O EFEITO CLINT

Não planejei escrever sobre isso, mas às vezes o tema teima. Sim, ele quer vir, se mostrar, se manifestar e, quem escreve sabe: a vontade da mente é soberana e não aceita recusas, sob pena de negar-se a produzir. Sendo assim, mesmo sob o risco de não agradar, vou escrever sobre algumas reflexões que me ocorreram recentemente.

Inicio contando que li uma reportagem sobre o ator Clint Eastwood e foi a partir daí que me ocorreram inspirações. Foi isso que acendeu o pavio. Às vésperas de completar 88 anos, o ator saiu com um amigo músico, Toby Keith, que em determinado momento perguntou-lhe:

— Clint, o que você vai fazer no dia do seu aniversário?

— Vou iniciar a gravação de um novo filme.

— Não acredito! Com esta idade? Vai dirigir e atuar?

— Sim.

— Por favor, me conte qual o segredo para manter-se tão ativo.

— É simples — respondeu Clint.

Olhou para o teto e completou:

— Todos os dias, ao acordar, eu determino a mim mesmo: Não deixe o velho entrar!

O amigo achou tão fascinante que fez uma bela música com este título —“Don’t let the old man in”.

Pois bem, depois deste filme, Clint ainda fez mais dois e não duvido que hoje, aos 93 anos, continue dirigindo e protagonizando. Isto sim, é fantástico!

Terminei de ler e saí para a minha caminhada diária. É curioso, mas para mim, caminhar e pensar são coisas muito interligadas. Já citei em alguma crônica uma frase que meu pai mantinha numa pequena placa em cima da mesa de seu escritório: Ande, sua cabeça vai melhorar!

Pois é assim comigo. Eu caminho para melhorar a saúde física, mas parece que colho um benefício maior no espírito, nos sentimentos e emoções. Para mim é uma espécie de psicoterapia andante. Meus pensamentos caminham juntos com os passos, os movimentos das pernas exercitam meus neurônios, fazem musculação nas minhas ideias e alongamento em minhas reflexões. Descubro muita coisa escondida de mim em mim mesmo. São possíveis tramas da mente realizadas em segredo e em silêncio que a caminhada desvenda e traz à tona.

Não sei se é porque estou me aproximando de completar 70 anos de idade, mas logo nos primeiros minutos da caminhada percebi que, quando era mais jovem, meu aniversário pedia comemoração. Agora pede reflexão.

Talvez porque a maturidade nos leve a percorrer caminhos mais voltados a pensamentos, avaliações e propósitos de vida do que a grandes festas e celebrações. Pode ser que a idade faça crescer o gosto por coisas mais profundas. Claro que é bom reunir pessoas queridas e no mínimo cantar parabéns em torno de um bolo, porém algo assim tão simples já é significativo e satisfatório.

Prossegui pelo caminho colhendo conjecturas. Pensei que às vezes me volto para o passado e é interessante passear por recordações, valorizar momentos e conquistas, reavaliar situações ocorridas, rir de novo do que foi engraçado, voltar a sofrer com o que foi triste e até mesmo amargar arrependimentos.

O que já ficou para trás tem muito valor, mas nesta caminhada segui desconectado do passado, como se minhas lentes multifocais estivessem com o campo de visão ajustado para longe, para adiante, voltado para o que há de vir. Possivelmente o efeito Clint.

Pensei não no que me espera, mas no que quero encontrar. Não apenas em seguir ao encontro do que parece inevitável, mas lutar pelo que parece desejável. Não aceitar que há um destino traçado, mas estar disposto a contrariá-lo, andar na contramão, quebrar a regra, trocar as conformidades por oportunidades.

Assomaram então vontades submersas, adormecidas. Quanta coisa ainda quero: aprender o que ainda não sei, dar abraços que ainda não dei, fazer viagens que ainda não fiz, ter coisas que sempre quis, experimentar comidas que ainda não comi, beber vinhos que ainda não bebi, contar histórias que ainda não contei, dizer coisas que ocultei, ver paisagens que ainda não vi, enfim, viver o que ainda não vivi.

Note o caro leitor que não é lamentação, é intenção. Não é para reclamar, é para renovar.

Afinal, um homem de 88 anos, rico, com quatro estatuetas do Oscar na estante, partiu para um novo ano de vida com juventude e entusiasmo. Iniciou um novo projeto no dia do seu aniversário, sem pensar no que já fez, sem deitar em berço esplêndido, sem se vangloriar dos êxitos alcançados, sem pensar em cansaço ou incapacidade, rejeitando o fim e querendo recomeço. Bateu a porta na cara do velho!

Fui terminando a caminhada agradecido ao Clint. Ah, se eu pudesse dar-lhe um dos abraços que ainda não dei…

Cheguei em casa e, ao também bater a porta, pensei que há muitos jovens velhos e poucos velhos jovens. Pois bem, eu quero ser um deles!

Antonio Carlos Sarmento

26 comentários em “O EFEITO CLINT”

  1. Prezado Antonio Carlos:

    Eu, também, cheguei a essa conclusão. O importante na vida, depois do 70 anos, é se considerar um velho jovem …

    Sds. do amigo e leitor, que nunca bate a porta para suas amizades !!!

    Carlos Vieira Reis

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  2. Caro Amigo Sarmento, muito bom dia. É sempre um motivo de muita alegria, para mim, ter a oportunidade de ler as suas crônicas. Minha identificação com elas, é sobejamente conhecida. Dentro de uma ou outra sempre encontro “algo” que destaco, contudo, desta vez, assinalo que já tinha lido sobre essa passagem com o Clint “Não deixe o velho entrar” que é uma lição de vida para quem se reconhece imortal, um exemplo de esforço, a meu ver, a ser seguido, além de admirado e, essa passagem é o destaque principal, de hoje.. Viver com alegria, entusiasmo e boa vontade, é um preceito de um amigo meu, de que é o caminho para tornarmos o mundo melhor, em toda a sua amplitude. Mais uma vez, parabéns. Para não perder o hábito, o destaque de hoje, além do objeto da crônica, é: “o tema teima”. Recomendações à querida família, em especial ao aniversariante do mês, fonte de sua inspiração.

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    1. Amigo JH,
      Você sente alegria ao ler minhas crônicas e eu ao receber seus comentários.
      Sempre aprendo algo, percebo como temos pontos de vista comuns e posso apreciar sua generosidade e gentileza.
      Sigamos então vivendo “com alegria, entusiasmo e boa vontade”!
      Abraços em todos da família, que tenham uma ótima semana e um beijo especial para a Catarina!

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  3. As suas crônicas sempre me levam a reflexões e lembranças profundas.
    Interessante, que ontem em uma reunião festiva de aniversário, estava falando sobre o que as pessoas querem alcançar.
    E essa pergunta foi feita a mim, eu respondi que irei fazer 68 anos, e o que eu quero é ser feliz 10 vezes mais do que fui até agora.
    O nosso cérebro é treinável, e sendo dessa forma eu o treino de maneira que ” o melhor está sempre por vir. ”
    Acredito, que as pessoas confundem um pouco as coisas, muitos falam ” Eu queria ser o Clint Eastwood “, eu não serei o Clint, mas posso ser 10 vezes melhor o Chico.
    E quero dar um forte abraço em você, por essas crônicas maravilhosas, o que é possível e o farei hoje a tarde.
    Até lá!

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    1. Amigo Chico,
      Nem é preciso que você seja 10 vezes melhor, mas desejo muito que seja 10 vezes mais feliz!
      Concordo que de fato é um engano querer ser uma outra pessoa, quando basta buscar ser o melhor de si mesmo.
      Um novo abraço além do dado ontem pessoalmente!

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  4. Olha, a vida também pode ser definida como um amontoado de opções onde se perder é algo muito provável e mesmo que tentemos nos manter retos e balancearmos a nossas decisões entre o racional e o emocional, certamente algumas vezes nos deixaremos levar pelo caminho errado.
    A idade é um desses desafios que temos na vida e manter se saudável e com pensamentos positivos e elevados pois o caminho natural é o oposto.
    Eu sou réu confesso, fico balançando entre entre as várias opções, as vezes não sei exatamente o porquê, e algumas vezes opto pelo caminho reto e outras pelo lado tortuoso.
    Uma das boas coisas da vida é que você pode corrigir as opções com outras opções e assim tentar tornar os caminhos tortuosos um pouco mais retificados ou até mesmo retos.
    Um bom tema este domingo para reflexão de todos nós.
    Que tenhamos todos um ótimo domingo em família,
    Abraços primo.

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    1. Caro primo Rômulo,
      Sempre aprecio quando a leitura da crônica produz reflexões, como foi o seu caso. Acho que a leitura é boa quando deixa algum rastro, mesmo que apenas um pequeno resíduo em nossos pensamentos. Fazer pensar é um dos meus lemas ao escrever.
      Obrigado por compartilhar suas reflexões com tanta sinceridade, chegando até a ser réu confesso… Isso é sinceridade e confiança.
      Abraços a todos e uma ótima semana!

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  5. Oi querido amigo.
    Início meu comentário com sua frase que quando jovem seu aniversário pedia comemoração e agora pede reflexão.
    É uma pura realidade. Recentemente, eu e Jaciara comemoramos os nossos 82 e 81 mas nossa comemoração foi um agradecimento a Deus por chegarmos até aqui. Confesso que dediquei muito mais tempo refletindo sobre o nosso envelhecimento. Muitas perguntas nos vêem a mente. A principal a meu ver é nos questionar se somos pessoas melhores em todos os sentidos.
    A preponderância na sua crônica do saber viver a velhice é muito válida e correta lhe dou os parabéns por isso.
    Desculpe se fui prolixo mas esse tema está permanente mente em minha vida.
    Obrigado amigo.

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    1. Meu querido amigo Nei,
      Para mim o aniversário de vocês pede reflexão e comemoração. Ainda quero dar o abraço que não dei…
      Obrigado por comentar, meu amigo.
      Desejo uma maravilhosa semana a você e Jaciara!
      Beijos

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  6. Fantástica reflexão! Sabe porque, Sarmento? Porque tenho me visto sem aspirações sobre novos desafios. Tendendo a achar que ir vivendo me basta, e isso não é bom. Bom é sonhar com desafios e perspectivas novas. Crer que por estarmos vivos e não sabermos quando Ele nos chamará devemos viver intensamente e agradecer por cada dia que Ele nos dá. Grande abraço e viva Clint!

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    1. Amigo Luigi,
      Muito bom você compartilhar seu estado de espírito e revelar que a leitura o levou a reflexões. Espero que a crônica lhe seja útil e desperte novas aspirações, como aconteceu comigo.
      Um grande abraço, meu amigo e uma ótima semana para vocês!

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  7. Clint Eastwood é realmente um caso fora de série. Pela quantidade e qualidade. Magistral essa de “Não deixe o velho entrar!”
    Gostei muito da sua reflexão.
    E tentemos, tentemos todos os dias… não deixar o velho entrar!

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  8. Amigo querido, faço questão de eu mesma bater à porta na cara da velha, assim como faço questão de comemorar meus aniversários. Serão 75 anos bem vividos esse ano e o vinho especial já está comprado. Beijão em todos.

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  9. Boa noite querido amigo!
    Muito interessante esta sua crônica!
    Aos 71 anos, tenho refletido bastante a respeito de tudo.
    Tenho tentado ser um velho jovem e manter a fé e alegria de viver.
    Abraços e boa semana!

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  10. Boa tarde meu amigo. Estamos em Teresópolis e só hoje resolvi ler a crônica de domingo passado. Você tem toda razão! Caminhar faz um bem danado, e no meu caso não é físico não! E um bem mental! Quando estou caminhando, milagrosamente consigo arranjar soluções para os meus problemas domésticos! É verdade! Normalmente vou escutando músicas pré-selecionadas por mim do Spotify, e hoje já são 250 músicas, que ajudam a coordenar a minha mente. Adorei a crônica de hoje em que você “bota prá fora” aquilo que pensa. Parabéns! Há, antes que esqueça também sou fã do Clint desde de pequeno e acho que assisti todos os filmes dele. Abraços e fiquem com Deus.

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    1. Meu caro amigo Aylton,
      Sei do seu hábito saudável de caminhar e acho que graças à isso está tão bem!
      Depois compartilha comigo a sua playlist do Spotify para que eu também possa curtir!
      Grande abraço e uma ótima semana a você e Regínia!

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  11. Querido cronista,
    Interessante que, recentemente, assisti a um filme com Clint Eastwood ( Cry Macho) e gostei muito de vê – lo em cenas românticas. O corpo não combinava, mas o coração se entregava, confirmando o que já disse o poeta: a alma não tem idade e a mente não envelhece.
    É isso: vamos viver nossos dias sem somar os anos, e sim correspondendo ao brilho de nosso interior. Cheios de expectativas.
    Ainda estamos no ponto ( ah, tio Alfredo!). Vamos aproveitar esse privilégio .
    Sobretudo, vamos contar nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios.
    Comunhão é o que garante a paz na alma.
    No mais, desejo que tenha, por muito tempo, joelhos fortes para desfrutar de suas gostosas caminhadas e que, nos seus projetos de viagem, de vinho, de novas histórias, guarde sempre um abraço para presentear essa prima que admira seu trabalho e aplaude, de pé, suas conquistas.
    Beijo

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    1. Querida prima,
      O filme que você cita do Clint é posterior a este ao qual me referi, ou seja, ele tinha ainda mais idade, mas permanecia jovem, realizando projetos e nos brindando com obra admiráveis.
      Sim, ainda estamos no ponto e vamos aproveitar a vida em plenitude.
      Muito obrigado por seu comentário rico e agradável. Seu abraço e o carinho que tenho por você estão sempre garantidos!
      Beijos e uma maravilhosa semana!

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