O engarrafamento era infernal. Na volta para a casa, após um dia de trabalho, cansado, ficava ainda pior. Mas, naquele dia, ele fez o propósito de encontrar alternativas para mudar a situação. Enquanto a maioria se exasperava ou desesperava nos congestionamentos, ele pensou que podia enfocar o lado bom da situação: estava sozinho, inacessível a tantas demandas do trabalho e da família, podendo ouvir suas músicas preferidas e curtindo a temperatura gostosa do ar condicionado.
Diagnosticou que o stress no trânsito era para quem não tinha paz de espírito para ficar sozinho. Ele não! Gostava de estar consigo mesmo. Não seria tomado pelo ativismo que domina a sociedade moderna. Era esta necessidade de fazer coisas o tempo todo que condenava mundialmente os engarrafamentos. As pessoas, imobilizadas pelo trânsito, sentiam-se frustradas pela ausência de suas atividades e esse era o problema.
Chegou a pensar que o mundo precisava mesmo era de terapia desocupacional. Claro! Existe hoje muito mais excesso do que falta de ocupação. Bastaria reciclar os terapeutas ocupacionais, invertendo-lhes os objetivos e poderiam curar muita gente. A clientela seria imensa. Também as academias de ginástica deveriam ser transformadas em locais de inatividade física. Isso mesmo: a pessoa entrava, encontrava seu “personal-trainer” e ficava malhando imóvel durante uma hora, exercitando a paralisação do corpo e a profunda respiração aeróbica.
Era isso! Para ele agora tudo seria diferente. Estava decidido: assumiria uma atitude superior, calma e segura. Olharia os engarrafamentos de uma forma nova, revolucionária. Dedicaria estes períodos de solidão exatamente para curtir a si mesmo, refletir sobre a vida, desfrutar da delícia de fazer nada e relaxar. Era assim, pensando fora do quadrado, na contra mão das ideias comuns, que faria a diferença.
E ousou ir além. Também iria ignorar o comportamento irritante dos outros motoristas, mudando de faixa, dando fechadas e buzinando. Sabe-se lá o problema dos outros. Nada afetaria seus nobres propósitos e sua paz interior. Amava o mundo e as pessoas, todos filhos de Deus e seus irmãos. Lembrou do filme “A vida é bela”!!
De repente, foi chacoalhado por um movimento inesperado, acompanhado de um barulho típico. Olhou pelo espelho retrovisor. Uma Kombi velha tinha se incorporado ao porta-malas do seu carro.
Respirou fundo e tomou a decisão.
Confiante, abriu a porta e saltou.
Caminhou calmamente em direção ao acidente, já com o revólver em punho.
Antonio Carlos Sarmento
É interessante como as pessoas mudam seu perfil rapidamente.O poder de concentração vai até acontecer a surpresa inesperada.
O mesmo acontece em outras situações da vida, o programado conseguimos enfrentar, já os desafios de enfrentar o inesperado é algo b diferente…tipo : ” aproveita enquanto estou calmo”…
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Muito bom. Difícil encarar o inesperado com tranquilidade
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Pois é. E no trânsito muitas vezes se perde a cabeça…
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O ser humano é instável! Precisamos de muita sabedoria, que só alcançamos depois de certa idade, para decidirmos viver somente o que os faz feliz. Enquanto isso, muitos arrependimentos e dissabores…
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Isso aí Prima!
Vale uma reflexão sobre isso.
Muitas vezes o trânsito provoca atitudes impensadas em muitas pessoas.
Beijos!
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hahahahahahahahaha passo por esse dilema todo dia. Só não tenho arma e isso é muito bom para minha liberdade.
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Graças à Deus não tem arma, não é Jean?
Trânsito é muito estressante. Precisamos nos controlar.
Abraços e obrigado por comentar!
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