A FORÇA DO HÁBITO

Ana aguardava ansiosa a chegada da amiga. Já estava acostumada aos seus atrasos, mas não conseguia deixar de sentir uma certa irritação. Várias vezes cogitava ir pedindo alguma coisa ao garçom, para distrair-se e amenizar a espera. Mas acabava sempre resolvendo aguardar, pois achava assim estar retribuindo a descortesia do atraso com uma gentileza. Esta elegante atitude nunca tinha surtido efeito, mas ela continuava insistindo.

Silvinha chegou esbaforida, esbanjando alegria. Cumprimentaram-se e mesmo antes de sentar-se já desatou a falar. Sua excitação tinha razão de ser:

– Tenho um encontro hoje. Nem posso demorar, pois vamos sair pra jantar. Ele passa às oito para me pegar.

– Estou desconfiada que você vai se atrasar…

Silvinha ignorou a provocação e continuou:

– Ele me viu numa foto com a Jandira lá do escritório. É primo dela. Ficou perguntando de mim e a fofoqueira da Jandira contou tudo.

– Disse que você sempre se atrasa?

– Deixa de ser chata, Ana. Depois de saber que eu estava solteira, ele falou que queria me conhecer. A Jandira correu pro banheiro e me ligou. Claro que não dei resposta na hora, mas no dia seguinte conversamos no escritório, ela me mostrou a foto dele e acabei concordando. Ele me ligou ontem e marcamos.

– E a fofoqueira disse o que dele?

– É um pouco mais velho do que eu, tem 37 anos, solteiro, é bancário…

– Melhor se fosse banqueiro.

Silvinha fingiu não ouvir. Chegou o garçom e pediram dois sucos.

– É moreno, a Jandira acha que tem a mesma altura que eu e diz que é super simpático, gente boa. E, muito importante, não usa barba. Detesto barba.

– Você é engraçada, Silvinha. Se apega a cada detalhe.

– Não gosto mesmo. Nem bigode. Não suporto.

– Se formos muito exigentes não sobra ninguém.

– Não sou muito exigente, mas tem umas coisas que não dá. Lugar de pelo é na cabeça. Acho ridículo aqueles carecas com barba. Uma compensação que não funciona.

Ana resolveu ser mais condescendente com a amiga. Percebeu que no fundo estava com uma certa inveja daquele encontro. Ia sair dali direto pra casa e repetir a velha rotina, enquanto a amiga teria uma noite muito mais interessante. Tomou um longo gole do suco para engolir a inveja e retornou:

– Mas que legal, Silvinha. Tomara que dê tudo certo.

Silvinha não percebeu a mudança de rumo da conversa e insistiu:

– O mais importante pra mim é observar os hábitos. A maioria dos relacionamentos acaba por causa de hábitos incompatíveis. E as pessoas não conseguem mudar seus hábitos. Então é preciso conhecer logo os hábitos do outro para ver se você se adapta, senão…

Ana ficou curiosa.

– Como assim? Dá um exemplo.

– Ah, sei lá. Tem gente que tem o hábito de tomar banho quando acorda e não quando chega em casa à noite. Quer dizer, vai dormir sujo do dia inteiro passado na rua. Só fica limpo pra sair de casa. Não aguento isso!

– E como é que você vai descobrir esses hábitos?

– Esta é a parte mais fácil. As pessoas adoram falar de seus hábitos. Apenas umas perguntinhas e derramam toda a verdade. Pode experimentar: é tranquilo. Ninguém escapa.

Ana surpreendeu-se um pouco com essa ideia. Surpreendeu-se e preocupou-se. Seria bom escarafunchar os hábitos do outro logo num primeiro encontro? Pensou que este poderia ser o caminho certo para dar tudo errado.

– Silvinha, hoje não durmo enquanto você não me ligar para contar o encontro.

– Menina, devo chegar tarde e você acorda muito cedo. Pode ir dormir e amanhã te conto.

– Negativo. Vou ficar esperando você me ligar e torcendo para ser ótimo.

Despediram-se com este compromisso. Ana foi para casa. Enquanto tirava a roupa para tomar banho, lembrava das coisas ditas por Silvinha. A importância do hábito. Ninguém muda hábito. Será? Ligou a televisão. Esparramou-se no sofá, determinada a esperar o resultado. Pensou: se Silvinha ligar logo é porque atrasou muito e o primo da Jandira não teve paciência de esperar. Não, isso não, nenhum homem faria isto num primeiro encontro.

Já cochilava quando o telefone tocou. Atendeu num sobressalto. Do lado de lá uma vozinha murcha:

– Oi…

– E aí, Silvinha. Como é que foi?

– Não deu certo.

– Mas o que houve? A descrição da Jandira estava errada?

– Não.

– Ele tinha barba?

– Não. Uma coisa muito pior. Insuportável! Não dá!

– Então fala o que foi. Já sei: aquela coisa de hábito? Eu tinha ficado preocupada com aquilo. Você precisa repensar isso e largar essa ideia. As coisas se ajustam com o tempo. A gente cede um pouco, o outro também e aos poucos tudo se ajeita. Foi por causa de um mau hábito, né?

– Não foi mau hábito. Foi mau hálito!!

Antonio Carlos Sarmento

3 comentários em “A FORÇA DO HÁBITO”

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