soldado, em tom suplicante.

— Eu vou me arrumar para o jantar. Anda com isso! — proclamou o general.

Proferiu a sentença com autoridade e voltou no mesmo passo duro, mas que agora eu passei a achar parecido com uma marcha militar.

Ele então voltou para o forno, meio ressecado, ou melhor, ressentido.

Nem chegou a sentar. Olhou o termômetro sem interesse, assim como alguém em um elevador que finge olhar alguma coisa para escapar do constrangimento da companhia de estranhos.

Eu não sabia o que dizer a ele.

Fiquei pensando que nos tempos atuais os casais parecem funcionar de forma mais equilibrada. É uma evolução dos tempos. Ambos têm voz, negociam mais, colaboram entre si e buscam uma relação mais igual e conciliadora. Claro que existem exceções, e ali estava uma, mas parece que cada vez menos existem casais em que um aceite ser subjugado pelo outro.

Era um casal desajustado no tempo, vivendo hoje com conceitos de ontem. Ou anteontem…

O fato é que a rabugenta partiu levando junto a alegria do meu companheiro de incineração. A sauna esquentou, ele esfriou.

Eu queria animá-lo. Pensei em lembrar-lhe um provérbio árabe que afirma ser melhor o temporal da raiva que o rancor do silêncio, mas logo desisti. Era descabido e não ia ajudar em nada. Falar só para preencher espaço não costuma dar bom resultado.

Ficamos em silêncio. A megera levou também o nosso assunto.

Ele então, triste e cabisbaixo, ciscou pelo chão como um garnisé, foi para lá e para cá naquele exíguo espaço, talvez pensando no que iria fazer. Se houve lágrimas estas se confundiram com o suor. Passado um minuto ou menos, resignou-se e optou por ir embora.

Muito sem graça, abriu a porta e ainda olhando para baixo, disse:

— Obrigado…— e depois, já quase fechando a porta, completou — pela companhia!

Já com a porta fechada e certo de que ele não ouviria, respondi:

— Obrigado… pela crônica!

Antonio Carlos Sarmento

26 comentários em “MEGERA

  1. Kkkkk, li o comentário do Chico Mantuano e ri por ele expor termos do “passado”. Creio que a própria sauna ja é meio que um equipamento, infelizmente, cada vez mais raro. Me lembrei muito de hoteis fazenda em Minas, e serra do Rio que mamãe e papai adoravam passar fim de semana.
    Me pergunto: mesmo sem querer ser saudosista, como serão as crônicas que a geração atual escreverá? Bom domingo.

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  2. A sauna com a Jabiraca, rabugenta rsrs, ri porque não ouvia esses termos há tempo, muito legal!
    Fiquei com pena do sujeito.
    Eu também prefiro sauna a vapor, e não gosto muito da seca.
    O que me chamou atenção, na ótima crônica com a imagem clara da história, foram os costume: 1) Você com a sauna a vapor 2) A rabugenta de reclamar 3) E o coitado viciado em ganhar bronca.
    Eu prefiro um ” chuvisco em vez de um temporal no lugar do silêncio…”
    Que jabiraca!!!

    Muito bom Cacau!
    Bjs

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    1. Valeu Chico!
      Realmente são termos de pouco (ou quase nenhum) uso, mas confesso que tenho prazer em ressuscitar algumas palavras.
      “Jabiraca” é uma palavra com boa sonoridade e muito expressiva: é uma injustiça deixá-la no esquecimento… hahahaha
      Abraços e muito obrigado por comentar.

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  3. Querido amigo.
    Peço desculpas por não comentar a crônica anterior mas o meu intenso engajamento na campanha do meu candidato a presidência da República tem ocupado sobre maneira o meu tempo.
    Acho que estou precisando de uma sauna dessa que você tão bem ilustrou. Só não quero que apareça uma megera do tipo surgido na sua crônica … Confesso que não sou muito ligado a sauna…. Acho que deve ser coisa de bacana…. Como é o seu caso… Parabéns mais uma vez pela surpresa do assunto. É impressionante a sua diversificação nos assuntos e quanta imaginação ….
    Grande abraço amigo. Precisamos nos ver…

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    1. Caro amigo Nei,
      Felizmente aproxima-se o dia 30 e o amigo poderá enfim descansar, espero que feliz e aliviado.
      E quem sabe, dar uma de bacana e tomar uma bela sauna. Sem megera, claro!
      É de fato um desafio encontrar um assunto por semana para escrever, mas por enquanto está dando certo.
      Um grande abraço, meu amigo. Vamos nos encontrar, por favor.
      Beijos na Jaciara!

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  4. Sauna é tudo de bom, minha família adorava ir a um sítio perto de Paraiba do Sul, onde depois da sauna corríamos para a cachoeira.
    Gostei demais da crônica, falando do jeito da Adélia Prado.
    Guardei na memória a imagem que você descreveu da sauna no meio da floresta e até senti o cheirinho gostoso do capim-limão.
    Meu domingo ficou colorido e perfumado, a senhora mandona não conseguiu macular a beleza.
    Cultive o dom de escrever, querido amigo, do seu jeito é caminho certo para manter a felicidade.
    Um abraço grande a todos.

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    1. Cara Helena,
      Seus comentários são sempre preciosos. Vou ler um pouco de Adélia Prado para comentar sua generosa comparação.
      Colorir e perfumar o seu domingo é um privilégio para mim…
      Um carinhoso abraço e uma ótima semana!

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  5. Sarmento, recomendei sua crônica ao Biondo com quem estive em uma reunião na Aenfer esses dias. Gostou de saber de seu viés literário. Abraço fraterno e SRN!

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  6. Ótima crônica como sempre!

    Me diverti com a megera, jabiraca, general e acrescento casca grossa.
    Coitado!
    Não frequento muito a sauna mas gosto a vapor.
    Abraços e boa semana.

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    1. Amigo Newton,
      Aí no interior de São Paulo o friozinho é sob medida para uma sauna. E você tem a sorte de não haver uma Casca Grossa pra te perturbar… hahahaha
      Grande abraço, meu amigo. Uma ótima semana a você e Nuri!

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  7. Querido primo,
    Que contraste entre suas palavras e as da megera: desfrutamos desse campo cheiroso, desse mergulho restaurador e dessa leveza de espírito. Uma descrição calorosa, tal qual o clima da sauna.
    Daí, recebemos a ducha fria: o comportamento da megera. Penso até que o matuto estava na sauna justamente para desfrutar de paz, longe da esposa.
    Salomão descreve muito bem a sensação de conviver com uma mulher rabugenta:
    ” Melhor é morar numa terra deserta do que com a mulher rixosa e iracunda”.
    Felizes são os que convivem com respeito e amor.
    De um coração em paz, brotam palavras agradáveis e reflexões profundas. Como as do nosso cronista.
    Um afetuoso abraço

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    1. Querida prima Gena,
      Adorei seu comentário!
      De fato, o que me motivou a escrever a crônica foi justamente este contraste, que você tão bem destacou, entre a paz e o bem estar da sauna, bons aromas, contato com a natureza e o transtorno de um relacionamento rancoroso.
      Obrigado mais uma vez por sua constante presença por aqui, minha prima.
      Beijos e uma ótima semana!

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  8. O jovem amigo Antônio Carlos tem muitas histórias, um celeiro repleto de coisas boas.
    Obrigado meu querido amigo e irmão .
    Oslúzio Fonseca

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